Punk Visual Art contra o Fascismo, por Alexandre Camargo de Sant’Ana

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Nem mesmo o PUNK – forjado nos becos imundos do Queens e afiado no CBGB para questionar o sistema e cuspir na cara da sociedade – nasceu livre do reacionarismo

Punk Visual Art contra o Fascismo

por Alexandre Camargo de Sant’Ana

Nestes terríveis tempos de reacionarismo e obscurantismo em nosso já calejado país, algo ficou muito claro: curtir um estilo musical radical não significa ser um contestador do sistema. Vimos isso quando Roger Waters lançou um #Ele Não no telão em seu show e recebeu vaias e críticas de uma parcela do público pagante – surpreendentemente indignados porque um dos roqueiros mais ativistas e antifascistas do planeta estaria misturando música com política[1]. Podemos até tratar as absurdas reclamações com ironia, afirmando que os fãs se revoltaram porque nunca entenderam as letras do Pink Floyd e pagaram R$400,00 sem conhecer o produto[2]. Porém, o conservadorismo não se resume aos ouvintes e não são poucos os roqueiros famosos apoiando discursos extremistas e agindo como perfeitos reacionários. Apesar de parecer estranho – afinal, a imagem comercial do Rock é diretamente atrelada à rebeldia –, este conservadorismo existe desde o começo: Elvis Presley era apoiador de Nixon e de sua guerra contras as drogas; Neil Young foi cabo eleitoral de Reagan; a banda Megadeth, além de apoiadora de Geoge W. Bush, já chamou a ONU de terrorista e concorda com a invasão norte-americana no Oriente Médio[3]. No Brasil então, o que mais tem é roqueiro conservador, alguns até alinhados a discursos fascistas de extrema-direita. Por mais que os terraplanistas digam que o Rock leva ao sexo regado a drogas e depois ao aborto em nome de satã, o estilo por si só não é nem ao menos rebelde, quem dirá coisa do diabo.

Nem mesmo o PUNK – forjado nos becos imundos do Queens e afiado no CBGB para questionar o sistema e cuspir na cara da sociedade – nasceu livre do reacionarismo: Johnny Ramone era republicano e abertamente conservador, defendia a invasão dos USA no Iraque e admirava Ronald Reagan e George W. Bush[4]. Se até a banda mãe do PUNK – onde tudo começou – possuía um conservador em sua formação, como exigir radicalismo e contestação daqueles que vieram depois? Ainda mais no Brasil! Para os mais radicais (ou pelo menos para quem vincula música PUNK com protesto e contestação), deve ser frustrante descobrir que apenas um integrante dos Garotos Podres é de esquerda, enquanto os outros são religiosos conservadores defensores da Polícia Militar e apoiadores de políticos de extrema-direita[5]; ou ver o vocalista da Olho Seco usar argumentos religiosos para relativizar o ataque com coquetéis molotov à produtora do Porta dos Fundos[6], fazendo coro ao discurso antidemocrático tão em moda atualmente; ou então, testemunhar a lendária Dead Kennedys se acovardar e até cancelar sua turnê no Brasil por conta da repercussão de um cartaz criticando o presidente[7]. Voltando aos brasileiros, ainda vimos um vocalista renegar todo o legado PUNK da Turma da Colina de Brasília e ovacionar um juiz antes de cantar “Que País é Este?”[8] – se eu acreditasse nestas coisas, diria que Renato Russo virou no túmulo.

Por mais deprimente que possa ser observar um ídolo se entregar ao sistema opressor, no outro lado da corda sempre permanece uma resistência. No caso do vexame do DK, além da contundente crítica do ex-vocalista da banda, Jello Biafra[9], vários grupos nacionais reagiram e utilizaram a arte crítica de Cristiano Suarez em seus próprios cartazes, dando uma aula de radicalismo[10]. Seguindo a mesma linha – uma imagem vale mais do que mil palavras – a banda feminista russa, Pussy Riot, colocou em seu cartaz de divulgação do evento em São Paulo, o rosto do presidente composto por lixo químico, agrotóxicos, armas e poluição[11]. E por falar em cartazes críticos e o medo que eles causam em indivíduos autoritários, temos o lamentável caso do governo perseguindo um festival PUNK porque estariam ofendendo a honra de um presidente que não respeita ninguém, que em plena campanha prometia fuzilar a petralhada[12] e que admira um dos mais sanguinários torturadores da Ditadura Militar[13].

Mas, para cada ataque dos conservadores, surge uma nova reação. Em apoio ao festival “Facada Fest”, perseguido pela censura terraplanista, a banda Garotos Podres – agora sem a ala reacionária – lançou seu próprio cartaz criticando o governo e mostrando que o caminho da resistência é a união. Como Mao, fundador, compositor e vocalista da banda, afirmou em uma entrevista: “Cada vez mais o espírito contestador do Punk Rock se faz necessário para enfrentar a barbárie que se abate sobre os trabalhadores brasileiros. Que a música dê ritmo às ideias, e que contra a opressão, se incendeiem a chamas da revolta!”[14]. Enquanto disputava na Justiça o uso do nome Garotos Podres, Mao criou O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos, lançando, entre outras músicas, a bela “Avante Camarada”[15], um verdadeiro PUNK de protesto.

Avante camarada, avante

Junta a tua à nossa voz

Avante camarada, avante camarada

E o sol brilhará para todos nós[16]

[1] https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2018/10/10/em-2-show-no-brasil-roger-waters-censura-nome-de-bolsonaro.htm

[2] https://www.pragmatismopolitico.com.br/2018/10/fas-de-bolsonaro-letras-pink-floyd.html

[3] https://whiplash.net/materias/curiosidades/064627-megadeth.html

[4] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2803200310.htm

[5] https://whiplash.net/materias/news_764/288210-garotospodres.html

[6] https://combaterock.blogosfera.uol.com.br/2019/12/28/vocalista-punk-do-olho-seco-tenta-esclarecer-suposto-apoio-ao-terrorismo/

[7] https://rollingstone.uol.com.br/noticia/dead-kennedys-cancela-turne-no-brasil-apos-polemica-com-poster/

[8] http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/06/sergio-moro-e-ovacionado-por-plateia-durante-show-da-banda-capital-inicial.html

[9] https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2019/05/14/ex-dead-kennedys-jello-biafra-critica-a-banda-por-cancelar-turne-no-brasil.htm

[10] http://www.tenhomaisdiscosqueamigos.com/2019/04/23/poster-dead-kennedys-meme-bandas/

[11] https://www.cartacapital.com.br/cultura/grupo-punk-pussy-riot-afronta-bolsonaro-em-cartaz-de-show/

[12] https://exame.abril.com.br/brasil/vamos-fuzilar-a-petralhada-diz-bolsonaro-em-campanha-no-acre/

[13] https://revistacult.uol.com.br/home/bolsonaro-ustra-e-a-naturalizacao-da-barbarie/

[14] http://www.alquimiarockclub.com.br/entrevistas/6590/

[15] https://www.youtube.com/watch?v=SmUb14DxV14

[16] https://www.letras.mus.br/satanico-dr-mao-e-os-espioes-secretos/avante-camarada/

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. Neil Young?

    Que merda, Neil!

    Mas dá um desconto, Lourdes, pois a velhice torna muitos rebeldes em reacionários.

    Além disso, há homens que lutam um dia e são bons
    Há aqueles que lutam um ano e são muito bons
    Há aqueles que lutam durante um bom tempo e são melhores
    Mas há aqueles que lutam a vida inteira.
    Esses são os imprescindíveis

    (Brecht)

    Viva o Roger Waters, nada obstante o muro de Berlim

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