Pesquisa eleitoral: cenário antecipado das eleições ou instrumento político?, por Edmundo Moraes

Com a intensificação da campanha eleitoral os candidatos se tornam mais conhecidos e espera-se uma definição por parte dos eleitores. Entretanto, esse fato só aparece nas pesquisas espontâneas.

TSE – Tribunal Superior Eleitoral Urna eletrônica

Pesquisa eleitoral: cenário antecipado das eleições ou instrumento político?

por Edmundo Moraes

Em agosto de 2017 eu publiquei o texto “Pesquisa eleitoral: o que vale é a pesquisa espontânea”. Quase cinco anos se passaram, muita coisa aconteceu no nosso país, mas  em relação às pesquisas eleitorais pouca coisa mudou. A divulgação e a análise das pesquisas ainda adotam como referência principal as pesquisas estimuladas. Com a nova campanha eleitoral para a Presidência da República, as pesquisas eleitorais voltam a ser alvo das atenções dos analistas políticos e do público em geral. Diante dessa situação, considero pertinente rever o meu texto de 2017, reforçar os meus argumentos e acrescentar dados de pesquisas realizadas após a sua publicação.

Em princípio devemos admitir que as pesquisas eleitorais se propõem a traçar um cenário antecipado do que irá ocorrer nas eleições. Pelo menos é assim que elas são apresentadas ao público: “se as eleições fossem hoje, fulano de tal teria tantos por cento dos votos…”. Será que isso realmente ocorre? Será que as pesquisas eleitorais divulgadas pelos órgãos de comunicação refletem efetivamente uma simulação das eleições? Foi esse questionamento que me levou a escrever o texto  publicado em agosto de 2017.

Como toda pesquisa que se propõe a ser confiável, a pesquisa eleitoral deve seguir uma metodologia apropriada. A partir do seu objetivo, todas as suas etapas devem ser adequadamente concebidas e executadas: a elaboração do questionário, a coleta dos dados, a análise dos resultados e a sua divulgação. Portanto, se o objetivo da pesquisa eleitoral é simular as eleições, sua metodologia deve ser necessariamente compatível com o processo de votação.

Antes da introdução do uso da urna eletrônica no nosso país, a votação para os cargos majoritários ocorria com o uso da cédula de papel onde o eleitor encontrava impressa a lista dos candidatos e podia assinalar o nome de sua preferência. Neste processo de votação, a ordem de apresentação dos nomes dos candidatos na cédula pode representar um estímulo para a escolha do eleitor. Ao ler a relação dos candidatos o eleitor pode ser levado a escolher os primeiros ou os últimos nomes da lista. A ordem dos candidatos na lista de votação era definida por sorteio o que, contudo, não impedia que ela pudesse interferir no ato de votação.

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A votação atualmente em vigor nas nossas eleições ocorre mediante o uso da urna eletrônica. Neste caso, não há na tela da urna uma lista nominal dos concorrentes para que o eleitor faça a sua opção, como na cédula impressa. O eleitor deve digitar o número do candidato da sua escolha. Uma relação impressa dos candidatos é exposta ao lado da urna para consulta dos eleitores e assim a interferência no ato de votação é menos provável.

A partir da análise dos processos de votação, podemos considerar que a pesquisa eleitoral estimulada, onde o eleitor recebe uma lista dos candidatos para escolher o seu preferido, simula de fato a votação com a cédula de papel. A simulação da eleição com a urna eletrônica só acontece efetivamente na pesquisa espontânea onde o eleitor não recebe estímulo direto para manifestar a sua escolha.

As considerações acima reforçam o argumento do texto de 2017: somente a pesquisa espontânea corresponde à uma simulação do processo eleitoral atualmente vigente no nosso país.

Ao escrever o texto de 2017, para comparar as pesquisas estimuladas e espontâneas,  eu utilizei como referência uma pesquisa realizada na época, mais de um ano antes das eleições. Para testar a minha argumentação, eu analiso a seguir os resultados de pesquisas eleitorais relacionadas às eleições presidenciais de 2018 e as primeiras pesquisas que dizem respeito às eleições de 2022. Eu adoto como fonte de dados para essa análise a série histórica das pesquisas do Instituto Datafolha disponível no site datafolha.folha.uol.com.br/eleições.

Em relação às eleições de 2018, a série histórica do Instituto Datafolha que eu utilizo nesta análise abrange as pesquisas espontâneas e estimuladas realizadas no período compreendido entre 14/15 de julho de 2016 e 03/04 de outubro de 2018, esta última divulgada no dia do primeiro turno que ocorreu no dia 05 de outubro de 2018. As pesquisas para o segundo turno não incluíram pesquisas espontâneas e por isso não foram aqui consideradas.

Algumas datas são importantes na análise das pesquisas relativas às eleições presidenciais de 2018. A campanha eleitoral teve início oficialmente em 15 de agosto. A propaganda no rádio e televisão começou no dia 31 de agosto. Em 01 de setembro o Supremo Tribunal Federal deliberou pelo indeferimento do registro da candidatura do ex-presidente Lula. A substituição oficial do ex-presidente Lula pelo ex-prefeito Fernando Haddad ocorreu em 11 de setembro.

A última pesquisa realizada com a inclusão do ex-presidente Lula como candidato ocorreu em 20/21 de agosto de 2018 antes, portanto, do início da propaganda no rádio e na televisão. Até essa data, reunindo um total de dez consultas realizadas, todas as pesquisas espontâneas de intenção de voto reproduziram a pesquisa que serviu como base para o meu texto de 2017: somente Lula e Bolsonaro apresentaram índices de preferência significativos em relação à margem de erro das pesquisas, situada em 2%. Todos os outros nomes citados nas pesquisas se mantiveram abaixo ou no limite da margem de erro.

 Adotando como exemplo a pesquisa realizada em 20/21 de agosto, Lula foi citado espontaneamente por 20 por cento dos entrevistados, Bolsonaro foi citado por 15 por cento e os demais nomes citados – Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, João Amoêdo, Álvaro Dias e Marina Silva – não passaram de 2 por cento, quando citados. Tendo em vista a margem de erro de 2% para mais ou para menos, os resultados dessas pesquisas espontâneas, a exemplo da pesquisa utilizada no texto de 2017, indicam que é razoável considerar a possibilidade de que somente Lula e Bolsonaro eram efetivamente lembrados pelos entrevistados. Isso a cerca de 45 dias do primeiro turno das eleições.

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Já nas pesquisas estimuladas os resultados foram diferentes das espontâneas, o que indica que de fato estamos diante de duas situações distintas. No exemplo acima, referente à pesquisa de 20/21 de agosto, candidatos que não foram citados de forma significativa na pesquisa espontânea aparecem na pesquisa estimulada. Essa pesquisa utilizou dois cenários.

No primeiro caso, com a inclusão do nome do ex-presidente Lula, os resultados para a intenção de voto estimulada apontavam 39% para Lula, 19% para Bolsonaro, 8% para Marina, 6% para Alckmin, 5% para Ciro, 3% para Dias e os demais candidatos todos com 2% ou menos. No segundo cenário, sem o nome de Lula e com a introdução do ex-prefeito Fernando Haddad, a pesquisa apontou os seguintes percentuais de preferência: Bolsonaro 22%, Marina 16%, Ciro 10%, Alckmin 9%, Haddad 4%, Dias 4% e os outros candidatos com 2% ou menos.

Percebe-se que candidatos como Marina Silva e Ciro Gomes, que foram escolhidos espontaneamente por um percentual que dentro da margem de erro da pesquisa poderia mesmo ser desprezado, passaram a apresentar significativos percentuais de preferência na consulta estimulada, principalmente após a exclusão do nome do ex-presidente Lula. Esses dados mostram claramente a influência da pesquisa estimulada e a importância dos cenários apresentados na consulta.

Com a intensificação da campanha eleitoral os candidatos se tornam mais conhecidos e espera-se uma definição por parte dos eleitores. Entretanto, esse fato só aparece nas pesquisas espontâneas. Na pesquisa de 20/21 de agosto, antes do início da propaganda no rádio e na televisão, o percentual de entrevistados que declararam espontaneamente não saber em quem iriam votar era de 41%, índice que diminui nas pesquisas subsequentes, com o desenrolar da campanha eleitoral, até atingir 22% na pesquisa divulgada no dia do primeiro turno. Já na pesquisa estimulada de 20/21 de agosto somente 6% revelaram que não sabiam em quem iriam votar, percentual que permaneceu praticamente constante no decorrer da campanha eleitoral até às vésperas da eleição quando esse índice foi de 5%. Esses dados evidenciam que um percentual significativo de entrevistados que efetivamente não sabiam em quem iriam votar escolheram um candidato a partir da lista de nomes que lhes foi apresentada nas pesquisas estimuladas.

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As primeiras pesquisas referentes às eleições de 2022 fortalecem essa análise. Em cinco pesquisas realizadas pelo Instituto Datafolha no período de 11 e 12/05/2021 à 22 e 23/03/2022 somente Lula e Bolsonaro apresentam índices de preferência significativos nas pesquisas espontâneas. Como nas pesquisas citadas anteriormente, os outros nomes só aparecem com índices significativos nas pesquisas estimuladas.

 Tomando como exemplo a pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em 22 e 23/03/2022 verificamos que na pesquisa espontânea 32% dos entrevistados não sabiam em quem iriam votar enquanto na pesquisa estimulada esse índice cai para 2% ou 3% dependendo do cenário apresentado para a escolha do eleitor. Assim, a pesquisa estimulada, além de não simular o processo eleitoral, induz o eleitor a escolher um candidato e essa escolha depende do cenário que lhe é apresentado.

Ao priorizar a consulta estimulada, os meios de divulgação das pesquisas eleitorais criam um falso cenário do processo eleitoral. A pesquisa se transforma em um instrumento político que, de forma deliberada ou não, interfere na escolha do eleitor.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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