Pressões da Opep sobre a COP28 revoltam ONGs e países favoráveis ao fim dos combustíveis fósseis

"Abandonar" ou "reduzir" o uso dessas fontes de energia é o dilema mais polêmico para a declaração final da CO28, que os ministros devem apresentar na terça

Ricardo Stuckert

da RFI

Pressões da Opep sobre a COP28 revoltam ONGs e países favoráveis ao fim dos combustíveis fósseis

por Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Dubai

As negociações para o acordo da Conferência do Clima da ONU em Dubai (COP28) seguem neste sábado (9) sob a sombra das pressões da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Organizações ambientalistas e países como a França e a Espanha demonstraram indignação com o texto, no qual o secretário-geral da entidade incita os países-membros a bloquearem qualquer avanço quanto ao fim dos combustíveis fósseis, foco das discussões no evento. 

“Acho que é uma coisa bastante repugnante da parte dos países da Opep, se oporem a que a gente coloque os termos como devem ser”, disse a ministra espanhola da Transição Ecológica, Teresa Ribera, cujo país ocupa a presidência rotativa da União Europeia.

Na sexta-feira (8), foi revelado o conteúdo de uma carta endereçada na quarta aos países-membros, incluindo os associados no âmbito da Opep+, num total de 23 países. “A pressão indevida e desproporcional contra os combustíveis fósseis pode alcançar um ponto de inflexão com consequências irreversíveis”, advertiu o secretário-geral da organização, Haitham Al Ghais. “Embora os países-membros” e seus associados “levem a sério a mudança climática (…) seria inaceitável que campanhas com motivações políticas ponham em perigo a prosperidade e o futuro de nossos povos”, continua a carta de Al Ghais.

A COP28 avalia o balanço da luta contra a mudança climática desde 2015, quando o Acordo de Paris foi assinado. O tratado fixou como objetivo limitar o aquecimento global a 2°C e, se possível, a 1,5°C, em relação aos níveis da era pré-industrial. O consenso científico sobre o tema aponta que, para que essa meta mais ambiciosa seja possível, o mundo deve abandonar o quanto antes os combustíveis fósseis, responsáveis por mais de 75% das emissões globais de gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento do planeta.

Reações

“Eu estou estupefata com essas declarações da Opep. E estou com raiva”, declarou a ministra francesa do Meio Ambiente, Agnès Pannier-Runacher. “A posição da Opep coloca em risco os países mais vulneráveis e as populações mais pobres, que são as primeiras vítimas dessa situação. Eu conto que a presidência da COP não se deixará impressionar por essas declarações”, acrescentou. 

Tina Stege, enviada para o clima das Ilhas Marshall, um desses territórios insulares mais ameaçados pela alta do nível dos oceanos, também reagiu às revelações. “Nada coloca mais em perigo a prosperidade e o futuro dos habitantes da Terra, inclusive os cidadãos dos países da Opep, do que as energias fósseis”, ressaltou.

Já as ONGs ambientalistas, que acompanham as negociações e exigem decisões efetivas contra as mudanças do clima, devem aumentar a pressão sobre os governantes nesta tarde, com a realização de uma Marcha Global pela Justiça Climática. 

“A carta traz muita decepção e mostra que a Opep está ativamente tentando acabar com as negociações do clima”, disse Peri Dias, representante da 350.org para a América Latina. “Ela mostra que a gente precisa evitar que os lobistas estejam nas conferências do clima e que a mobilização da sociedade é mais forte do que a mobilização dos lobistas”, apontou. 

Um novo rascunho da declaração final da COP28, de 27 páginas, foi publicado na sexta, com diversas opções sobre o que fazer com o petróleo, o gás e o carvão. “Abandonar” ou “reduzir” o uso dessas fontes de energia é o dilema mais polêmico para a declaração final, que os ministros devem apresentar na próxima terça-feira (12). Mas está também sobre a mesa a opção de o tema simplesmente não ser mencionado no documento. 

Brasil e a Opep+

Brasil tem atuado nas negociações em busca de um consenso sobre a saída dos fósseis – mas, ao mesmo tempo, anunciou a intenção de participar como membro observador da Opep+. A revelação ocorreu em plena COP28. 

“O Brasil não precisa entrar na Opep+. Aqui, ele precisa definir: ou quer ser um campeão climático, ou entrar no clube dos produtores e exportadores de petróleo – especialmente porque o país vai sediar a COP30 em Belém”, salientou Dias. 

Os países que compõem a associação petroleira são Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Venezuela, Líbia, Emirados Árabes Unidos, Argélia, Nigéria, Gabão, Angola, Guiné Equatorial, Congo, Rússia, México, Azerbaijão, Bahrein, Brunei, Cazaquistão, Malásia, Omã, Sudão e Sudão do Sul.

Os combustíveis fósseis exerceram um papel crucial no desenvolvimento dos países ricos, mas também na concentração de CO2 na atmosfera. Nas últimas décadas, também foram determinantes para o desenvolvimento de muitos países pobres e emergentes, com importantes reservas de hidrocarbonetos – razão pela qual vários deles também veem preocupação a eliminação dos fósseis com preocupação.

Com informações da AFP

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Redação

1 Comentário

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  1. Fico pensando nesses países ricos em petróleo que já tem o deserto por herança. O que será deles? O que será de seu povo e de suas cidades faraônicas construídas sob o sol inclemente quando o petróleo acabar? Não sei, parece-me que aqueles que vivem da exploração de coisas e pessoas deveriam ao menos ter a noção previdência.Pessoas que colhem onde não plantaram e juntam onde não semearam acreditam que sempre haverá o que e a quem explorarem. Os ricos de hoje, os ricos e poderosos de sempre o são porque se vêem mais privilegiados que os semelhantes. Não cultivam a solidariedade ou a misericórdia e acreditam que a terra e seus habitantes são sua propriedade por direito. Idéia curiosa, essa. Um dia desses acordarão e quando conferirem a sua herança a encontrarão “as is” – ou, no estado em que a deixaram.

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