Orientais não valorizam a vida?

A morte de um inglês – possivelmente por um terrorista que tenha agido isoladamente, mas  posto sob acusação de ato de terrorismo – sensibilizou e revoltou a população do Reino Unido. Belas fotos de flores colocadas no local estamparam-se em jornais impressos, emissoras de TV e de rádios e tantos meios eletrônicos em quase todo o planeta. Há pouco tempo, a morte de dois norte-americanos surtiu os mesmos efeitos: as primeiras páginas da mídia impressa e estações de TV mostraram por dias inteiros manifestações de revolta e medo da população, justificando assim novas medidas restritivas da liberdade para estrangeiros ou de caça a terroristas em outros países. De quebra, a justificativa para que todos possam comprar armas quando assim desejarem, e os EUA manterem presos sem qualquer acusação ou julgamento, como acontece em Guantánamo. 

Em notícias bem menores e sem nenhuma outra repercussão, os jornais trazem notícias de mortes por atentados terroristas (sem dúvida), de média diária de 50 pessoas no Iraque e Afeganistão, que deveriam estar supostamente pacificados após intervenção de Estados Unidos e Inglaterra.

Trata-se de uma rotina no Ocidente não valorizar a vida nos outros países, ou tudo não passa mesmo de práticas políticas?

Algumas décadas atrás, alguém chamou a atenção dos americanos pela repercussão na mídia quando um ou alguns deles morriam na guerra do Vietnã, mas que o mesmo não acontecia com os vietnamitas, que morriam em quantidade infinitamente maior, massacrados por milhares de bombas, inclusive de napalm e de fragmentação jogadas diariamente por esquadrilhas de B-52, de altura superior a 10 mil metros. Ao saber da polêmica por um jornalista, um general americano explicou que não se podia pôr na mesma balança a mortes de um ocidental e de um oriental, pois esses últimos não davam o mesmo valor à vida.

Passaram-se os anos, e nada mudou. Os orientais continuam morrendo aos millhares, mas sem despertar comoção –  mesmo quando apenas crianças são atingidas. Muitos civis têm sido mortos por drones no Afeganistão. Esses aviões não tripulados são jogados corriqueiramente sobre remotas aldeias daquele país, lançados de bases americanas a centenas de quilômetros de distância. Um deles caiu sobre soldados americanos por engano, matando quatro deles. Muitas vezes, o drone demora horas para cair sobre seu alvo, o que significa que pessoas podem ter entrado ou saído da zona alvejada. É possível imaginar o tanto de “enganos” que tem acontecido com a população civil afegã. E,  neste caso, não há notícias um pouco mais confiáveis, como acontece com fatos no centro de Bagdá.

A morte de cinco mil iraquianos nos seguidos atentados não ocupará na mídia o mesmo espaço que a de um inglês ou dois americanos na mídia, nem despertará sensibilidade ou revolta nos EUA e na Inglaterra, apesar de serem esses países a causa do caos que impera no Iraque. Nos livros de história, lamenta-se o número de soldados ingleses e americanos mortos nas guerras da Índia e do Vietnã, sem que os milhões mortos do outro lado, que lutavam pelo nobre objetivo de libertação de seus países, mereçam referência. É tudo uma questão de valores, de sensibilidade humana e de realpolitik.

Percival Maricato é advogado

Redação

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