Manual do perfeito midiota – 10, por Luciano Martins Costa

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Brasileiros

Esse é um dos sintomas que denunciam a midiotice: a pessoa se considera a legítima herdeira da nacionalidade, apesar de, no íntimo e às vezes explicitamente, sonhar com um apartamento em Boca Ratón

O midiota é, antes de tudo, um fraco.

Quase sempre, emerge das fileiras nebulosas do contingente social que costuma ser chamado de “a maioria silenciosa”. Salta diretamente do estado de alienação política para o fervor do ativismo cego e raivoso, alimentado por manchetes dos grandes diários e pelo histrionismo dos apresentadores de telejornais.

Guarda muitas semelhanças com aquele perfil que, num dia de julho de 2013, a economista Marilena Chauí chamou de “uma abominação política”.

O desabafo da doutora, retirado do contexto original, ainda circula pelas redes sociais, suscitando comentários magoados de gente que se considera de classe média e, numa lógica transversa, se sentiu ofendida por suas considerações.

Esse é um dos sintomas que denunciam a midiotice: a pessoa se considera a legítima herdeira da nacionalidade, apesar de, no íntimo e às vezes explicitamente, sonhar com um apartamento em Boca Ratón. Também se julga a mais autêntica representação da moral, apesar de nunca perder a chance de lesar o fisco ou de levar certa vantagem indevida quando a oportunidade se oferece.

A linha que conecta a “abominação política” identificada pela professora Chauí ao autêntico midiota foi traçada há 44 anos pelo sociólogo alemão André Gunder Frank, quando estudou o subdesenvolvimento da América Latina – o Brasil incluído – e cunhou o termo “lumpenburguesia”, para definir os cidadãos que desprezam tudo que é nacional e se projetam no universo de valores do colonizador.

Esse fenômeno, comum no nosso continente, se concentra nas classes médias urbanas, quando emulam as classes dominantes que, incapazes de articular um projeto nacional próprio e representativo, se transformam em agentes do interesse externo, em detrimento da nacionalidade.

Esse conjunto de valores pode ser percebido em grande número de  articulistas, editorialistas e comentaristas onipresentes na mídia tradicional.

Por que o midiota é, antes de tudo, um fraco?

Porque foge da angústia inerente à complexidade da vida contemporânea: se a criminalidade assusta, passa a defender a pena de morte e a extensão da legislação penal aos menores de dezoito anos, esperando, com isso, que aqueles negrinhos que incomodam o bairro sejam devidamente exonerados da vida social.

Se os jornais noticiam o aumento dos crimes violentos, sai vociferando contra a Justiça, que coloca na rua os marginais reincidentes. Nem se dá conta de que a violência da própria polícia aumentou proporcionalmente mais do que aquela praticada por civis.

Também não estranha que a imprensa nunca aborda a questão da reincidência, que é desde sempre o eixo do controle da criminalidade, porque esse é um dado que não interessa aos estatísticos do Estado.

Se os ciclos do capitalismo o surpreendem num momento de realocação dos capitais internacionais, culpa o governo de plantão por todos seus aborrecimentos.

E assim segue, reduzindo ao simplismo linear tudo que pode dar um nó em sua cabeça.

Pensar dá trabalho. É mais cômodo sair por aí repetindo o que dizem os pitbulls da imprensa hegemônica, aqueles para os quais o idioma reservou a palavra energúmeno.

Para ver: As abominações, segundo Marilena Chauí.

Para ler: Gunder Frank e a crise brasileira, em espanhol.

*Jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

10 Comentários

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  1. Elogio
    Quase todos os dias recebo alguma mensagem de whatsapp,no grupo do futebol ou no grupo da família,falando mal do governo,as vezes recebo um meme de péssimo gosto,comparando Lula e Dilma com algum animal,outras vezes recebo um vídeo de alguém falando em foro de sp,em projeto de pode,que quebraram a petrobras,etc,agora há pouco recebi um do ator Carlos Vereza,7min de falácias.Ah inclusive me especializei em falácias,pois esses discursos sempre tem tantas.O fato é que eu me encolhi e ñ retruco mais nada,fico quieto na minha e ñ retruco,ñ sei se é a melhor forma de lidar com essas pessoas.As vezes no twitter me deparo com algum fã do Bolsonaro e começo a discutir,óbvio que o camarada já me xinga de petista,eu até tento desarmar a pessoa dizendo q havia votado em branco,as vezes até falo que votei no aécio,masnmesmo assim sou xingado.As vezes pergunto se o fã do bolsonaro já leu dez páginas sobre o assunto discutido,sou xingado mais e com mais raiva ainda.Fico me perguntando se daqui a alguns anos esso ódio vai piorar ou se irá se dissipar e o debate vai melhorar.Tenho um palpite no próximo paráfrafo.
    Esses dias fui em um consultório médico e abri a Veja(q eu ñ entendo como alguém ainda assina depois do escândalo do Carlinjos Cachoeira)mas tudo bem…abri a revista p matar tempo e fiquei prestando atencao nos anúncios,BMW,MERCEDES,AUDI,imóveis em Miami,bancos alta renda.Percebi que as empresas anunciam na Veja para o público leitor e assinante da revista(coisa óbvia sim)desse modo o público da Veja é o que tem a renda mais alta do país,por alguns chamado de elite.A nossa elite assina a Veja gente,aqueles que tem poder aquisitivo para comprar um carro de cem,duzentos mil reais assina a Veja e lê aquele golpismo semanalmente,a situacao do debate político só irá piorar,ñ importa o quanto o governo se esforce em se defender,ñ importa o quanto ñ seja verdade aquilo escrito na Veja,nos próximos anos ficará ainda pior e podemos até beirar uma guerra civil.

  2. Veneno

    Eu digo que as pessoas estão envenenadas pela velha midia. Não esta facil ouvir sobre politica. Eu ja nem falo, so ouço. Porque todo mundo que conheço no entorno ou é tucano ou é anti-PT. So sobrou meia-duzia de gatos pingados, os que conseguem enxergar além das manchetes e lides.

  3. comentário

    Excelente a defininição de midiota. São assustados pela complexidade. Antes da Internet eram naturalmente alienados, mas de repente se viram obrigados a participarem nas redes sociais. Como escrever? Como posicionar-me politicamente? Como as páginas de comentário não publicam “textos em branco”, repetem o que leem na grande mídia e para sua própria proteção passam a ter aquilo como verdade.

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