Mauricio Macri, o anti-Bergoglio

 
Por Yuri Carajelescov
 
O presidente argentino Maurício Macri é o anti-Bergoglio.  
 
Enquanto o Papa difunde os valores da solidariedade e prega a igualdade, MM crê na liberdade dos mercados e na meritocracia professada pelo capitalismo velho de guerra, embora ele mesmo seja tributário da mais-valia do patriarca.  
 
Convenhamos, MM dificilmente teria chegado lá sem os rapapés e chamegos que todo o mundo, por interesse ou não, costuma fazer aos correlatos de gente muito rica e muito poderosa, como o velho Macri.  
 
MM se apresenta na arena pública, simbolicamente, também como o anti-Mujica, o presidente uruguaio que inspirou a todos com seus hábitos austeros, sua militância a favor de causas inclusivas e seu discurso simples e generoso. O líder mais pobre do mundo nada tem a ver com o bem-nascido habitué do country club argentino. 

 
Em um certo sentido, MM encena o papel caricatural da elite portenha; um pouco o estereótipo que nós, brasileiros, construímos como chacota, mesmo que sua aparente ou real soberba não resista a um debate em campo aberto com a jovem e altiva chanceler da Venezuela bolivariana. 
 
Nas ruas e praças de BsAs já surgem frases que ironizam seus movimentos iniciais. Numa delas, lia-se: “Macri: a Argentina não é a sua empresa”. Não é para menos. Todos os principais cargos no Estado foram ocupados por quadros egressos das grandes corporações empresariais, o que converte a Argentina de hoje em um grande laboratório de experiências econômicas ortodoxas, como foi o Chile de Pinochet para os pibes de Chicago. 
 
O recente e efêmero sucesso de MM em Davos anunciado pela imprensa conservadora (Financial Times, p.ex) é proporcional à rendição do Estado ao big money – quanto mais se dá, mais aplaudem e mais exigem, em uma ciranda sem fim. Trata-se do antepasto – e eu não me refiro às muy ricas empanadas ou achuras acompanhadas de um torrontes salteño, se é que me compreende. 
 
Logo assistiremos aos men in black do FMI despencando dos jatos em Ezeiza com as suas pastas 007 recheadas de good will; para os ajustes necessários e imperativos. Tudo muito técnico, como se sabe e regado a malbec de boa procedência à falta da tradição local na coquetelaria internacional.  
 
“Acabou o dia do nhoque!”, repete, exultante, a classe média portenha que, sob a tutela da mídia, em peso, elegeu MM.  A frase é uma alusão ao fim dos subsídios aos pobres e das políticas sociais de Cristina Kirchner, cuja ampliação era defendida por Bergoglio, razão de seus entreveros pontuais com o governo passado. Esse benefícios são ou eram pagos no dia 29… 
 
Para o Papa, então arcebispo de BsAs, era preciso radicalizar a distribuição de renda, o que agora soa como uma imagem borrada no passado ou um sentido muito próprio de uma língua morta.  Empolgação similar entre os remediados e aspirantes argentinos só se viu nos anos dourados do menemismo – se bem que o caipira Menem, “el turco”, ao contrário de MM, era apenas tolerado nas rodas do high society de BsAs; do peso a 1 para 1; do “dame dos”, nem que fosse um par de máquina de tirar neve da frente das casas de San Isidro, onde, como é sabido, não neva. 
 
Tanto quanto antes, os mesmos veículos de comunicação & propaganda dominados, como no Brasil, por poucas famílias, os farão defender com unhas e dentes que o melhor mesmo é entregar o “asado” aos abutres da banca. “Con mucho gusto!” dirão. São os mesmos que do lado de cá da fronteira quererem dar a vara (nos) aos pobres.  
 
Resta saber se na democracia será possível, como foi no Chile de Pinochet ou no Brasil pós-64, promover o retrocesso social que o programa macrista anuncia.  Por isso, medidas como a nomeação por decreto de juízes para a Suprema Corte, a decretação de estado de emergência social, a prisão da líder popular Milagro Sala ou a pressão pela demissão de alguns (poucos) jornalistas críticos como o uruguaio Victor Hugo Morales, fazem parte de um esforço preliminar para “enquadrar” a democracia argentina à nova ordem dos falcões corporativos aninhados na Casa Rosada.  
 
Acontece que na democracia governa quem tem mais votos, desde que respeitados os lindes da constituição. MM foi eleito pela maioria dos argentinos, que sabiam ou deviam saber em que mato estavam se metendo, não que isto seja uma licença para matar. Só não vale a esta altura esperar que o finório da Recoleta se ocupe com os problemas e demandas dos chicos das Villas miseria. Vacas não botam ovos, verdad?  E, se já não cabe exigir solidariedade da raposa para com as galinhas, ao menos se espera que ela cumpra o ritual do abate, o que os sabichões chamam, às vezes, de rule of law, como sabemos, nem sempre factível diante da força do “mercado”, esse ser mitológico capaz de varrer civilizações com um clique. 
 
Já é possível arriscar, a julgar pelas primeiras notas da milonga, que MM e seu pelotão de gerentes não desapontarão os argentinos, especialmente os portenhos, os quais, na sua tradicional melancolia, creem que o tempo passado foi sempre melhor.
Redação

5 Comentários

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  1. Macri foi eleito pelo seu

    Macri foi eleito pelo seu perfil de empresario, se votaram nele é exatamente por ele ser o que é.

    Não entendi qual o estranhamento e porque a comparação com o Papa.

    Um lider religioso tem outras premissas, muito diferentes de um governante de Pais, jamais um poderia ser igual ao outro.

    A analise é mais que tosca, não tem nenhum ancoragem racional dentro de uma logica politica.

  2. “Nhoque” (ñoquis) é uma gíria

    “Nhoque” (ñoquis) é uma gíria para empregado público que só aparece dia 29 para cobrar o salário, nada a ver com subsidios. Vem da tradição italiana de colocar dinheiro embaixo de um prato de nhoques no dia 29 para atrair a boa fortuna. O governo de MM demitiu 6.500 trabalhadores do Estado, “enxugando” a máquina, sob o argumento de terem sido esses funcionarios contratados no último semestre de 2015, como forma do kirchnerismo de aparelhar o Estado de militantes da Cámpora, agrupação comandada pelo Máximo Kirchner, filho da ex-presidente Cristina Fernández.

    A pesar das medidas impopulares, a aprovação do governo Macri continua em alta. Essa semana, o bloco de deputados do Frente para la Victoria se rompeu, e foi formado um novo bloco de 18 deputados Justicialistas, o que significa um triunfo para Macri, pois pode transformar o Pro, seu partido, em primeira minoria.

    Há muitos problemas a enfrentar, sobre todo na Provincia de Buenos Aires, governada por Maria Eugenia Vidal, del Pro, nas áreas de Saúde e Segurança principalmente. Por enquanto, a pesar do espanto da esquerda, muitas das medidas tomadas já tinham sido anunciadas na campanha (e deram a vitória ao Macri nas eleições), daí a alta popularidade do presidente. Resta ver os efeitos das medidas tomadas pelo governo no longo prazo, e se essa popularidade vai continuar ou não.

     

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