Menores assassinos e inimputáveis

Um noticiário de televisão, desta segunda-feira, 31/10, anunciou que, em Belo Horizonte, um menor de 17 anos, já com quatro registros por diferentes condutas anti-sociais, pegou uma arma, na noite do sábado, 29/10, matou quatro pessoas, feriu gravemente outras -não se sabe quantas ao certo- e ainda tocou fogo numa casa, num macabro ritual assassino. Por onde passava descarregava a munição de sua arma em direção às vítimas indefesas e em pânico. As primeiras informações dão conta que seria um ato de vingança do narcotráfico. No máximo, sendo inimputável, por ser menor de idade, caso detido, cumprirá 03 anos de regime fechado como medida sócio-educativa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Tal lamentável episódio nos remete, mais uma vez, ao debate sobre a questão da fixação do limite etário para a responsabilidade penal, objeto de constantes e inúmeras discussões sendo tema de grande polêmica, sendo observado que intelectuais, de vários segmentos, aí incluídos respeitados juristas, antropólogos, sociólogos e militantes de direitos humanos se posicionam, terminantemente, contra a possibilidade de menores de 18 anos serem processados criminalmente. Permanecem fiéis à recomendação de 1949, proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), no Seminário Europeu de Assistência Social, realizado em Paris. Esquecem que os jovens, no pós-modernismo, sofrem, como todos, as vertiginosas mudanças provocadas pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, onde a difusão e a massificação da informação se fazem presentes.

 Alguns intelectuais do direito devem pelo menos reconhecer que a verdade expressa na doutrina do direito penal brasileiro não pode ser absoluta. Há que se conceder a possibilidade de avançar na questão, na constatação de que a idade biológica, critério da razoabilidade recomendada pela ONU em 1949, não guarda mais nenhuma relação de proporcionalidade com os crimes brutais hoje cometidos por menores de 18 anos, perfeitamente capazes de entender o caráter danoso de seus atos. Há que se buscar novos paradigmas e referenciais na discussão do tema. Muitas vezes o notável saber jurídico é irreal. Deve-se ter em mente que o critério psicossocial é hoje o mais recomendável em diversos países do mundo, devendo o menor de 18 anos ser penalmente imputável quando revelar, através comprovação científica, a capacidade de entender a ilicitude do ato cometido.

 A conclusão a que se chega, no Brasil, é que o Estatuto da Criança e do Adolescente, com mais de 21 de vigência, permite aos menores de 18 anos, ainda que já possam votar e influenciar nos destinos do país, estuprar, matar, torturar , esquartejar e cometer outras barbáries desde que, caso capturados, cumpram o máximo de três anos de internação (21 anos é o limite) em estabelecimento educacional com direito extra- legal a participar de rebeliões, provocar danos ao patrimônio público, além da possibilidade da fuga. Esta é a indulgência plena, concedida a menores, sob a  proteção da criminologia (sociológica) da compaixão. ”A sociedade os fez assim agora que os aguente”, dizem os doutos sociólogos. Estuda-se agora a possibilidade de mesmo após os 21 anos, continuarem o cumprimento da pena. Um pequeno avanço.                

Num estudo comparado com doutrinas penais mais realistas e menos misericordiosas, aqui vale lembrar o exemplo da juíza Carol Kelly quando, em meados de 1996, em Chicago, nos EUA, condenou a 15 anos de prisão dois menores, de 12 e 13 anos de idade. Os infratores foram condenados pelo assassinato de uma criança de cinco anos, que eles jogaram do décimo quarto andar de um prédio. A pequena vítima, Eric Morse, se recusara a comprar bala para eles numa venda próxima. Ao emitir a sentença a juíza rejeitou o pedido da defesa para que os acusados fossem enviados a um centro de tratamento psiquiátrico que lidava com crianças agressivas, decidindo enviá-los para uma penitenciária de segurança máxima. Naquela ocasião os dois menores foram os primeiros condenados sob a nova lei do Estado de Illinois, que reduziu de 13 para 10 anos a idade mínima para ir para prisão.  “Os acusados negligenciaram o direito de conviver em sociedade”, disse a magistrada em sua sentença.

 Assim sendo cabe indagar: o Brasil participa ou não da globalização do mundo? Nossos juristas são os únicos donos da razão? A tese do direito penal mínimo permanecerá encobrindo criminosos? Que resultados positivos trouxe até aqui o  Estatuto da Criança e do Adolescente? O aumento significativo da delinquência infanto-juvenil? A impossibilidade de retirar das vias públicas, face ao “direito” de ir, vir e estar, menores em situação de pré-delinquência? A responsabilidade penal, somente a partir aos 18 anos, constitui cláusula pétrea na Constituição Federal? Se é concedido ao menor de 16 anos o direito ao voto, podendo influenciar, com sua escolha, nos destinos de um país, por que também não responsabiliza-lo criminalmente?

 As cláusulas devem deixar de ser pétreas quando se contrapõem aos legítimos interesses da sociedade. A grande realidade é que a consequência maior da frouxidão das leis tem sido o aumento assustador da violência. Infelizmente as leis penais no Brasil não guardam proporcionalidade com a crueldade do nosso dia a dia, perpetrada por perigosos delinquentes, menores de 18 anos ou não, dispondo de arsenais de guerra de última geração, que ameaçam a vida e a dignidade humana. O sistema anacrônico induz e incentiva o adolescente ao dizer-lhe: “aproveite enquanto não tem 18 anos para praticar crimes”. Conhecedores disso os chefes do tráfico utilizam, cada vez mais, menores (inimputáveis) na rede do tráfico de drogas.

 Toda sociedade organizada necessita de mecanismos legais de auto proteção contra o crime. A redução de idade de responsabilização penal é um  mecanismo de defesa social que a realidade impõe. Não se almeja abarrotar mais ainda  presídios e penitenciárias. O que se propõe é investigar, independente de ser menor de 18 anos, se o autor do crime tinha ou não capacidade para entender o ato delituoso praticado. Inocência de bandidos-mirins tem limites. Basta de benevolência e irrealismo. Com a palavra o Congresso Nacional.                            

 

                   Milton Corrêa da Costa é coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro 

Redação

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