Princípios da filosofia do direito, de Georg Wilhelm Friedrich Hegel

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Lista de Livros: Princípios da filosofia do direito – Georg Wilhelm Friedrich Hegel

Editora: Martins Fontes

ISBN: 978-85-3360-630-2

Tradução: Orlando Vitorino

Opinião: regular

Páginas: 370

     “Nenhuma arte, nenhuma ciência esta exposta a tão fundo grau de desprezo como quando qualquer um pode julgar dominá-la.”

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     “O que é racional é real e o que é real é racional.

     Esta é a convicção de toda consciência livre de preconceitos e dela parte a filosofia tanto ao considerar o universo espiritual como o universo natural. Quando a reflexão, o sentimento e em geral a consciência subjetiva de qualquer modo consideram o presente como vão, o ultrapassam e querem saber mais, caem no vazio e, porque só no presente têm realidade, eles mesmos são esse vazio.

     Quanto ao ponto de vista inverso, o daqueles para quem a Ideia só vale no sentido restrito de representação da opinião, a esses opõe a filosofia a visão mais verídica de que só a ideia, e nada mais, é real, e então do que se trata é de reconhecer na aparência do temporal e do transitório a substância que é imanente e o eterno que é presente.”

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     “O que há entre a razão como espírito consciente de si e a razão como realidade dada, o que separa a primeira da segunda e a impede de se realizar é o estar ela enleada na abstração sem que se liberte para atingir o conceito.

     Reconhecer a razão como rosa na cruz do sofrimento presente e contemplá-la com regozijo, eis a visão racional, medianeira e conciliadora com a realidade, o que procura a filosofia daqueles que sentiram alguma vez a necessidade interior de conceber e de conservar a liberdade subjetiva no que é substancial, de não a abandonar ao contingente e particular, de a situar no que é em si e para si.”

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     “Uma frase célebre ensina que meia filosofia afasta de Deus (é aquela metade que atribui ao saber uma aproximação da verdade), mas que a verdadeira filosofia conduz a Deus, e o mesmo acontece com o Estado. Assim também a razão não se contenta com uma aproximação, que não é nem quente nem fria e portanto tem de ser vomitada (Ap 3, 16). Tampouco se contenta com aquele frio desespero que, reconhecendo que neste mundo tudo esta mal, mais ou menos mal, acrescenta que nada pode haver de melhor, e conclui que o que é preciso é viver em paz com a realidade; ora, a paz que nasce do verdadeiro conhecimento é uma paz mais calorosa.

     Para dizermos algo mais sobre a pretensão de se ensinar como deve ser o mundo, acrescentaremos que a filosofia cega sempre muito tarde. Como pensamento do mundo, só aparece quando a realidade efetuou e completou o processo da sua formação. O que o conceito ensina mostra-o a história com a mesma necessidade: é na maturidade dos seres que o ideal se ergue em face do real, e depois de ter apreendido o mundo na sua substância reconstrói-o na forma de um império de ideias. Quando a filosofia chega com a sua luz crepuscular a um mundo já a anoitecer, é quando uma manifestação de vida esta prestes a findar. Não vem a filosofia para a rejuvenescer, mas apenas reconhecê-la. Quando as sombras da noite começaram a cair é que levanta voo o pássaro de Minerva.”

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     “Porque é precisamente o fundamento do racional, a filosofia é a inteligência do presente e do real.”

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     “Com efeito, em sua mais concreta significação, a forma é a razão como conhecimento conceitual e o conteúdo é a razão como essência substancial da realidade moral e também natural.”

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     “O Espírito é, de início, inteligência, e as determinações através das quais, pela representação, efetua o seu desenvolvimento desde o sentimento até o pensamento são as jornadas para alcançar produzir-se como Vontade, que, enquanto espírito prático em geral, é a verdade próxima da inteligência.”

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     “Toda consciência se concebe como um universal – como possibilidade de se abstrair de todo o conteúdo – e como um particular que tem um certo objeto, um certo conteúdo, um certo fim. No entanto, estes dois momentos são apenas abstrações; o que é concreto e verdadeiro (tudo o que é verdadeiro é concreto) são o universal que tem no particular o seu oposto, mas num particular que, graças à reflexão que em si mesmo faz, esta em concordância com o universal. A respectiva unidade é a individualidade, não na sua imediateidade como unidade (tal a individualidade na representação), mas como o seu próprio conceito.”

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     “A separação entre o ser em si e o ser para si que no finito se produz constitui, simultaneamente, a sua existência bruta e a sua aparência (como no exemplo que mais adiante encontraremos a propósito da vontade natural e do direito formal). Limitando-se à pura existência em si, o intelecto chama à liberdade uma faculdade pois, para aquela espécie de ser, ela apenas constitui efetivamente uma possibilidade. Ora, o intelecto considera esta determinação como absoluta e definitiva, encerra-a na relação ao que ela quer, à realidade em geral, como aplicação a uma matéria dada que não pertenceria à essência da mesma liberdade. Assim se limita o intelecto ao que há de abstrato na liberdade sem alcançar a sua ideia e a sua verdade.”

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     “A representação mais vulgar que se faz da liberdade é a do livre-arbítrio, meio-termo que a reflexão introduz entre a vontade simplesmente determinada pelos instintos naturais e a vontade livre em si e para si. Quando ouvimos dizer, de um modo absoluto, que a vontade consiste em poder fazer o que se queira, podemos considerar tal concepção como uma total falta de cultura do espírito, nela não se vê a mínima concepção do que sejam a vontade livre em si e para si, o direito, a moralidade, etc.

     A reflexão, generalidade e unidade formais da consciência de si, é a certeza abstrata que a vontade tem da sua liberdade, mas essa não é ainda a verdade pois ela ainda não se tem a si mesma como fim e como conteúdo e o aspecto subjetivo ainda é diferente do aspecto material. O conteúdo desta determinação ainda esta, por conseguinte, simplesmente limitado; longe de construir a vontade em sua verdade, o livre-arbítrio é antes a vontade enquanto contradição.

     A célebre querela que se travou na escola de Wolf para saber se a verdade era realmente livre ou se a crença na liberdade não passava de uma ilusão refere-se ao livre-arbítrio. À certeza desta determinação abstrata de si com razão opôs o determinismo o conteúdo dela que, sendo dado, não esta implícito nesta certeza e lhe vem, portanto, de fora. Tal fora é, sem dúvida, instinto, representação, e em geral pertence à consciência de um modo qualquer, mas sempre tal que o conteúdo dela não resulta da atividade de autodeterminação. Se, portanto, só há de interior ao livre-arbítrio o elemento formal da livre determinação e se o outro elemento é para ele um dado, pode bem ser dito que o livre-arbítrio, que pretende ser a liberdade, não passa de uma ilusão.

     Em toda a filosofia da reflexão (desde a de Kant à de Fries, que é a degradação daquela), a liberdade é essa atividade autônoma formal.

     A contradição implícita no livre-arbítrio manifesta-se na dialética dos instintos e das tendências: destroem-se eles reciprocamente, a satisfação de um arrasta a subordinação e o sacrifício de outro, etc.; e como o instinto não tem outra direção que não seja o seu próprio determinismo, e não possui em si mesmo um moderador, a determinação que o sacrifica e subordina só pode ser a decisão contingente do livre-arbítrio, até quando este emprega um raciocínio para calcular qual o instinto que possa trazer maior satisfação ou se coloque em qualquer outro ponto de vista.”

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     “O princípio motor do conceito – enquanto não é simplesmente análise mas também produção das particularidades do universal – é o que eu chamo dialética. Não se trata de uma dialética que dissolve, confunde, perturba um princípio ou um objeto apresentado ao sentimento ou à consciência imediata e apenas cuida em deduzir um contrário; em suma, não se trata de uma dialética negativa como quase sempre se encontra, até em Platão. Poderá ela considerar como seu último fim o atingir o contrário de uma representação, que lhe aparece quer como sua contradição num ceticismo concludente, quer, de maneira mais amável, como aproximação da verdade, meio-termo muito moderno.

     A dialética superior do conceito consiste em produzir a determinação, não como um puro limite e um contrário, mas tirando dela, e concebendo-o, o conteúdo positivo e o resultado; só assim a dialética é desenvolvimento e progresso imanente. Tal dialética não é, portanto, a ação extrínseca de um intelecto subjetivo, mas sim a alma própria de um conteúdo de pensamento de onde organicamente crescem os ramos e os frutos. Enquanto objetivo, o pensamento apenas assiste ao desenvolvimento da ideia como atividade própria da sua razão e nenhum complemento lhe acrescenta da sua parte. Considerar algo racionalmente não é vir trazer ao objeto uma razão e com isso transformá-lo, mas sim considerar que o objeto é para si mesmo racional. Assim é o espírito em sua liberdade, a mais alta afirmação da razão consciente de si, que a si mesma se dá a realidade e se produz como mundo existente. A ciência apenas se limita a trazer à consciência este trabalho que é próprio da razão da coisa.”

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     “O imperativo do direito é portanto: sê uma pessoa e respeita os outros como pessoas.”

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     “Ao contrário do homem, não pode o animal mutilar-se ou suicidar-se.”

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     “Sabe-se que Beccaria contestou o direito de o Estado aplicar a pena de morte com o pretexto de que não pode presumir-se que o contrato social contenha o consentimento dos indivíduos em serem mortos, antes devendo admitir-se o contrário. Ora, o Estado, de um modo geral, não é um contrato, e a sua essência substancial não é exclusivamente a proteção e a segurança da vida e da propriedade dos indivíduos isolados. É antes a realidade superior e reivindica até tal vida e tal propriedade, exige que elas lhe sejam sacrificadas.”

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     “Na vaidade de todas as determinações exteriormente válidas e na pura interioridade da vontade, a consciência de si é a possibilidade de aceitar por princípio tanto o universal em si e para si como o livre-arbítrio individual, o que constitui o predomínio do particular sobre o universal e a realização dele na prática. É por conseguinte a possibilidade de ser má.”

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     “O Estado é a realidade em ato da Ideia moral objetiva, o espírito como vontade substancial revelada, clara para si mesma, que se conhece e se pensa, e realiza o que sabe e porque sabe.

     No costume tem o Estado a sua existência imediata, na consciência de si, no saber e na atividade do indivíduo, tem a sua existência mediata, enquanto o indivíduo obtém a sua liberdade substancial ligando-se ao Estado como à sua essência, como ao fim e ao produto da sua atividade.

     O Estado, como realidade em ato da vontade substancial, realidade que esta adquire na consciência particular de si universalizada, é o racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim próprio absoluto, imóvel, nele a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever.”

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     “Dá-se muitas vezes o nome de patriotismo à disposição para sacrifícios e atos extraordinários, mas o que ele é essencialmente é a disposição de consciência que, nas situações e circunstâncias habituais, leva a considerar a vida coletiva como a base substancial e o fim. Esta consciência que perdura no decorrer da vida e em todas as situações é que é, depois, a base da disposição para esforços extraordinários. Como, porém, há muitos homens que são mais facilmente corajosos do que justos, facilmente se persuadem eles de que possuem esse patriotismo extraordinário para com isso se autorizarem a dispensar-se aquela verdadeira disposição da alma ou para se desculparem de não possuí-la.”

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     “A propósito da eleição por grande número de indivíduos, pode observar-se que, nos grandes Estados, necessariamente se dará a indiferença pelo sufrágio, que terá um aspecto insignificante para a massa e, embora se apresente o direito de voto como algo de muito elevado, os eleitores não comparecerão ao escrutínio. Tal instituição é assim contrária aos fins a que visa e a eleição cai nas mãos das minorias, dos partidos, portanto de um interesse particular contingente que é, precisamente, o que devia ser neutralizado.”

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     “Uma significação superior tem pois a guerra: a de que é ela que assegura a “saúde moral dos povos em sua indiferença perante a fixação das especificações finitas e, tal como os ventos protegem o mar contra a estagnação em que os mergulharia uma indefinida tranquilidade, assim uma paz eterna faria estagnar os povos”.”

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     “A coragem é uma virtude formal para si. É, efetivamente, o ato supremo em que a liberdade se abstrai de todos os seus fins, de todas as suas propriedades, todas as alegrias e toda a vida.

     O valor da coragem como disposição psicológica encontra-se na finalidade absoluta.

     Esta forma da coragem contém as contradições supremas em toda a sua agudeza: abnegação de si mas como existência da liberdade, a mais alta autonomia da consciência do ser para si, cuja existência esta ao mesmo tempo comprometida no mecanismo de uma ordem exterior e do serviço (militar), obediência total e renúncia à opinião própria e ao raciocínio, numa palavra, ausência de sentido próprio e presença intensa e instantânea do espírito e da decisão, o mais hostil comportamento contra os indivíduos ao lado de sentimentos completamente indiferentes e até benfazejos para com eles como indivíduos.”

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     “Enquanto Estado, o povo é o Espírito em sua racionalidade substancial e em sua realidade imediata. É pois o poder absoluto sobre a terra.”

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     “Nas relações entre si, os Estados comportam-se como particulares. Têm elas, por conseguinte, aquilo que há de mais mutável na particularidade, nas paixões, interesses, finalidades, talentos, virtudes, violências, injustiças e vícios, mas elevado à mais alta potência que possa assumir. Trata-se de um jogo em que o próprio organismo moral, a independência do Estado estão expostos ao acaso. Os princípios do espírito de cada povo ficam essencialmente limitados à causa da particularidade em que possuem a sua objetiva realidade e a consciência de si enquanto indivíduos existentes. Por isso os seus destinos, os seus atos nas recíprocas relações constituem a manifestação fenomênica da dialética destes espíritos enquanto finitos. É em tal dialética que se produz o espírito universal, o espírito do mundo enquanto ilimitado, e é ele que exerce, ao mesmo tempo, sobre esses espíritos o seu direito (que é o direito supremo) na história do mundo como tribunal do mundo.”

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     “Não se pense, porém, que a história universal é o simples juízo da força, quer dizer, da necessidade abstrata e irracional de um destino cego; antes, sendo em si e para si razão, e como o seu ser para si é no espírito um saber, a história é, de acordo com o conceito da sua liberdade, o desenvolvimento necessário dos momentos da razão, da consciência de si e da liberdade do espírito, a interpretação e a realização do espírito universal.”

Redação

2 Comentários

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  1. tradução errada e desastrosa.

    A frase o ‘que é racional é real e o que é real é racional’ é um erro de tradução desastroso. A frase correta é ‘o que é racional é efetivo e o que é efetivo é racional’. O erro é desastroso porque existe uma diferença conceitual entre real e efetivo em Hegel. NA Introdução da terceira edição da “Enciclopédia das ciencias filosóficas’ Hegel esclarece a frase. O real é tudo que existe e no que existe há contingencias, coisas  e eventos não necessários, que não tem nenhuma razão ou seguem uma lei, e por isso não são racionais nos termos de Hegel. O efetivo não se refere ao que é contingente e nem a tudo que existe (o real nos termos de Hegel), mas o que tem efetividade, o que ocorre segundo uma lei e que tem efeitos duradouros e não meramente passageiros ou nenhum efetio. O erro de tradução é absolutamente desastroso para uma correta interpretação de Hegel pois levaria a conclusão de que tudo que existe é racional e assim justificaria o conformismo, o status quo – uma critica a qual ele rebate na Introdução da Enciclopédia  com o argumento de que nem tudo que existe está de acordo com a razão e uma interpretação que se perpetua por causa de um erro crasso de tradução.

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