Participação jovem e a necessidade de renovação na política, por Arnaldo Cardoso

Problemas que afligem os jovens europeus, especialmente italianos, foram debatidos em Assembleia Geral do Conselho Nacional da Juventude (CNG)

Participação jovem e a necessidade de renovação na política

por Arnaldo Cardoso

Problemas que afligem os jovens europeus, especialmente italianos, relativos a educação, trabalho e carreira, saúde mental, cultura, participação política, foram mais uma vez debatidos em Assembleia Geral do Conselho Nacional da Juventude (CNG) numa série de encontros ocorridos na segunda quinzena de dezembro, em Roma, com a presença de estudantes, professores, políticos, sindicalistas e pesquisadores.

A cada novos dados divulgados, como em janeiro pelo Instituto Nacional de Análise de Políticas Públicas (INAPP) informando que a Itália é “o único país da área da OCDE em que, de 1990 a 2020, o salário médio anual diminuiu”; que a Itália é “o único país do G7 em que a maioria dos graduados está empregada em atividades repetitivas” e é o “primeiro país da Europa em número de jovens que não trabalham e não estudam”. O quadro é piorado com a informação de que “os professores italianos são os que menos ganham na Europa”.

Também a questão demográfica tem gerado repetidos sinais de alerta. De acordo com o Eurostat “A Europa envelhece, mas a Itália ainda mais: apenas 15 por cento da população tem entre 15 e 29 anos” (faixa etária que corresponde aos jovens).

E a insatisfação dos jovens aumenta com as respostas do governo a cada divulgação de dados.

Dias antes do Natal a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni (FdI) criticou os beneficiários da renda de cidadania que aguardam “emprego dos sonhos” e emendou “empregos decentes existem e podem ser encontrados”. Declarações semelhantes já haviam sido feitas por um famoso empresário italiano do ramo de alimentos, seguido por vários de seus pares.

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Se algumas sondagens junto aos jovens italianos apontam para uma descrença no sistema político e consequente falta de engajamento político, há uma parcela principalmente instalada em médios e grandes centros urbanos que rejeitam a passividade e resignação diante do status quo. Acreditam que a Itália pode fazer mais e que os jovens têm um papel importante a desempenhar neste momento histórico.

Na última semana de janeiro ouvimos sobre as mencionadas questões que afligem os jovens italianos um representante da ala jovem (Giovani Democratici – GD) do partido político de centro-esquerda Partido Democrático (Pd).

Claudio Mastrangelo, 26 anos, nasceu e vive na comuna de Pescara, região de Abruzzo, distante cerca de 200 km de Roma. Estudou Ciência Política e Estudos Internacionais e atualmente cursa Governança de Organizações Publicas na Universidade Ca’ Foscari Venezia. É Secretário Regional dos Jovens Democratas, de Abruzzo.

Emprego e precarização

Citando o resultado de recente pesquisa elaborada pelo Centro de Carreiras da Universidade John Cabot (JCU) de Roma, que revelou que “em 2022 quase metade dos jovens entre 20 e 25 anos (43% dos recém-licenciados ou mestres) encontrou um posto de trabalho nos setores digital e de inovação” e, salientando a preocupação diante do fato de que muitos desses postos de trabalho consistem em rotinas repetitivas, como em call centers, com oportunidades reduzidas de desenvolvimento de carreira, instamos Claudio Mastrangelo a expressar sua avaliação do dado exposto.

CM – Muitos desses empregos, especialmente em grandes centros econômicos como Milão e Roma, começam com estágios não remunerados ou remunerados bem abaixo da linha de 11.500 euros por ano, que identifica os chamados “trabalhadores pobres”. É necessário abolir imediatamente os estágios não remunerados e estabelecer um salário-mínimo por hora abaixo do qual não seja mais trabalho, mas exploração. […]

Estou feliz que o Partido Democrático tenha apresentado dois projetos de lei nesse sentido no Parlamento mas, infelizmente, não estou surpreso que ambos tenham sido ignorados pela direita.

Em segundo lugar, [é preciso registrar] que muitas vezes esses trabalhos têm uma parcela ou a sua totalidade de “trabalho inteligente”. [Mas] a pandemia mostrou como o teletrabalho muitas vezes cria uma nova alienação não muito diferente daquela das linhas de montagem fordistas de mais de cem anos atrás, especialmente nos jovens e que, ainda mais frequentemente, tem sido um instrumento de opressão dos trabalhadores impondo exaustivas horas de trabalho devido à dissolução da linha clara que deve separar os tempos e locais de trabalho dos tempos e locais destinados ao tempo livre. […] é necessário direcionar politicamente o progresso tecnológico para a elevação das condições materiais de existência das pessoas. […] a precariedade é a verdadeira espada de Dâmocles que paira sobre as cabeças das gerações mais jovens e que também tem efeitos devastadores sobre a taxa de natalidade na Itáli.

Saúde mental

No último 10 de outubro, Dia Mundial da Saúde Mental, foi divulgado na Itália que, do orçamento anual inicialmente estabelecido em 10 milhões de euros, posteriormente aumentado para 25 milhões, destinado ao programa que instituiu em 2022 a “bolsa psicólogo”, 60% dos pedidos de bolsa foram de jovens de até 35 anos. Essa bolsa consiste na concessão de vouchers com valor máximo de 600 euros, para pessoas de renda baixa e média pagarem consultas com psicólogos. Embora a pandemia de Covid-19 tenha piorado o quadro geral da saúde mental, bem antes a solidão e a depressão já eram apontadas como mal do século, com programas governamentais instituídos em países como Japão e Reino Unido.

Referindo-se a estudo recente sobre o sofrimento jovem realizado pelo  CNG em colaboração com a Universidade Sapienza de  Roma, que informa que 32% dos jovens entre 18 e 34 anos dizem que muitas vezes sofrem de solidão e, que, ansiedade,  insegurança, falta de pertencimento e medo do  futuro são alguns de seus principais sintomas, perguntamos para Claudio Mastrangelo como ele vê esse problema, tendo em perspectiva o seu entorno e informações que recebe sobre os jovens italianos.

CM – A solidão em conjunto com a ansiedade, é o mal da pós-modernidade – especialmente no Ocidente – muitas vezes paradoxalmente mais presente nas áreas urbanas do que nas áreas rurais, onde um “sentido de comunidade” ainda desempenha um papel importante.

Estes são fenômenos que eu percebo não só no meu círculo, mas também em mim mesmo.  Emblemáticos são também os dados sobre suicídios e tentativas de suicídio de  jovens e   sobre os atos de automutilação que aumentaram 75% e 60%, respectivamente,  no período 2020-2022 em comparação com o período anterior pré-pandemia.

No entanto, acredito que isso não seja, de forma alguma, apenas um efeito da pandemia, acredito que há uma razão profundamente econômica e, portanto, política. Ansiedade em função de um sistema econômico que dita tempos incompatíveis com a vida humana e sua fragilidade. Este sistema comeu – depois do mundo do trabalho – também o educacional e universitário, o das relações amorosas e o das amizades.

[Nos defrontamos com] uma vida que se resume a demonstrar que você atende aos parâmetros de um checklist imposto não se sabe por quem. [Uma resposta a isso] é a notícia cada vez mais frequente de estudantes universitários com exames deixados para trás, cometendo suicídio depois de mentir por anos para parentes e fazê-los acreditar que estavam prestes a se formar.

Em tudo isso há uma enorme responsabilidade da esquerda que se acomodou por trinta anos na cômoda narrativa hegemônica de que a história acabou e que a desregulamentação capitalista da sociedade daria a todos melhores condições de vida. […]

Os jovens e a participação política

Há quase quinze anos, o emblemático dia do Vaffancullo foi um retumbante grito de insatisfação com os partidos políticos tradicionais e a dinâmica da política institucional italiana. Esse movimento, conduzido pelo comediante Beppe Grillo, teve uma grande participação de jovens italianos.

Desde então, o V-Day deu origem a um novo partido (M5S), reformas foram promulgadas no Parlamento, mas o descolamento entre a classe política e os cidadãos continua a gerar descontentamento popular.

Perguntamos ao jovem militante do Gd o que ele considera necessário para aumentar o interesse e a confiança dos jovens italianos na política institucional.

CM – O Movimento Cinco Estrelas (M5S), embora em uma primeira fase tenha sido uma força com pesados traços iliberais, teve o mérito de colocar de volta no centro do debate político algumas questões importantes, como a questão moral. O problema foi o “como”, com o justicialismo, a demonização da política e da democracia representativa e a deslegitimação das instâncias intermediárias/mediadoras. 

Hoje, depois de14 anos, essa força já esteve no governo 3 vezes, uma com a direita, uma com a esquerda e outra com os tecnocratas e agora parece ter encontrado um lugar no campo do progressismo, espero eu. 

Os jovens precisam de uma política que seja útil para mudar suas vidas e fazê-los se sentir protegidos dos ventos de um mundo desgastado, que os faça sentir que vale a pena empenhar-se. Porque não é verdade que eles não se envolvam, eles simplesmente se envolvem em outros espaços, desde o voluntariado até o ativismo ambiental. E, voltando ao tema anterior, eles não estão sozinhos.

Os jovens de esquerda precisam de um novo partido que ataque as distorções desse sistema econômico e que seja um instrumento de realocação de poder e conhecimento para aqueles a quem isso está sendo negado. Um partido com uma identidade clara, mas não só: um partido que também seja fiel a si mesmo nas propostas e consequente a si mesmo nas instituições. O Partido   Democrático quase nunca reuniu todas essas qualidades e, por essa razão, deve passar por umA mudança radical. É por isso que apoio Elly Schlein na corrida à direção do Partido Democrático e, para isso tenho empenhado o meu compromisso político.

A escolha de novo(a) Secretário(a) Nacional do Partido Democrático

Desde o resultado da eleição nacional antecipada ocorrida em 25 de setembro passado, quando Giorgia Meloni do partido de extrema direita Irmãos de Itália (FdI) saiu vencedora – sendo há cem dias a Primeira-Ministra da Itália –, o atual Secretário Nacional do Partido Democrático, Enrico Letta (56), anunciou que se desligaria da liderança do partido, abrindo assim um processo de apresentação de candidaturas.

Hoje são quatro os candidatos: Elly Schlein (37), Gianni Cuperlo (61), Paola De Micheli (49) e Stefano Bonaccini (56). As pesquisas indicam favoritismo de Elly Schlein, a mais jovem candidata e de Stefano Bonaccini, atual governador da rica região da Emilia Romana.

Após as Primárias que ocorrerão no próximo dia 14, quando serão escolhidos dois candidatos, a votação final será no dia 26 de fevereiro.

Em recente edição da revista Espresso a capa estampou a figura de um Janus Bifronte, a estátua de duas faces que na mitologia antiga indicava duas almas divididas, que nunca se olham nos olhos e nunca se entendem.

As duas faces seriam as do Partido Democrático, representado pela sigla Pd que, na provocação da revista significaria “Partido dividido”, com Elly Schlein olhando para a esquerda e Stefano Bonaccini para a direita.

Perguntamos para Claudio, que tem a experiência de ser Secretário Regional dos Jovens Democratas, se o GD tem conseguido aproximar os jovens da política institucional italiana e se esse tipo de organização contribui para a formação de novos quadros para o partido e, portanto, renovação.

CM – Os Jovens Democratas (GD) já foram uma das mais numerosas e ativas comunidades políticas jovem da Itália, agora, após três anos de substancial paralisia a nível nacional,  estão reduzidos aos ossos, espalhados pelo país como um leopardo entre territórios, que entre  mil dificuldades conseguiram avançar e até por vezes produzir propostas políticas consideráveis (como a proposta sobre a abolição dos estágios gratuitos ou a de inserção da   proteção da saúde mental na  Constituição). Em áreas não urbanas e mais pobres, muitas seções se renderam e fecharam suas portas. 

Tenho convicção da necessidade de  uma  organização jovem autônoma que negocie com força e dialética, às vezes até de forma conflituosa, a representação geracional  no  partido e  na sociedade, porque  é a única maneira de ser vanguarda ideológica e  de praticar a  doutrina partidária, colocando a régua da  proposta política do partido sempre um pouco mais alta,  pensando o  impensável e  explorando o  indizível, às vezes até dando a chance de errar a uma classe dominante em formação contínua e, ao mesmo tempo representando as margens mais ocultas do mal-estar social jovem. […]

Penso que devem ser reformados da raiz e, fico feliz por tudo o que, nestes anos, cada vez mais companheiras e companheiros por toda a Itália compartilharam de minhas tristezas e, por outro lado, da minha esperança de mudança.

Nesse longo e qualificado diálogo com Claudio Mastrangelo, ainda foram abordadas questões sobre cultura popular, festivais de música italiana, conflitos geracionais, especialização do trabalho e até música popular brasileira e esportes, com o Secretário dos Jovens Democratas de Abruzzo revelando sua admiração desde criança pela carreira do campeão de Fórmula Um, Ayrton Senna.

O restante da entrevista será publicado em novo momento neste mesmo Jornal GGN.

Esse autor, que desde muito acompanha a política italiana contemporânea e tem acompanhado com entusiasmo a campanha de Elly Schlein, torce para que ela se torne a nova Secretária Nacional do Partido Democrático, para o bem da democracia italiana.

Arnaldo Cardoso, sociólogo e cientista político (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), pesquisador, escritor e professor universitário

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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