Premiada escritora da Nigéria critica negação de racismo no Brasil

 
Jornal GGN – A premiada escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie fala, em entrevista, sobre feminismo e sua percepção do tratamento do negro no Brasil. Ela alerta a importância dos homens reconhecerem que existe a opressão das mulheres nas diversas sociedades, mas destaque que há uma diferença de reação entre as mulheres nigerianas e as ocidentais. 
 
“No Ocidente, a ideia de uma mulher que fala o que pensa é assustadora. Na Nigéria, a mulher não ficaria quieta. Mas quando vai para casa, espera-se que seja submissa ao marido”. 
 
Ao visitar o Brasil, Chimamanda notou não encontrar negros nos espaços ocupados pelos mais ricos. Em seu mais recente romance “Americanah”, a escritora usou essa percepção para criticar o racismos brasileiro. 
Brasil está em negação sobre debate racial, diz autora premiada da Nigéria

ANGELA BOLDRINI
DE SÃO PAULO

19/02/2015 02h05

Em 2003, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, 37, promovia seu primeiro livro, o romance “Hibisco Roxo”, em que o protagonista é um homem que espanca sua mulher.

“Estão dizendo que seu livro é feminista”, teria lhe dito um jornalista nigeriano. Ele então a aconselhou a “nunca se chamar de feminista, porque elas são mulheres infelizes que não conseguem arrumar maridos”.

Adichie não só não seguiu o conselho do homem, como também relatou o ocorrido em 2013 em um discurso intitulado “Sejamos Todos Feministas”, publicado agora pela Companhia das Letras.

Dos Estados Unidos, onde passa parte de seu tempo –ela mora em Lagos (Nigéria), a autora de “Americanah”, romance ganhador do National Book Critics Circle Award, falou com a Folha sobre racismo, as eleições presidenciais em seu país e a ascensão do grupo fundamentalista islâmico Boko Haram, responsável por sequestros, estupros e assassinatos na Nigéria.

*

Folha – Por que você decidiu discursar sobre feminismo?

Chimamanda Ngozi Adichie – Porque sempre foi importante para mim e acho que é algo sobre o qual as pessoas deveriam falar.

Boa parte do mundo ocidental acha que está tudo bem, que se as mulheres podem votar, então está tudo bem, mas eu acredito que gênero seja um problema no mundo inteiro e que nós deveríamos discuti-lo mais.

Que papel os homens podem exercer no feminismo?

A primeira coisa é reconhecer que há um problema. Eles não deveriam achar que merecem parabéns quando fazem atividades que são consideradas femininas, como ser celebrados só porque sabem trocar a fralda do seu filho. Isso não é ser feminista.

Há um movimento feminista na Nigéria?

Acredito que sempre houve um, mas não tinha esse nome. As nigerianas são muito fortes, e há uma ética feminista muito mais forte na classe trabalhadora e sem educação formal do que entre as mulheres escolarizadas.

A diferença entre o feminismo na Nigéria e nos EUA é que se uma americana, escolarizada e de classe média, fica incomodada com algo no trabalho, o mais provável é que ela fique quieta e vá chorar depois. No Ocidente, a ideia de uma mulher que fala o que pensa é assustadora.

Na Nigéria, a mulher não ficaria quieta. Mas quando vai para casa, espera-se que seja submissa ao marido.

Quais as suas perspectivas sobre a eleição na Nigéria [adiadas por seis semanas pelo governo de Goodluck Jonathan, candidato à reeleição, e previstas para 28/3]?

Não estou animada com nenhum dos candidatos, mas também não acho que a Nigéria vá se despedaçar nem nada assim. Acho que havia outras pessoas que poderiam ser muito inspiradoras, mas elas não conseguiram chegar lá.

Por que você acha que o Boko Haram ficou tão poderoso?

Eu diria que a maioria dos nigerianos está tão confusa quanto o resto do mundo.

Para muitos nigerianos, o Boko Haram é muito mais um problema político do que religioso. É fundamentalismo islâmico, mas eles começaram sendo utilizados por políticos, que os financiavam para usar como força nas eleições. O que aconteceu é que o Boko Haram ficou grande demais e saiu do controle, se aproximou de outros grupos fundamentalistas.

Em “Americanah”, você diz que as pessoas são tratadas diferente quando são “visivelmente negras, não quando podem ser confundidas com brasileiros”. Como assim?

[risos] A personagem estava tirando sarro da percepção americana de como o brasileiro é. Nos EUA, “brasileiro” é alguém racialmente ambíguo, que não é branco, mas também não é negro.

Eu acho que o Brasil está em negação sobre a questão racial. Amigos brasileiros comentam que vocês não falam de raça e isso me surpreendeu. [Quando veio ao Brasil, em 2008] não consegui deixar de notar como raça e classe estão conectadas no Brasil. Eu ia a restaurantes bons e não via uma única pessoa negra.

Há um personagem no livro que vai ao Brasil e as pessoas o olham de forma estranha, porque ele tem a pele bem escura e está na fila da primeira classe.

 
Redação

19 Comentários

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    1. Racismo as aversas

      A gente tá falendo de racosmo e vem uma mula com um comentário infeliz deste. È mesmo que dizer que !é um preto de alma branca” com tenho ouvido na minha negra Bahia. #PQP

       

      1. Meu camarada quando falo em

        Meu camarada quando falo em DNA branco falo em miscigenação, que eu valorizo. A escritora é uma mulata. Negro pelo que sei não é sinônimo de preto, é denominação legal pra definir “raças” humanas. No Brasil quanto mais escura é sua pele pior é sua condição social e econômica via de regra. Nesta história de classificar mulatos e pretos como negros, mais uma vez quem se ferra são os pretos, ou você acredita que a cor da pele da Camila Pitanga é tão problemática na sociedade brasileira quanto o é a da Benedita da Silva?

  1. Era só o que nos faltava, uma

    Era só o que nos faltava, uma nigeriana dar opinião sobre como funciona a sociedade brasileira.

    já nao basta os boçais racialistas daqui agora tem que ficar ouvindo gente de fora que tem muito o que fazer por lá…rs

    1. Que que é isso, companheiro?

      Agora até crítica de intelectuais de fora você repele?

      Eu hein!!

      Todo mundo pode falar o que achar pertinente. Ela concedeu uma entrevista a um jornal brasileiro…

      E por que você não consegue escrever um comentário sem chamar alguém d eburro, boçal, idiota, estupido ?

      1. Na verdade os maiores

        Na verdade os maiores absurdos sao ditos necessariamente por intelectuais

        O que é muito grave pois um intelectual não é falacioso é sofismatico ja que podemos considerar sofisma como uma falacia qualificada.

        Ou seja o sujeito nao é ignorante porem ainda assim deturpa os fatos para que caibam na sua visão perniciosa da coisa toda.

         

  2. Podemos até ter problemas no

    Podemos até ter problemas no Brasil, mas aqui uma mulher pode estudar, exercer qualquer profissão, exibir seu corpo,se assim o quiser, opinar sobre qualquer assunto, desfrutar da sua sexualidade sem tem seu himem extirpado e se casar com o parceiro de sua escolha. E o melhor, não vai ser presa, apedrejada, sequestrada nem queimada viva. 

    1. Sei… no máximo será

      Sei… no máximo será espancada até a morte, como a Fabiane Maria de Jesus…ou levará um tiro na cara, como as moças de Goânia… ou…

    2. escritora nigeriana – resposta podemos até ter problemas no

      Minimizar nossos absurdos e seculares problemas comparando-os com os de outro país é no mínimo querer deliberadamente continuar a colocar antolhos frente ao racismo, os altos índices de morbidade cotidiana, as discriminações e intolerâncias que vivemos diariamente. 

      Esta semana uma adolescente de 15 anos negra ao procurar o hospital da muher no RJ ficou sofrendo à mingua porque os “doutores” brancos não queriam se ocupar com suas dores… afinal, quem abrira as pernas fora aquela negrinha… que aguentasse… é isso que escutamos na hora que estamos morrendo ao dar à luz ou perdermos a nossa. A menina teve o útero perfurado e retirado e foi assassinada por médicos que a mandaram para outro hospital. Racismo. Assassinato. Menos uma jovem negra.

      Nós temos intolerância religiosa todos os dias. Nós não temos direito ao nosso corpo e de não querermos carregar um feto indesejado. Não podemos assumir uma sexualidade que queremos. Somos vilipendiadas no mercado de trabalho. Negra, nordestina, fora do peso, baixa, mesmo com boa instrução é preterida. Quantos negros vemos mesmo na telinha??? E nos ministérios??? E os indígenas, já conseguiram matar todos????

      Então… voltando a elevar o nível da conversa, não podeos pensar em conversar sobre nossas mazelas sendo descompensados. Temos muitas coisas que fazemos no nosso solo brasileiro que outras culturas execram. Não é este o caminho. 

  3. Na  minha universidade o

    Na  minha universidade o conselho aprovou cota para negro em menos de duas rodadas de debate. O supremo idem, e  alguém ainda quer dizer que temos racimos?

  4. Há um bloqueio cognitivo

    Há um bloqueio cognitivo imenso que impede se enxergar que o racismo brasileiro estampado em outdoors e veiculado livremente na tv não é camuflado ou velado pois se evidencia nos milhares de corpos negros transfonados em estatística ano após ano.

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