Prefeitura de São Paulo quer despejar Coopamare, referência na coleta seletiva

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Coopamare coleta em média 96 toneladas de materiais recicláveis por mês. Se catadores decidirem permanecer, Prefeitura pode usar a força

Coopamare: 96 toneladas de resíduos coletados por mês. Marcos Santos/USP imagens

A Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (Coopamare) recebeu uma notificação onde a Prefeitura de São Paulo estabelece prazo de 15 dias para que ela saia do local em que está instalada, entre as ruas Galeno de Almeida e João Moura, sob o viaduto da Avenida Paulo VI, em Pinheiros. 

O auto de infração foi expedido pelo Poder Público no dia 23 de junho. Em ação do Ministério Público (MP), a Prefeitura de São Paulo vem sendo inquirida a responder por incêndios que ocorrem sob viadutos na capital. Desse modo, a fiscalização entendeu que a Coopamare representa um risco e tem de sair.     

Conforme a notificação, os “infratores”estarão sujeitos às “medidas administrativas” cabíveis, que de acordo com o Decreto 48.832/2007 pode significar lavratura de boletim de ocorrência por crime de desobediência e esbulho possessório, além de retirada compulsória, mediante o uso da força. 

Eduardo Ferreira de Paulo, o Dudu, liderança histórica dos catadores e catadoras, salienta que se trata apenas de uma notificação, o trabalho seguirá normalmente na Coopamare. O que não se sabe ainda “é o que vamos fazer, vamos ter que decidir com todo mundo aqui”, diz. 

Dudu não se abala. Imagina um caminho de negociação pelo MP. Está na Coopamare desde a fundação, precisou enfrentar algumas gestões municipais que não apoiam as cooperativas e desrespeitam as leis. Também veio da rua, lidou com muitas batalhas na vida. 

A Coopamare  

Primeira cooperativa de catadores de materiais recicláveis do Brasil, a Coopamare transformou seu endereço num marco na cidade que produz 12 mil toneladas de lixo por dia, liderando o ranking nacional. É como se cada morador da capital paulista jogasse fora um quilo de lixo todos os dias. 

Durante a tarde desta quinta-feira (29), diretores, cooperados e organizações aliadas se reuniram na Coopamare para decidir quais medidas tomar diante da postura da Prefeitura de Ricardo Nunes (MDB). Em outras ocasiões, como em 2006, o Poder Público permitiu a permanência com um termo de concessão. 

Na notificação, a Secretaria de Subprefeituras informa que a Coopamare ocupa de maneira irregular uma área municipal. No entanto, a cooperativa está no local há mais de 30 anos, onde emprega moradores de rua para que, com o dinheiro da coleta de recicláveis, consigam moradia e reinserção social.

Mulheres são maioria

Desalojar a Coopamare é também uma forma de retirar das mulheres o seu sustento. Conforme o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), as mulheres são a maioria entre os catadores de materiais recicláveis, representando 70% dos 800 mil trabalhadores em atividade. 

“Para mim tudo era lixo, hoje não, quando eu comecei a trabalhar eu comecei a ver o lixo de outra maneira, a parte da reciclagem a coleta seletiva”, conta ao jornal Brasil de Fato Nilzete Romão dos Santos, presidenta da Coopamare.  

Maria Divina passou dos 50 e está há 25 anos nas ruas de São Paulo, como catadora de recicláveis. Perdeu as contas de quantas toneladas daquilo que era lixo e ela tirou do ambiente urbano levando-o para novo ciclo de uso. Assim também se cuidou de si e da família, com dignidade e muita luta. 

Ela faz parte da Associação das Mulheres Catadoras, aliada da Coopamare, como tantas outras cooperativas no Estado de S. Paulo. “Coleta seletiva sem catador é lixo”, ela diz ao defender a Coopamare e a necessidade do Estado cada vez mais colocar os catadores em seu devido lugar: naquilo que a lei diz. 

Prestadores de serviço público

A Defensoria Pública conhece o trabalho e a importância atual e histórica do trabalho feito pelas catadoras e catadores da Coopamare. “A coleta seletiva na cidade de São Paulo começou por ela em 1989, na gestão Luiza Erundina”, explica o defensor Público Paulo Alvarenga.

De acordo com o defensor, é preciso reconhecer e assegurar, por meio de contratos e remuneração, os direitos das catadoras e catadores como prestadores de serviço público de coleta seletiva para a cidade. Há, inclusive, lei federal que garante aos catadores e catadoras tratamento como categoria emergente.  

“A contratação de catadores para a coleta seletiva deve ser uma prioridade de todo o município, é o que prevê a Lei 12.305/10, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, norma geral que deve ser observada por todos os entes da Federação”, diz Alvarenga.

Sobre a ocupação da Coopamare, Alvarenga entende que há o consentimento do município há décadas, que “sempre contou com o trabalho de coleta seletiva feito pelas catadoras e catadores da cidade, inclusive, os catadores avulsos, que têm na Coopamare sua referência profissional e de pertencimento à cidade”.

Política Pública

O defensor reforça que a Política Pública, e as decisões da administração que busquem concretizá-las, precisa cumprir a  Lei Nacional. A lei, por sua vez, diz que os resíduos sólidos são bem econômico e de valor social, de trabalho e renda e promotor de cidadania. 

A lei também “reconhece o/a catador/a como agente fundamental da gestão integrada de resíduos sólidos, tanto que prioriza a sua contratação e integração”, salienta Alvarenga.

“Toda coleta que não for seletiva é inconstitucional, pois viola o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os objetivos fundamentais da Constituição”, enfatiza.

Contexto da Coopamare

“Se nós temos hoje no Brasil entre 3% e 4% de reciclagem, eu diria que 75%, 80% desse volume é fruto do trabalho dos catadores (…) movimentando uma economia que pode prover a subsistência para toda essa camada da população”, explicou à TV Globo o presidente da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, Carlos Silva Filho.  

Na Coopamare, se coleta em média 96 toneladas de materiais recicláveis por mês, organizar e comprimir em fardos de até 250 quilos. Os fardos são vendidos para indústrias: o montante arrecadado garante de R$ 900 a R$ 1.000 mensais para cada um dos trabalhadores associados à Coopamare.

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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