Prisão, por LG Razz

O juiz proferiu sua sentença. O tribunal inteiro escutou o barulho do martelo. Dizem que a justiça é divina (comédia). Pena: perpétua. Nesse instante você quis, com todas suas forças, que a pena fosse de morte. O choro toma conta de seus familiares logo atrás de você. E é caminhando pelo corredor de celas que você se sente o ser humano mais injustiçado da face da terra.

Primeiro não te jogam na sua cela propriamente dita. Ainda não. Você encarou um brutamontes-gorila na fila de revistamento logo na entrada daquele distrito penitenciário. Ele na hora quis conpactuar com você, fazer de você a putinha dele. O que há a se fazer? Ceder? Não. Você se recusa a tolerar isso. Então o ignora. Indignado, ele parte para cima de você. Tudo que você faz é se defender. Mas os carcereiros ligam se há uma parte certa? Nunca. Eles só querem saber de ordem na casa.

E que belo jeito de ser recebido! A primeira semana você passa na solitária. Uma parede à frente, uma trás, uma à direita, outra à esquerda. Um teto e um chão. A solitária é um cubo onde encarceram animais. Você é o animal. Você está segregado. Há um buraco ali no meio. Deve ser onde se mija e caga. O odor é forte, um que nunca fora sentido antes. É pútrido. Se essa prisão tem 100 anos de vida então o cheiro dessa solitária carrega consigo todo esse tempo – sem ter sido limpa sequer uma vez. Pão e água. É tudo que servem. Seus dentes começam a criar crostas que você jamais sentira. Logo você vê o quão distante está de dar um sorriso Colgate novamente. Coceiras tomam conta do seu corpo. Há uma tênua luz vinda da porta, uma escotilha que piora ainda mais a sensação de confinamento.

Definhamento. Você se sente num submarino que desatracou da baia para sempre, num mergulho eterno em terra inóspita, onde a chave de saída se encontra em lugar algum.

Apodrecimento. Sua mente traz à luz vozes. Seriam suas? Uma é selvagem. Outra é chorosa. Há inúmeras. Porém apenas uma é sã. Você se agarra a esta. Tenta não soltar dela – o máximo que pode.

Muitos pensamentos ribombeiam, te acometem, te assaltam a fé. Muitos deles basicamente te dizem que o mundo é sim um lugar fodido.

Você cogita rezar. Apenas cogita. Mas se sentiria uma alma penada ardendo em meio a labaredas remotas, longe de qualquer anjo da guarda. Sabe que não seria ouvido. Rezar não ajudaria, é isso que você sente.

Você. Você e seu corpo aprisionados. E sua mente. Não tem como correr disso, não há outra solução senão engolir a seco cada segundo, minuto, hora, dia, semana que se passará. Você se sente a prova viva mais azarada do velho adágio: o que é bom dura pouco, enquanto o que é ruim… oras, dura uma eternidade – meia. Nossos infernos são para sempre; nossos céus são efêmeros.

Tempo. Você nunca teve tanto tempo para pensar. Em primeiro momento a insanidade se instala em você. A pergunta constante é o que fazer. O que fazer. O que fazer. O que fazer. Martela incessantemente. Suicídio. É, você bem que poderia bater sua cabeça contra a parede até seu crânio estourar. Homicídio. Você bem que poderia planejar matar alguém assim que saísse – aí sim eles veriam o que é assassinato em primeiro grau. E só pela graça da coisa, você alegaria legítima-defesa. Quem sabe dessa vez eles acreditariam em você?

Da primeira vez em que te apontaram uma arma não houve muita conversa. Que se danem as suas crianças no banco traseiro. Ih, sua mulher no banco de carona? Tampouco ligamos pra ela. Você matou um homem, cara. Reagiu a um assalto, a um homem encapuzado vítima da sociedade. Perpétua pra você. Então é bom ser um bom menino, abrir bem as pernas e aceitar de bom grado os anos que você vai perder longe da sua família e do que chamam de mundo civilizado.

Te soltam da solitária. A sensação é de ser um prisioneiro recém saído do calabouço de um navio pirata. Seu corpo inteiro pede por uma refeição reforçada. Proteína, por favor, ronca seu estômago. Passar mais de uma semana trancafiado, inóspito, mexe com a cabeça de qualquer homem. Seu contento é avistar guardas e prisioneiros. Gente como você. Você é Gente. “Gente, como você”, diz um viado que você viria a encontrar no chuveiro. Então num lampejo você entende porque rola tanto sexo entre os detentos. Mais estupros do que sexo talvez? Ainda não sabe. Mas está pra saber.

Caminhando novamente por corredores ladeados por unidades habitacionais de criminosos, você percebe que os quartos hospedam duas pessoas. Agora você torce para terem te escolhido uma cela com um bom veterano. Um cara que te adote e ensine as políticas de prisão. Te ponha por dentro do estado atual das gangues, te tutele. Ao invés disso sua parceiro de cumprimento de pena é um senhorzinho praticamente cego. Ele não será de grande ajuda. Pelo menos não te alisará à noite. Ou irá?

Os dias se arrastam. Você começa a contá-los. Isso enquanto seus entes ainda o visitam. Depois do terceiro ano, um advogado é o último a te visitar com papéis de divórcio para serem assinados. O brilho do mundo exterior se perde. A contagem dos dias cessa. Não há ninguém lá fora te esperando. Não mais.

A vida inteira você soubera possuir alguma maldita marca, algo que fizesse o mundo invisível te perseguir e te por para baixo. Uma conspiração contra sua pessoa. Bom, se ainda havia uma sombra de dúvida, ela se foi.

Num certo dia, quente como num Saara, a visão por detrás de grades te dá a definição perfeita do que é ficar recluso. Os guardas são os diabos, o fogo que te queima é o tempo que tique-taqueia, a comida insossa é o que não te permite morrer. Se as autoridades são Zeus, você é Prometeu. Eles te querem vivo, o sofrimento deve durar, que se alastre pela eternidade que parece sua realidade. Cadeias são os Hades da terra que comem seu fígado hoje. E amanhã. E depois de amanhã…

Não há para onde correr, nunca houve desde que te enjaularam nesse lugar. Os livros viraram seus melhores amigos. Te fizeram pensar, mergulhar em introspecção para se indagar: quem sou eu? E quanto mais você lia, mais absorta sua mente conseguia ficar do fato de seu físico estar algemado àquele lugar. A pena deveria ser a privação de liberdade. Mas… E se você escolher ficar ali? A finalidade da pena se perde. Logo, não conseguem te atingir. É, eles querem te quebrar, te destroçar, te fazer pirar vendo os anos passarem enquanto a senilidade arranha seus ossos fazendo a sinfonia de morte. Como se seu corpo inteiro fosse um violino e a composição a ser tocada é eles quem escolhem.

Não. “Eu tocarei minha própria canção. Eu escolherei a minha própria entonação.”

Quatro paredes podem te quebrar – ou te fortalecer. Isso cabe a você decidir.

Pois a prisão está aqui, em nossas mentes, em nossa percepção do que é real.

Se eu estivesse mentindo, como seriam explicados os monges tibetanos? Astronautas que optaram por orbitar para sempre longe de vida terrena. Ex-detentos que avacalham suas condicionais de propósito, só para voltar ao mundo ao qual estão adestrados. Prisão é o que individualmente entendemos por anulação de direitos e prerrogativas, não necessariamente o que o mundo nos dita. O fato é que a maioria engole o que o mundo impõe, como uma babá mal paga impõe uma colherada generosa na boca de um bebê sem fome.

Hoje, mais firme de mim mesmo, continuo aqui dentro cumprindo meu tempo. Tenho me mantido longe de problemas. De gangues, de brigas, drogas (sim, elas entram de todas maneiras criativas-inventivas possíveis), conflitos em geral. Se é porque almejo pegar uma condicional? Não. Quero o que me faz bem.

Sei de muitos homens que vivem soltos. Raios, a população mundial não é feita no seu grosso de detentos, mas sim de homens livres. Livres. Eles se dizem livres. Conheço muitos que estão mais “presos” do que eu. O vício faz isso com um homem: o desmonta e o faz viver em detrimento de uma garrafa e de uma bituca.

Afinal, o que mata mais? 100 anos sóbrios numa cadeia ou 50 regados a álcool e cigarro do lado de fora?

Me adaptei a essa dimensão penitenciária. Agora ela faz parte de mim. Me portei bem, passei a ser imparcial em atritos entre alas carcerárias. Lucrei muito disso. A moeda paga a mim foi a de paz de espírito. Porém, não serei hipócrita: preferia estar solto.

Minha fiança está em R$1.000.000,00. Alguém aí disposto a pagar pela minha soltura?

Entrei lixo nessa ostra, sairei pérola dela. Vivo ou morto, eu sairei.
Dizem que de Alcatraz só se sai morto. Quem sabe eu quebre tabu e escape vivo?

Redação

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