Matéria escura pode ter sido finalmente encontrada

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Embora não possa ser observada diretamente, os efeitos gravitacionais da matéria escura permitem mapeá-la. Nessa imagem do Hubble, a distribuição da matéria escura no aglomerado de galáxias Cl 0024+17 está indicada pela nebulosidade azul. Crédito: NASA, ESA, M.J. Jee and H. Ford (Johns Hopkins University).

Recentemente, dois times de pesquisadores relataram a detecção de uma desconhecida emissão de raios X nos dados do telescópio espacial XMM-Newton, da Agência Espacial Europeia (ESA). Essa radiação parece ser o resultado de uma rara interação entre partículas de matéria escura, uma forma peculiar de matéria que responde por mais de 80% da massa do Universo.

Em junho, uma equipe de Harvard liderada pela Dra. Esra Bulbul relatou a presença de uma desconhecida emissão em 3.5 keV, nos espectros de raios X de mais de 70 aglomerados de galáxias. Nesta semana, pesquisadores suíços e holandeses liderados pelo Dr. Alexey Boyarsky fizeram anúncio similar, com base no espectro de raios X de outros objetos extragalácticos.

Emissão eletromagnética de energia bem definida está associada a fenômenos específicos. Embora vários processos físicos conhecidos possam resultar na emissão de raios X, nenhum fenômeno conhecido produz essa emissão de 3.5 keV.

Ambas as equipes sugerem que essa emissão seja gerada pela aniquilação ou decaimento de partículas de matéria escura, mais especificamente, de neutrinos estéreis. Tanto Bulbul quanto Boyarsky sustentam que os cálculos teóricos indicam que tais neutrinos teriam características adequadas para produzir radiação nessa energia.

Neutrinos estéreis são partículas hipotéticas que se enquadram no Modelo Padrão da Física de Partículas, o arcabouço teórico que explica a natureza das interações eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca. O Modelo Padrão é continuamente testado em experimentos de aceleração de partículas e tem tido grande sucesso em explicar não apenas as propriedades das partículas subatômicas conhecidas, mas também em fazer previsões que são posteriormente confirmadas, como a do Bóson de Higgs. No âmbito dessa teoria, por não interagirem eletromagnética, forte ou fracamente, os neutrinos estéreis se constituem em um dos mais cotados candidatos a compor a matéria escura, pois esta também só reage à força gravitacional.

Boyarsky relata que a intensidade dessa desconhecida emissão em 3.5 keV apresenta uma distribuição espacial compatível com o que se espera da matéria escura: é mais intensa na direção do centro dos aglomerados de galáxias, decaindo em direção às bordas, e também pode ser detectada na direção do centro da própria Via Láctea.

Ainda assim, os pesquisadores têm o cuidado em afirmar que este sinal é relativamente fraco para os padrões científicos, diferenciando-se do ruído (que seria a não detecção) por uma confiança estatística de apenas 99.994% — a regra de ouro para uma descoberta neste campo do conhecimento seria uma confiança maior do que 99.9999%. Outros cientistas não estão muito seguros de que a matéria escura possa ser uma boa explicação para a recém-descoberta emissão, pois consideram que o denso padrão espectral das transições atômicas do hidrogênio em nuvens distantes, a chamada Floresta de Lyman alfa, descarta a existência de emissões associadas à matéria escura que tenham energia menor do que 10 keV, duas vezes mais o que Bubul e Boyarsky encontraram.

Curiosamente, emissões mais energéticas, na faixa de raios gama, também foram propostas como resultado da aniquilação de partículas de matéria escura em outubro de 2014. Kevork Abazajian, da Universidade da Califórnia em Irvine, relata que o mapeamento da distribuição de emissão em raios gama, empreendida pelo telescópio espacial de raios gama Fermi, não pode ser facilmente explicado por fenômenos físicos tradicionais. Seus cálculos mostram que a aniquilação de WIMPs — outro candidato hipotético para compor a matéria escura –, poderiam explicar o fluxo observado de raios gama.

Não sabemos do que a matéria escura é constituída, mas seus efeitos gravitacionais podem ser constatados em diversas observações, tanto em escala galáctica (na velocidade das estrelas da Via Láctea), quanto cosmológica (na distribuição de galáxias em larga escala). Tudo o que podemos especular sobre a matéria escura se baseia nesses efeitos indiretos.

Mesmo que esses sinais não sejam resultado da aniquilação da matéria escura, eles apontam para um fenômeno físico desconhecido, que demanda explicação — algo que certamente ocupará as mãos e mentes dos físicos teóricos nos próximos anos.

As recentes descobertas abrem a excitante possibilidade de construção de telescópios especializados na detecção desses furtivos e raros sinais, o que nos permitirá observar o Universo duma forma até então nunca vista.
 

Para saber mais:

Alexey Boyarsky et al. 2014. An unidentified line in X-ray spectra of the Andromeda galaxy and Perseus galaxy cluster. arXiv: 1402.4119

Esra Bulbul et al. 2014. Detection of an Unidentified Emission Line in the Stacked X-Ray Spectrum of Galaxy Clusters. ApJ 789, 13; doi: 10.1088/0004-637X/789/1/13

Mark R. Lovell et al. 2014. Decaying dark matter: the case for a deep X-ray observation of Draco. MNRAS, to be submitted; arXiv: 1411.0311

Alexey Boyarsky et al. 2014. Checking the dark matter origin of 3.53~keV line with the Milky Way center. arXiv: 1408.2503

Kevork N. Abazajian et al. 2014. Discovery of a New Galactic Center Excess Consistent with Upscattered Starlight. arXiv:1410.6168

Redação

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