Neoliberalismo, a barbárie da civilização

Aqui mesmo no GGN tenho feito algumas sobre cinema e barbárie https://jornalggn.com.br/literatura/a-vida-nos-tuneis-nos-eua-da-ficcao-para-realidade/ https://jornalggn.com.br/cinema/mad-max-fury-road-ou-o-retorno-dos-verdadeiros-barbaros/ https://jornalggn.com.br/cinema/red-sparrow-e-a-guerra-fria-20/ https://jornalggn.com.br/cinema/uma-longa-viagem/ https://jornalggn.com.br/cinema/natual-born-killer-a-absurda-realidade-da-guerra-no-cinema/ https://jornalggn.com.br/cinema/jogos-vorazes-3/.

De maneira geral, podemos dizer que os criadores de ilusões “made in USA” acreditam – ou querem fazer o respeitável público acreditar – que sempre que o mundo se torna caótico os pobres ocupam as ruas como se fossem formigas desorientadas enquanto alguns começam a saquear as lojas. Essa cena já foi filmada refilmada à exaustão.

No entanto, a vida real é um pouco diferente. As pessoas pobres estão acostumadas às dificuldades e aos sofrimentos da vida. Elas são as únicas que realmente conhecem a face opressiva do Estado, pois sempre que realizam operações nos bairros pobres os policiais praticam abusos verbais, agressões físicas e até assassinatos.

Os ricos respiram a diferença social. Para desfrutá-la, eles são capazes de estruturar a economia e a atividade estatal de maneira a preservar tanto a concentração de renda quanto as injustiças sociais. Sempre que alguma coisa imprevista (catástrofe ambiental, guerra externa, colapso financeiro etc) ameaça igualar ricos e pobres, são os ricos e não os pobres que ficam ansiosos e começam a fazer coisas malucas.

Nazismo e fascismo foram totalitarismos criados pelos ricos para preservar as desigualdades sociais na Alemanha e na Itália. Quem levou Jair Bolsonaro ao poder foram os pobres, mas isto só o ocorreu porque os ricos financiaram e apoiaram a campanha dele. Assim que assumiu o poder Bolsonaro começou a governar exclusivamente para os financiadores de sua campanha e a prejudicar seus eleitores pobres.

A liberação da importação e comercialização de fuzis não encontra fundamento na Constituição Federal brasileira, pois ela valoriza os direitos humanos e proíbe a organização de grupos de extermínio. Ao que parece, entretanto, nem mesmo a eleição de Jair Bolsonaro foi capaz de reduzir a ansiedade e o medo dos brasileiros ricos.

Os brasileiros ricos somente se sentirão seguros se organizarem milícias para se defender? Se levarmos em contra o que Alexandre de Garcia disse recentemente, a resposta é sim. O jornalista porta-voz da extrema direita brasileira chamou de “bandido” quem rejeitar o decreto de Jair Bolsonaro sobre a importação, comércio e porte de armas de fogo. Bandido, entretanto, é aquele que tenta organizar e armar milícias e/ou que tenta impedir o STF de exercitar seu poder/dever de revogar um decreto claramente inconstitucional.

Segundo um amigo inglês, na Europa “at conferences the mega rich are discussing how they can keep their security staff loyal during the societal breakdown”. Algo semelhante certamente deve estar ocorrendo no Brasil.

Desde tempos imemoriais, a segurança é um conceito político. As cidades estados construíam muralhas para se proteger das feras e dos inimigos externos. Todos os cidadãos eram obrigados a contribuir para construção e para a manutenção da principal estrutura defensiva (os ricos com dinheiro, os pobres com trabalho), pois havia uma clara percepção de que isso era algo que decorria de um interesse comum.

Somente quando os canhões tornaram as muralhas obsoletas, o conceito de segurança começou a migrar da arena política para a esfera privada. Não obstante, na maioria dos Estados modernos as Forças Armadas (símbolos da segurança contra agressões externas) e as Polícias (instrumentos de garantia da segurança interna) são públicas e não privadas.

A insegurança política que os militares proporcionam em alguns continentes (digo isso pensando na América do Sul em geral e no Brasil em especial) e a insegurança física que os policiais distribuem nas favelas brasileiras (como se os favelados não fossem cidadãos e/ou não tivessem quaisquer direitos) não causam pavor nos ricos e super-ricos. O que os faz tremer de medo e, algumas vezes também de ódio, é o poder eleitoral dos pobres.

O desenvolvimento econômico (garantido por investimentos Estatais e pela regulação da atividade bancária) e a distribuição de renda (mediante sistemas de educação e de saúde, bem como de programas sociais) tem um poder imenso. Eles estabilizaram sociedades devastadas e reconstruíram a Europa após a II Guerra Mundial. Mas isso só foi possível porque a política era mais importante do que os interesses privados dos banqueiros que conseguiram sequestrar quase todos os Estados desenvolvidos e em desenvolvimento nos últimos 20 anos.

As eleições não podem mudar a economia, acreditam os banqueiros e seus serviçais. Mas eles são incapazes de pensar em algo muito mais importante. Se não houver segurança econômica para todos ninguém estará seguro, nem os ricos nem os pobres. O neoliberalismo destruiu as muralhas econômicas que possibilitavam a coexistência de ricos e pobres dentro das sociedades capitalistas ocidentais e elas nãos serão reconstruídas com mais armas de fogo e menos Universidades Públicas.

Os programas políticos antissociais que super-ricos estão apoiando devem ser interrompidos. Caso contrário, eles serão devorados pelo caos que estão criando. A civilização não entra em colapso quando os pobres melhoram de vida. Ela entra em colapso quando os ricos começam a se comportar como se fossem formigas desorientadas que se esforçam para saquear o Estado com a finalidade de comprometer o futuro de todos.

Uma tragédia histórica nunca se repete (ou ela apenas se repete como farsa, como diria Karl Marx). Mesmo assim, nunca é demais prestar atenção ao passado.

Em sua obra “Declínio e Queda do Império Romano”, Edward Gibbon relata que em algum momento a cidadania romana começou a se tornar objeto de desprezo. Por toda Europa, pessoas que haviam nascido e crescido dentro do Império Romano começaram a valorizar suas raízes bárbaras. De um momento para o outro, aquilo que as unificava (a certeza de que ser romano era algo melhor) simplesmente desapareceu.

O mundo que emergiu após a queda de Roma não foi necessariamente melhor do que o mundo romano. As guerras tribais voltaram a se tornar endêmicas, a arquitetura e o urbanismo declinaram, a expectativa de vida diminuiu e o mundo mergulhou numa longa e sombria Idade Média em que a ciência era equiparada à bruxaria. A expansão inconsequente do neoliberalismo tem o potencial de provocar algo semelhante?

Fábio de Oliveira Ribeiro

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