Este já não mais é o meu país, por Afranio Silva Jardim

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Este já não mais é o meu país

por Afranio Silva Jardim

Muito estranho, mas é verdade: estou me sentindo uma espécie de “estrangeiro” onde nasci e sempre vivi.

Esta inadaptação pode resultar um pouco da minha idade. O velho não tem muita paciência e se torna muito exigente com as coisas em geral.

O fato é que não gosto da nossa imprensa empresarial; não mais gosto do que faz o nosso sistema de justiça criminal; detesto a maioria dos governantes que hoje tomam ou tomaram posse; nunca gostei do nosso modelo de sociedade, injusto, capitalista, desigual, individualista e hipócrita; estou decepcionado com o nosso povo que escolheu, para Presidente da República, uma pessoa asquerosa (adepta da tortura e do extermínio de seus adversários).

Acho que estou assistindo à derrocada de quase todos os valores que sempre estiveram presentes em minha vida, pelos quais sempre lutei.

Enfim, não gostaria de terminar a minha existência no seio de uma sociedade tão ruim como esta.

Não posso deixar de registrar o meu desencanto com a “comunidade jurídica”, onde me realizei profissionalmente. Explico.

Salvo as sempre existentes exceções, os juristas de meu país estão absolutamente omissos diante da chegada de algo muito parecido com o fascismo.

Muitos a tudo se submetem, por opção ideológica mesmo, outros por mero oportunismo e carreirismo. A maioria dos advogados não quer comprometer sua atividade profissional e continua a bajular ministros e desembargadores ou poupa de críticas as mazelas do nosso Poder Judiciário.

A maior parte da juventude, mormente os estudantes, está alienada e só pensa em seus interesses mais imediatos. Viciados em tecnologia, as novas gerações se afastam, cada vez mais, da cultura, do conhecimento científico, das lutas sociais e do conhecimento histórico. Justiça social não é, nem de longe, uma de suas principais preocupações. Mais importante é trocar o celular por um de última geração… Os outros … são os outros …

Nos atuais dias, poucos se preocupam com a dor alheia, poucos se preocupam com o sofrimento dos outros.

Hedonismo e individualismo estão cada vez mais predominando em nossa sociedade, competitiva e alienante.

A minha derradeira esperança, para mudar todo este deletério estado de coisas, era a rebeldia dos jovens, que pouco teriam a conservar. Decepção. Dentre eles, não é muito fácil encontrar uma consciência verdadeiramente crítica.

Nos dias de hoje, muitos jovens são levados, facilmente, pelos modismos criados pelos projetos empresariais, muitos destes projetos comerciais são concebidos no estrangeiro. As crianças estão robotizadas pela gananciosa propaganda, sob os olhares complacentes de seus pais infantilizados.

Seria infindável a minha “choradeira”. Mas quero terminar lamentando o crescente fundamentalismo religioso que, indevidamente misturado com a política, cria condições para uma sociedade obscura, conservadora e inimiga da cultura e do conhecimento científico. A razão perde espaço para as crendices. A lógica perde espaço para o raciocínio de difícil entendimento.

Mais uma vez confesso que não sei o que fazer. Entretanto, sei que não posso deixar de fazer alguma coisa. Estou achando que aqui não é o meu lugar. Parentes, alguns poucos amigos e vocês, leitores desta página, ainda me dão alguma esperança de eu poder fazer alguma coisa útil neste ambiente tão hostil.

Como disse em mensagem anterior, parodiando uma linda música de Victor Heredia, ouso dizer que ainda sinto estar “vivo entre tantos mortos”. Enquanto continuar achando que realmente a vida vale a pena, vou continuar tentando ressuscitar alguns destes zumbis …

Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito da Uerj (por pouco tempo)

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

21 Comentários

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  1. Este também não é mais meu

    Este também não é mais meu país, Afrânio. Cultivo contigo as mesmas agonias neste iniciar de um ano novo, que de novo só tem o nome. Como dizia Cazuza” eu vejo um museu de lindas novidades”. 

  2. É isso aí, querido professor .

    Não sei se acontece também com outros colegas deste blog, mas estou restringindo cada vez mais o meu círculo de coleguismo (amizade então, está quase zero) .

    Caminhando pelas ruas, praças etc…olhando pra qualquer transeunte eu imagino estar diante de um possível eleitor do facínora, aí me vem um sentimento muito ruim .

    Tá muito ruim viver aqui no RJ, onde 70% da população escolheu o demônio .

     

  3. O mesmo sentimento

    Tenho sentido o mesmo. Trinta anos atrás, lia cinco jornais e revistas semanais, exame, assistia o noticiário, acreditava no brasileiro e era muito otimista em relação à sociedade. Agora vejo que o povo brasileiro que era tido como cordial, hospitaleiro, solidário, acolhedor e humano, é na verdade individualista, preconceituoso, mesquinho, racista, fascista, estúpido, esnobe, egoísta, subdesenvolvido. Arrotam para falar da Europa, mas querem manter o “status quo” da desigualdade, das diferenças sociais. Muito triste. Os Boçais, que não são poucos, saíram do armário e a idiotice proliferou e tomou conta do país. 

     

  4. Obrigado..
    Obrigado, só posso agradecer a todos as pessoas que lutam e lutaram por esse ideais, posso dizer que me identifico completamente com sua palavras e com seus sentimentos, pensei seriamente em ir embora deste país, senão pra sempre pelo menos por um tempo, porém eu vejo no meu limitado entendimento que o Brasil não está refletindo somente a decadência da sociedade brasileira,mas a decadência da humanidade, salvo as exceções. Difícil de manter hoje, porém a esperança, a fé e a certeza de que estamos lutando pelo lado bom da força me faz ficar de cabeça erguida e continuar

  5. Compartilho o mesmo

    Compartilho o mesmo sentimento do Professor Afrânio de quem tenho um livro de Processo Penal. Só nos resta resistir para não desistir. Lula Livre.

  6. Texto maravilhoso

    Prof. Afranio Jardim  expressa nesse texto como  pelo menos 47 milhões de brasileiros estão se sentindo. É uma tristeza imensa, uma solidão, um desconsolo, uma decepção, uma revolta com a ignorância dos que elegeram essa besta ou esse fantoche nas mãos de um sistema perverso. O Professor não está sozinho. 

  7. Brasil destroçado

    O professor falou tudo que sinto também. Gostaria de destacar a alienação da juventude como o fator mais grave. Chega a ser impressionante como no mundo do jovem não há mais espaço espaço para país. O país deles é tudo que vem de fora.O Brasil virou um simples dormitório, um ponto de ônibus, uma cafeteria.

  8. Obrigado

    Obrigado, eh o que eu posso dizer a todos os que lutaram e os que lutam por esses ideais, me identifico completamente com tudo o que esta escrito, doi muito ver essas barbaridades.

    Eu pensei seriamente em sair deste pais, senao para sempre, pelo menos por tempo, porem no meu limitado conhecimento percebi que nao adiantaria muito, talvez encontre pessoas mais esclarecidas, mais “humanas”, menos ignorantes e alienadas com o que acontece a sua volta e com seu pais, sociedades um pouco mais igualitarias, so que essas sociedades estao entrando em colapso tambem, a ganancia, a busca do ter e nao do ser tambem existe. Tenho nas minhas pesquisas percebido que no final tudo tem o cheiro bem parecido. O problema eh ver o que esta acontecendo no Brasil e perceber nao somente uma decadencia da sociedade brasileira, mas a representacao da decadencia da humanidade ou pelo menos do ocidente.

    Agora vou parar com os devaneios por aqui e continuar enchendo o saco das pessoas a minha volta com minhas preocupacoes politicas e sociais, ainda vou dar muito murro em ponta de faca, na politica vou continuar tendo esperanca que as liderancas, principalmente do campo da esquerda, nao continuem cometendo a insanidade de acreditar que vao obter um resultado diferente fazendo as mesmas coisas pelo mesmo caminho, e enquanto esses psicopatas estiverem com o poder nas maos vou buscar manter a cabeca erguida, a esperanca, a fe, a certeza de que esse eh o bom combate e nao esse fundamentalismo barato desses charlatoes e segurando firme algo que eles nao podem nos tirar sem nossa permissao, a nossa dignidade.

    #LulaLivre

    #ForaBolsonaro

  9. Meu país me assombra
    Meu caro!! Seu sentimento não é sua exclusividade, compartilho das mesmas angústias. Meu país Gileade me assombra.Somos todos inimigos deste boçal

  10. Eu tambem

    Eu também me sinto exatamente assim. Principalmente quando leio postagem de gente jovem. No passado os velhos tendiam a ser reacionários e os jovens revolucionários. Havia um consenso moral sobre a desigualdade e as mazelas que fazem o mundo ser um lugar tão injusto e violento. Ouvia-se música de alta qualidade e lia-se bons textos produzidos por bons escritores. Hoje em dia reina a alienação, tanto aquela produzida por estas MALDITAS igrejas pentecostais quando aquela que atrcnologia e o consumo de massa criaram. Não haveria lugar sequer para Jesus Cristo no Brasil de hoje. Nos nos tornamos oficialmente um dos países mais retrógrados, desunidos, racistas e desumanos do mundo. Uma horda de fanáticos venera um psicopata de um jeito que até Hitler invejaria. Como isto pode acontecer? Não há erro ou desvio do PT que explique isto. Nos somos um povo ruim por natureza. Se eu pudesse emigraria…

     

  11. Compartilho deste sentimento
    Somos muitos a sentir esta estranheza. Vamos precisar de todo mundo que assim se sente para encontrar maneiras de modificar a realidade ainda que em pequenos espaços. Acredito na micropolitica e que cada um precisa atuar no seu espaço de vida com firmeza e delicadeza. Firmeza de princípios e delicadeza nas ações.

  12. Confissão.
    Hoje estou completando 78 anos e o texto do prof . Afrânio traduz meu estado de espírito . Não tenho aspirações pessoais maiores, mas a falta de solidariedade instalada aqui é desconfortável.

  13. Só na multidão…

    Do lado de cá conto com minha companheira, os filhos, noras, um casal de amigos, três irmãos, duas cunhadas, um cunhado, um primo e um tio.

    Ou seja, tenho 15 pessoas com quem posso conversar socialmente responsável.

    Todos os demais 60 familiares espalhados pelo Brasil tornaram-se adversários. Sociopatas que destestam o Brasil e seu povo.

     

    Professor Afrânio receba nossa solidariedade. E estando com terras catarinenses nos honre com uma estada em nosso chalé. Aqui ouviremos boa música nacional e latina e boa comida. 

    Estamos sempre na luta!

     

     

  14. Não estou só!

    A única esperança que me resta é ver que não estou só! Mas é muito duro ver a grande maioria da população embarcar nesse estado destrutivo sem nem hesitar por 1 segundo.

  15. Difícil, quase impossível,

    Difícil, quase impossível, lidar com uma Realidade que nos apresenta afrontosa porque absurdamente hostil aos valores que pensávamos estarem definitivamente arraigados nessa sociedade onde estamos inseridos. O que nada ou pouco tem a ver, saliente-se, com o resultado da última disputa eleitoral enquanto a derrota em si, sopesando-se o caráter contingencial do evento. Ou seja, a vitória de um modelo, de uma visão, que difere da nossa – total ou em parte – faz parte, como é vezo realçar, do processo democrático. 

    A questão é bem mais profunda. Tão profunda que ainda está por merecer uma análise que consiga abranger o fenômeno pela sua totalidade. Para isso, precedendo as dissertações, por mais bem percucientes que sejam, há de se fazer perguntas, muitas perguntas. A primeira delas: por que chegamos a esse estágio tão avançado de desagregação e anomia social, onde o ódio e o ressentimento prevalece sobre a temperança e a empatia? Por que foi e é ainda possível em pleno século XXI, herdeiro de experiências históricas marcantes, seja para o Bem ou para o Mal, a retomada de visões e de modelos que imaginávamos estarem para sempre proscritos, mas que, ao contrário, são resgatados com pompa e orgulhoso? 

    A eleição de Bolsonaro, insisto, de per si significa pouco enquanto fenômeno político ou social dado que ultimada no âmbito do previsível e admissível por mais esdrúxulas que sejam suas “ideias” políticas, repugnante sua postura pessoal e deplorável sua indigência intelectual. O verdadeiro horror ainda está encoberto por uma névoa de ignorância e perplexidade.

  16. Minha Região resiste pelo Meu País
    Meu caro Professor,

    Existe esperança, sim. Aqui ao meu redor ainda vejo jovens com percepção para tentar mudar tanta desigualdade. E ainda uma maioria de adultos que reconhece as conquistas sociais que nos conduziram recentemente.

    Também sou educador em instituição pública. Além disso, exerço carreira de estado, atuando em fiscalização.

    Durante anos construímos algumas bases que ainda poderão reverter esses descompassos antidemocráticos. Falo em um crescimento da Gestão Pública, com apoio do Controle Social, elementos de um “copo menos que meio cheio”… Mas não vazio.

    Entendo sua desilusão, concordo com sua análise. No entanto não quero, não devo e não posso me aposentar. E vamos resistir diariamente, com inteligência, senso crítico e sempre com uma boa dose de ironia.

    Resistindo: Vai Passar!!!

  17. POBRE BRASIL

    Boa tarde a todos e todas

    É impressionante como o artigo do Prof. Afrânio e  todos os comentários que acabo de ler corroboram meu sentimento.

    Decepção, desânimo, frustração. Tenho 55 anos e fui professor de história durante 27 anos de minha vida. Para o professor e professora de Humanidades e de outras áreas, o esforço não era apenas a formação da juventude mas, sobretudo, criar condições para a que o jovem compreendesse o que significa ser cidadão e cidadã. Construir um país melhor, superar a obscena desigualdade social que sempre foi uma das marcas mais fortes de nossa sociedade, lutar contra os preconceitos de todo o tipo, defender a solidariedade.

    Para os mais velhos, que vivemos a época da ditadura militar, com todos os seus horrores, é particularmente difícil verificar que temos hoje um governo militar, e que as barbaridades cometidas pela ditadura sejam hoje enaltecidas (como a tortura, pelo próprio eleito, seus filhos e seus generais). É difícil.

    Mas a história é assim. Pensávamos que tínhamos ultrapassado esse tipo de mentalidade violenta e autoritária, mas não.

    Precisamos, depois de tomar um fôlego, enfrentar o que vem por aí. Gosto sempre de repetir para mim mesmo uma frase do grande Dom Paulo Evaristo Arns.: “não há derrotas definitivas para o povo”. Uma parte da sociedade, de fato, está perdida para a democracia.. Mas muitos que votaram no eleito precisam daquela palavra mágica “ESCLARECIMENTO”. Certo, como disso o Prof. Afrânio, a juventude está cada vez mais alienada. Mas precisamos lutar, conversar, esclarecer, questionar. È único caminho para não sucumbir à ditadura dos anti-humanos.

    Um prazer ler os comentários de todos. Não estamos sozinhos. Se pensarmos bem, um terço do eleitorado NÃO votou nessa criatura. Vamos em frente que a hora é de lutar.

     

    Um abraço

     

    LULA LIVRE!!

  18. Ao professor Afrânio
    Professor, o senhor traduziu tudo o que eu vinha sentindo há tempos e não conseguia verbalizar… Infelizmente é mesmo assim que me sinto, desde quando fui excluída da família, por ser “artista e professora de esquerda”
    … Presenciar tudo isso tem me feito muito mal e pior, não sei o que fazer para minimizar tamanho estrago. Por enquanto me solidarizo com o senhor e te agradeço por me fazer sentir menos estranha em meus país.

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