Resistir à uberização do mundo

Le Monde Diplomatique

 

WALL STREET E VALE DO SILÍCIO JUNTOS
 

Ao transformar donos de veículos em choferes eventuais sem nenhuma proteção, o Uber não desperta apenas a fúria de taxistas: seu nome simboliza cada vez mais a ligação entre novas tecnologias e precarização. O sucesso de gigantes do Vale do Silício acompanha uma onda de desregulamentações

por Evgeny Morozov

 

Há quase dez anos somos reféns de dois acontecimentos transformadores. O primeiro é a existência de Wall Street; o segundo, do Vale do Silício. Um e outro se completam maravilhosamente no papel do policial bom e do mau: Wall Street prega a penúria e a austeridade; o Vale do Silício exalta a abundância e a inovação.

Primeiro acontecimento transformador: a crise financeira mundial, que culminou no salvamento do sistema bancário, deixou o Estado social em ruínas. Os serviços públicos que sobreviveram aos cortes orçamentários tiveram de aumentar suas tarifas ou se viram obrigados a experimentar novas táticas de sobrevivência. Algumas instituições culturais precisaram então, por falta de alternativa, apelar para a generosidade dos particulares, recorrendo ao financiamento participativo: já que as subvenções públicas desapareceram, elas não tinham outra escolha, entre o populismo de mercado e a morte.

O segundo acontecimento transformador, ao contrário, é muito evidente. No caso, quando se trata de digitalizar e conectar tudo à internet – fenômeno perfeitamente normal, se acreditarmos nos investidores capitalistas –, as instituições devem escolher entre a inovação ou a morte. O Vale do Silício garante que a magia da tecnologia vai naturalmente se infiltrar no menor recanto de nossa vida. Se acreditamos nisso, nos opormos à inovação seria o mesmo que renunciar aos ideais do Iluminismo: os dirigentes do Google e do Facebook, Larry Page e Mark Zuckerberg, seriam os Diderots e Voltaires de nosso tempo.

No entanto, aconteceu algo esquisito: nós passamos a acreditar que o segundo acontecimento não tinha nada a ver com o primeiro. Assim, pudemos observar o aumento dos cursos a distância on-line (os Mooc: Massive Open Online Courses) sem evocar as reduções orçamentárias que, ao mesmo tempo, atingiam as universidades. Não, a febre dos Mooc seria apenas a consequência natural da inovação promovida pelo Vale do Silício… Os hackers, que se tornaram empreendedores, decidiram “balançar” a universidade, como antes tinham feito na música e no jornalismo. Do mesmo modo, agimos como se não houvesse nenhuma relação entre, por um lado, a multiplicação dos aplicativos concebidos para acompanhar nosso estado de saúde e, por outro, os problemas que uma população cada vez mais velha, que já sofre com a obesidade e outras doenças, acarreta para um sistema de saúde fragilizado. Os exemplos são abundantes e mostram que o relato exaltante da transformação tecnológica eclipsou aquele, bem mais deprimente, da transformação política e econômica.

É preciso ressaltar que esses dois fenômenos estão entrelaçados e que o pano de fundo do evangelho da inovação não é mais reluzente. Ilustração em Barcelona: como muitas das instituições culturais espanholas, um clube de stand-up, o Teatreneu, sofria com uma diminuição da frequência desde que o governo, procurando desesperadamente cobrir suas necessidades de financiamento, tinha decidido aumentar a taxa sobre a venda dos ingressos de 8% para 21%. Os administradores do Teatreneu encontraram então uma solução engenhosa: fazendo uma parceria com a agência de publicidade Cyranos McCann, eles equiparam a parte de trás de cada poltrona com um tablet de última geração capaz de analisar as expressões faciais. Com esse novo modelo, os espectadores podem entrar “gratuitamente”, mas devem pagar 30 centavos a cada risada reconhecida pelo tablet – a tarifa mínima é fixada em 24 euros (ou seja, 80 risadas) por espetáculo. De súbito, a média do ingresso subiu 6 euros. Um aplicativo de celular facilita o pagamento. Em outras palavras, você pode compartilhar com seus amigos suas próprias selfies gargalhando.

Do ponto de vista do Vale do Silício, temos aí um perfeito exemplo de boa “transformação”: a proliferação de captadores inteligentes conectados à internet cria novos modelos de empresas e novas fontes de renda. Em outras palavras, ela gera diversos empregos para os intermediários, fabricantes de material e inventores de aplicativos. Nunca foi tão simples comprar serviços e produtos: nossos smartphones se encarregam disso por nós. Logo, nossas carteiras de identidade poderão fazer a mesma coisa: a MasterCard já fechou um acordo com o governo nigeriano para lançar um RG que também funciona como cartão de crédito.

 

PROBLEMAS NÃO COLOCADOS

Para o Vale do Silício, nada além de renovação tecnológica. Trata-se de “transformar” o dinheiro líquido. Ainda que essa explicação possa satisfazer, ou até mesmo atrair, empreendedores e investidores, por que todo mundo deveria aceitá-la sem discussão? É preciso ser totalmente cego pelo amor à inovação – a verdadeira religião dos nossos tempos – para não ver seu verdadeiro preço: o fato de que, ao menos em Barcelona, a arte se tornou mais cara. O ambiente tecnocêntrico, dissimulando a existência da transformação financeira, oculta a natureza e as razões das transformações em curso. Ficamos felizes em poder comprar mais, mais facilmente. Mas não devemos nos preocupar com o fato de que, graças a essa infraestrutura, também é infinitamente mais fácil debitar em nossa conta bancária?

Sem dúvida há muito dinheiro para ganhar ao “transformar” as moedas. Seria isso realmente desejável? O dinheiro líquido, que não deixa rastros, representa uma barreira significativa entre o cliente e o mercado. A maioria das transações efetuadas com a moeda em papel é singular, no sentido de que elas não se ligam entre si. Quando pagamos com o telefone celular, produzimos um rastro que os publicitários e outras empresas podem explorar.

Não é por acaso que uma companhia publicitária está na origem da experiência de Barcelona: a gravação de cada transação é um bom meio de recuperar os dados que servirão para personalizar as publicidades. Isso significa que nenhuma de nossas transações eletrônicas realmente termina: os dados que elas geram permitem não apenas seguir nossos rastros, mas também estabelecer uma ligação entre atividades que talvez preferíssemos que permanecessem separadas. De repente, seu momento de gargalhadas em um clube de stand-up se aproxima dos livros que você comprou, dos sites que você frequentou, das viagens que você fez, das calorias que você consumiu. Em suma, com as novas tecnologias, todos os seus atos e gestos se integram em um perfil único, monetizável e otimizável.

Ainda que essa transformação passe pela tecnologia, suas origens se encontram em outro lugar. Favorecida pelas crises políticas e econômicas, ela terá uma profunda incidência sobre nosso modo de vida e nossas relações sociais. Parece difícil preservar valores como a solidariedade em um ambiente tecnológico fundado nas experiências personalizadas, individuais e únicas. O Vale do Silício não mente: nossa vida cotidiana se encontra muito bem transformada; mas por forças bem mais desonestas do que a digitalização e a conectividade. O fetiche da inovação não deve servir de pretexto para nos fazer pagar os custos das recentes turbulências econômicas e políticas.

Foi o que entenderam os motoristas de táxi diante do crescimento acelerado do Uber, uma empresa que propõe a particulares que procuram um complemento de renda transformar seu carro em táxi, colocando estes em contato com clientes. Sufocados, os profissionais protestaram. Como as autoridades de regulamentação, da Índia à França, atacaram o Uber, a empresa californiana se lançou em uma operação de sedução. Seus chefes, conhecidos como virulentos e surdos às críticas, clamam agora, em alto e bom som, que é preciso regulamentar o setor. Eles parecem também ter entendido por que sua empresa é um alvo fácil: suas práticas são simplesmente ignóbeis demais. No início deste ano, sob o fogo alimentado pelas críticas, o Uber teve de renunciar a fazer os clientes pagarem tarifas exorbitantes quando a demanda aumentava em horários de pico. Mas isso não foi tudo. Em um golpe publicitário genial, a empresa também propôs a um de seus mais ferozes adversários, a prefeitura de Boston, acesso ao tesouro que constituem os dados (anônimos) relativos aos itinerários, para ajudá-la a limitar os engarrafamentos e melhorar a organização urbana. Claro que foi mera coincidência o estado de Massachusetts, onde se encontra Boston, recentemente reconhecer as plataformas de partilha de táxis como um meio de transporte legal, eliminando com isso um dos principais obstáculos do Uber…

Este se inscreve na continuidade das start-ups mais modestas que tornam seus dados acessíveis aos urbanistas e às municipalidades, e ficam felizes em afirmar que com essas informações o planejamento urbano se tornará mais empírico, participativo e inovador. Em 2014, a Secretaria de Transportes Públicos do Oregon fechou um acordo com a Strava (aplicativo para smartphone muito popular que acompanha os movimentos de corredores e ciclistas) e pagou uma grande soma para ter acesso aos dados que diziam respeito aos itinerários empregados pelos ciclistas usuários do aplicativo, com o objetivo de melhorar as ciclovias e conceber trajetos alternativos.

O fato de que o Uber apareça como uma reserva de dados indispensáveis aos urbanistas está completamente de acordo com a ideologia solucionista do Vale do Silício, que consiste em resolver na urgência pelo caminho digital problemas que não são colocados, não nesses termos. Como as empresas de tecnologia monopolizaram um dos mais preciosos recursos atuais, os dados, elas passaram à frente das municipalidades, tão desprovidas de dinheiro quanto de imaginação, e podem posar de salvadoras benevolentes dos gentis burocratas que povoam as administrações.

O problema é que as cidades que se aliam ao Uber correm o risco de desenvolver uma dependência excessiva de seus fluxos de dados. Por que aceitar que a empresa se torne o único intermediário nessa matéria? Em vez de deixá-la aspirar à totalidade das informações relativas aos deslocamentos, as cidades deveriam procurar obter esses dados por si próprias. Em seguida, elas poderiam autorizar as empresas a utilizá-los para introduzir seu serviço. Se o Uber se mostra eficiente, é porque controla a fonte de produção dos dados: nossos telefones lhe dizem tudo o que precisa saber para planejar um itinerário. Mas, se as cidades tomassem o controle desses dados, a empresa, que não possui quase nenhum ativo, não atingiria os US$ 40 bilhões de seu valor atual. Podemos duvidar que seja tão custoso conceber um algoritmo capaz de relacionar oferta e demanda… Sem dúvida, sob a pressão das companhias de táxi, cidades como Nova York e Chicago parecem enfim ter compreendido que era preciso reagir: tanto uma como a outra tentam lançar um aplicativo centralizado, capaz de enviar táxis tradicionais com a eficiência do Uber. Além de impedir a dominação deste, o programa impedirá que os dados relativos aos itinerários se tornem uma mercadoria cara – a qual as cidades devem comprar.

O verdadeiro desafio, porém, consiste em saber como fazer funcionar esses aplicativos com outros meios de transporte. A visão do Uber agora aparece claramente: você lança o aplicativo no seu telefone e um carro vem te buscar. Dizer que isso não traduz uma imaginação transbordante seria muito abaixo da realidade. Essa abordagem funciona nos Estados Unidos, onde ninguém mais anda a pé e os transportes públicos são, na maior parte do tempo, inexistentes. Mas por que esse modelo deveria ser utilizado no resto do mundo? Não é porque caminhar não traz dinheiro para o Uber que deve ser excluído como meio de transporte. A crítica do solucionismo se aplica aqui perfeitamente: não apenas este dá uma definição muito estreita dos problemas sociais, mas geralmente o faz em termos que beneficiam antes de tudo os que conceberam a “solução”.

 

QUEM POSSUI OS DADOS CONTROLA O TRANSPORTE

Imagine que o aplicativo desenvolvido por seu município pudesse informar todas as possibilidades de transporte das quais você dispõe (excluindo o Uber): você poderia usar a bicicleta que te espera na esquina, subir em um micro-ônibus cujo itinerário seria adaptado ao seu destino e ao dos outros passageiros, depois andar o resto do trajeto para saborear os charmes da feira de rua do bairro. Algumas cidades já lançaram projetos desse tipo. Helsinki, em colaboração com a start-up Ajelo, criou o Kutsuplus, intrigante cruzamento do Uber com um sistema de transporte público tradicional. Os passageiros pedem uma van em seu telefone, e o aplicativo calcula o melhor meio de conduzir todo mundo ao destino, com base em dados em tempo real. Ele também dá uma estimativa do tempo de trajeto, tanto com o Kutsuplus quanto com outros modos de transporte.

O sucesso de projetos como esse depende de diversos fatores. Em primeiro lugar, os municípios não devem considerar o Uber o único meio de melhorar a eficiência dos transportes públicos e ainda menos de reduzir os engarrafamentos (e podemos ter certeza de que nunca os dados que ele fornece indicarão que é preciso menos táxis e mais ciclovias ou calçadas de pedestres). Em seguida, os combates relativos aos serviços públicos serão vencidos pelos que possuem os dados e pelos captadores que os produzem. Deixando tudo isso na mão do Uber – ou pior, na mão das empresas de tecnologia gigantes que procuram monopolizar uma parte do suculento mercado das “cidades inteligentes” –, nos privamos das experimentações que permitirão às coletividades organizar seus transportes como bem entenderem.

A parceria entre o Uber e a cidade de Boston levanta, entre outras, uma questão política: podemos autorizar o Uber a “possuir” os dados de seus clientes, para que utilize como um trunfo em suas negociações com os municípios ou para que queira simplesmente vendê-los a quem oferecer mais? O Uber, sem realmente ter levantado a questão a quem quer que fosse, respondeu afirmativamente. Como Google e Facebook tinham feito antes.

A realidade tem, no entanto, mais nuances, principalmente porque os captadores integrados nas infraestruturas públicas podem facilmente reproduzir esses dados. Imagine o que seria capaz de fazer uma rede que combinasse os leitores automáticos de placas de carro, das estradas e dos faróis de sinalização inteligentes: ela poderia identificar e seguir veículos Uber exatamente como fazem os smartphones de seus condutores e passageiros. Não se trata de pregar o aumento da vigilância, mas simplesmente de ressaltar que o Uber se pretende proprietário de dados que não lhe pertencem.

Não é porque ele vem da Califórnia, região conhecida pela péssima qualidade de seus transportes públicos, que devemos acreditar que os veículos individuais motorizados são o futuro dos transportes. É infelizmente o que poderia acontecer por causa da diminuição dos investimentos em infraestruturas públicas. Mas, desse modo, a solução seria restabelecê-los e, para isso, combater as políticas de cortes orçamentários.

 

Evgeny Morozov

Evgeny Morozov é autor de To save everything, click here. Technology, solutionism, and the urge to fix problems that don’t exist [Para salvar tudo, clique aqui. Tecnologia, solucionismo e a pulsão de consertar problemas que não existem], Allen Lane, Londres, 2013.

Ilustração: Bernardo França

 

http://www.diplomatique.org.br/acervo_online.php?pagina=2&mes=12&ano=2014

 

Redação

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    ​Como o Uber lucra nas corridas mesmo quando seus motoristas não ganham nada

    Motherboard

     

     

    ESCRITO POR JAY CASSANO

     

    11 February 2016 // 06:06 PM CET

    “Se estou fazendo algo útil para a empresa, eu deveria ser pago por esse tempo”, diz o motorista americano Mark enquanto dirige seu carro pela ponte do Brooklyn, em Nova York, nos Estados Unidos. “Essa é a definição de trabalho, certo?”

    Essa teoria parece bastante simples quando falamos sobre trabalhos convencionais ao redor do mundo. O número de horas costuma ser, na ampla maioria dos casos, o que determina o valor salarial de um empregado. Ao tratarmos dos serviços economia digital, porém, a proposta de ser pago pelo tempo no batente é bem mais complicada.

    Mark sabe bem o que é gerar valor para uma empresa. Numa cidade onde motoristas de Uber e táxi costumam ser imigrantes recém-chegados, ele é uma anomalia: um ex-bancário de Wall Street que foi demitido na recessão e viu no Uber uma oportunidade de trabalho em meio-período. (Mark e outros motoristas da companhia com quem conversei para esta reportagem, presencialmente ou online, me pediram para não usar seus nomes verdadeiros por medo de represálias do Uber ou de outros empregadores.)

    A utilidade que Mark se refere são os dados que gera para o Uber – não durante a corrida, e sim quando ele está à espera de um chamado e não ganha dinheiro nenhum. Motoristas de Uber dão a esse tempo sem corridas o nome de “quilometragem morta”. É quando eles passam o tempo circulando pelas ruas no aguardo do próximo pedido ou dirigem de uma área pouco movimentada para uma área mais movimentada.

    Embora essa quilometragem morta não seja paga, os dados que Mark gera durante o período são muito valiosos para o Uber. Pesquisas conduzidas no ano passado por meu colega Alex Rosenblat, no Data & Society Research Institute, e Luke Stark, na New York University, mostram como o Uber coleta dados dos motoristas mesmo no período em que não são pagos.

    “Os motoristas do Uber continuam a gerar dados úteis para a empresa mesmo quando não estão numa corrida paga porque eles mandam à plataforma central dados que podem ajudar a compreender melhor os padrões do tráfego”, escrevem. “Esses dados são usados por algoritmos que analisam a oferta e a procura.”

    Esse conjunto de dados alimenta os algoritmos que a empresa usa para entender os padrões de tráfego e a segurança dos motoristas, entre outras tarefas, como estimar – e manipular – a oferta e a procura por meio da tarifa dinâmica e de outras técnicas, incluindo o que algumas pessoas descreveram como “carros fantasmas”. Os dados que os motoristas produzem também têm grande valor para os negócios. Eles ajudam o Uber a desenvolver novas parcerias com municípios e outras empresas e, claro, a manter sua competitividade.

    “Eles não só controlam todos os aspectos do dia de trabalho de um motorista, como também lucram o dia inteiro com a coleta de dados”

    Numa época em que mais gente reconhece que os dados são essenciais na administração de uma empresa de tecnologia, alguns motoristas e defensores dos direitos trabalhistas têm considerado a quilometragem morta dos motoristas como um trabalho invisível. Eles questionam se a coleta de dados feita pelo Uber não é um novo tipo de roubo de salário.

    “O Uber é a coisa mais próxima de um empregador que vimos nesse mercado”, diz Bhairavi Desai, fundador da New York Taxi Workers Alliance, uma espécie de sindicato dos taxistas locais. “Eles não só controlam todos os aspectos do dia de trabalho de um motorista, como também lucram o dia inteiro com a coleta de dados, e não apenas a ‘venda de um produto’.”

    Ao contrário do Facebook e do Google, que coletam os dados de seus usuários e oferecem serviços gratuitos em troca, passageiros e motoristas podem ser vistos como clientes e empregados mais tradicionais, que pagam e recebem um valor em dinheiro por um serviço. Motoristas pagam uma quantia considerável para poder aceitar corridas, uma taxa de 20 a 30 porcento para o Uber. Mas, assim como os usuários do Uber, os motoristas também estão gerando um valor invisível fora dessas transações.

    “O Uber vê seus motoristas da mesma forma como vê carros, estradas, passageiros ou qualquer outra coisa: como uma fonte potencial de valor a ser extraído”, disse Douglas Rushkoff, professor de teoria da mídia e economia digital no Queens College. “Perguntar se os motoristas deveriam ser compensados pelos dados que criam quando estão ‘fora de serviço’ certamente é uma questão válida.”

    O Uber não é o único serviço de transporte sob demanda que coleta dados sobre seus colaboradores na “quilometragem morta”: o Lyft também coleta dados de seus motoristas inclusive quando não estão numa corrida. Mas as questões a respeito da coleta de dados de motoristas pelo Uber coincidem com uma crescente polêmica sobre a natureza do trabalho em sua plataforma: à medida que observadores se preocupam com o tamanho da companhia e suas vantagens competitivas sobre seus rivais, ela também se tornou um foco de processos judiciais de trabalhadores na chamada “economia do compartilhamento” ou, se preferir, “sob demanda”.

    Em meio a falhas de privacidade e segurança, motoristas também têm reclamado que o Uber não fez o suficiente para proteger os dados que coletam sobre eles. E o mais sinistro, como alguns motoristas de Uber notaram, é que os dados que eles geram podem ser usados para torná-los obsoletos em algum momento. O CEO do Uber, Travis Kalanick, já deixou claro que o futuro da empresa é substituir os motoristas por uma frota de carros robotizados.

    QUILOMETRAGEM MORTA – MAS COM RIQUEZA DE DADOS

    Em fóruns online para motoristas do Uber, há muitos tópicos sobre como minimizar a quilometragem morta. De acordo com cerca de duas dúzias de motoristas que entrevistei em Nova York e outras partes do país, a quilometragem morta equivale a algo entre um terço e metade do tempo em que eles estão trabalhando. “Trabalhar” aqui significa estar no carro, com o aplicativo do Uber aberto. Para alguns motoristas, como Arjun, um imigrante indiano que dirige para o Uber de 10 a 12 horas todos os dias da semana, a quilometragem morta pode ocupar a maioria de seu dia de trabalho.

    “Se eu estou dirigindo 12 horas por dia, talvez eu passe umas 7 horas sem um passageiro”, diz ele. As 12 horas não incluem a viagem de Nova York para Nova Jersey.

    Para outros motoristas, a quilometragem morta pode ser tão baixa como 10% de seu tempo. Mas só se eles trabalham de forma seletiva, nas horas da semana em que a demanda é mais alta: horas do rush e noites de fim de semana. Em geral, motoristas que usam o Uber como uma fonte de renda adicional (por exemplo, estudantes ou aposentados) são mais seletivos em relação a quando dirigem e têm uma quilometragem morta menor. Mas motoristas que dependem do Uber para pagar todo seu custo de vida tendem a trabalhar mais horas, passam mais tempo rodando sem passageiro entre corridas, num ciclo de rendimentos decrescentes. Há até quem questione se os motoristas do Uber ganham o salário mínimo se o cálculo levar em conta o combustível, o seguro e a desvalorização do carro. (Na segunda-feira da semana passada, centenas de motoristas se reuniram em frente ao escritório da empresa em Nova York para protestar contra a recente redução de tarifas na cidade.)

    Os motoristas têm medo de que os dados recolhidos durante a quilometragem morta resulte numa quilometragem morta ainda maior.

    O Uber se recusou a compartilhar com o Motherboard os dados sobre quilometragem morta, mas disse que está dedicando seus recursos a reduzi-la para os motoristas.

    “Quando os motoristas se conectam ao Uber, eles querem passar a maior quantidade de tempo possível ganhando dinheiro e transportando passageiros”, disse um porta-voz do Uber ao Motherboard. “Estamos constantemente buscando maneiras de usar a tecnologia para reduzir o tempo entre corridas. Por exemplo, recentemente criamos uma opção que permite que os motoristas aceitem uma nova corrida antes mesmo de terminar a corrida anterior.”

    Uma maneira simples para que o Uber e o Lyft reduzissem o tempo entre corridas,segundo alguns motoristas, seria limitar o número de carros na rua em mercados saturados. O Uber recusou explicitamente a ideia de criar esses limites. A companhia alegou que restringir o número de Ubers teria um impacto na criação de empregos no local.

    “A coleta de dados, especialmente na quilometragem morta, também explica por que o Uber se opõe de maneira tão feroz à ideia de limitar o número de veículos”, diz Desai, do sindicato de taxistas, referindo-se a um projeto fracassado proposto à prefeitura no ano passado. “Além de não se importar com o fato de que motoristas estão queimando combustível num carro vazio, eles ainda estão se beneficiando disso.”

    O fato de que o Uber coleta dados dos motoristas e pode lucrar com isso não seria um problema se eles fossem considerados empregados, em vez de “trabalhadores autônomos” ou freelancers. Além de ter benefícios e algumas proteções legais, como funcionários, os motoristas de Uber ganhariam um salário por hora. O tempo de quilometragem mora seria compensado, então. Mas a empresa tem feito um enorme esforço para impedir que seus motoristas sejam legalmente classificados como funcionários. Na Califórnia, onde está sua sede, a empresa é alvo de uma ação judicial coletiva que pede que os motoristas sejam reclassificados como empregados.

    Motoristas de Uber num protesto em Nova York na semana passada contra a decisão da empresa de baixar os preços. Crédito: Evan Rodgers/ Motherboard

    O principal argumento do Uber para classificar motoristas como trabalhadores autônomos se baseia na ideia de que é uma empresa de tecnologia concentrada em “corridas compartilhadas”, e não uma empresa de táxi. A equipe de advogados do Uber desenvolveu essa identidade pela primeira vez num documento apresentado à Comissão de Utilidade Pública da Califórnia, em 2012: “O Uber é uma empresa de tecnologia que licencia o aplicativo Uber para prestadores de serviços de transporte. Os prestadores de serviço pagam uma taxa ao Uber para usar sua tecnologia de software; o passageiro do serviço de transporte paga o prestador de serviço pelos serviços de transporte recebidos.” Como Kalanick, do Uber, explica, “o Uber é uma plataforma tecnológica que conecta passageiros e motoristas.”

    Essa frase inócua tem enormes consequências para a maneira como o Uber é regulado. Ela significa que os motoristas do Uber são considerados trabalhadores autônomos que usam a plataforma Uber para conduzir seus negócios. E significa que o Uber não tem que obedecer a regulamentações que de outra forma se aplicariam a uma empresa de táxi.

    Essa auto-definição – uma empresa de tecnologia – também sugere o valor dos dados para o Uber: seu produto não são as corridas em si, mas o software que é criado a partir de dados de passageiros e motoristas. Em sua página de “trabalhe conosco”esta semana, o Uber lista dezenas de vagas abertas em seu “Centro Avançado de Tecnologia” e busca outras dezenas de engenheiros e cientistas para sua equipe de ciência de dados.

    O VALOR INTERNO DOS DADOS

    O Uber tem várias formas de extrair valor dos dados obtidos de motoristas e passageiros. A mais próxima de seu produto principal é o algoritmo de rotas do Uber, que identifica padrões no trânsito para encontrar a forma mais eficiente para um veículo e determinar o tempo estimado de chegada do motorista. Relacionados a ele estão os algoritmos que decidem que motorista receberá o pedido, sabendo onde os outros motoristas estão agora e onde os futuros passageiros provavelmente estarão. Abastecido com uma quantidade suficiente de dados, o algoritmo de rotas pode fazer previsões básicas sobre o trânsito, como saber que estradas são melhores em cada momento do dia.

    “Se o Uber vai ser fiel a seu modelo e dizer ‘somos uma empresa tecnologia’, então seu modelo de negócios tem que refletir isso”, diz Spencer, um ex-motorista de Uber que desistiu quando a empresa baixou as tarifas em seu mercado local há pouco menos de um ano. Ele agora estuda para se tornar um cientista de dados. “E se eles continuarem a coletar informações sobre como os motoristas se movimentam enquanto não têm passageiro, então quaisquer dados que a empresa receber de um trabalhador autônomo deveria ser recompensado.”

    “Os dados são questão de vida ou morte para o Uber. Sua habilidade para aumentar os lucros depende disso.”

    Spencer costumava dirigir para o Uber nas noites e madrugadas de fim de semana, quando ele podia ganhar uma boa quantidade de dinheiro rapidamente e sem muito tempo morto – bêbados de vinte e poucos anos são um filé mignon para um motorista de Uber. Mas com a redução da tarifa, ele decidiu que já não valia a pena para ele. “Eu me dei conta que basicamente especulando no mercado em meu carro em troca dinheiro”, diz ele. Sua rara combinação de conhecimento de empresas de ciência de dados e experiência como motorista de Uber dá a ele uma visão privilegiada das atividades da empresa.

    “Os dados são questão de vida ou morte para o Uber”, diz ele. “Sua missão e a sustentabilidade de seu negócio depende completamente da qualidade de seus dados. Quanto mais dados eles coletam, mais informações terão sobre padrões e comportamentos. Sua habilidade de aumentar os lucros depende totalmente disso.”

    Quanto mais dados os algoritmos têm para trabalhar, maior a sua precisão. Esses algoritmos são essenciais para o negócio do Uber e ajudam a assegurar sua vantagem competitiva no mercado contra rivais como o Lyft e o Sidecar, sendo que este último teve de abandonar parcialmente o negócio, segundo seu co-fundador,por causa da pressão do Uber.

    TARIFA DINÂMICA E COMPARTILHAMENTO DE DADOS

    Os dados de motoristas também ajudam o Uber a determinar a tarifa dinâmica, uma função que tem recebido muitas críticas tanto de passageiros como de motoristas. Embora a empresa afirme que a tarifa dinâmica seja apenas um reflexo da oferta e da procura, pesquisas feitas por alguns de meus colegas no Data & Society sugerem que a tarifa não é clara: o Uber cria uma ilusão de mercado que esconde a maneira como seus algoritmos manipulam a oferta e a procura. Alguns motoristas entendem isso intuitivamente.

    “Há vezes em que eu estou a caminho de uma área onde a tarifa é mais cara e a tarifa simplesmente volta ao normal”, diz Mark, enquanto me leva à parte baixa de Manhattan onde ele costumava trabalhar. “Eu tenho a impressão de que eles só dizem isso para que você vá para lá, na esperança de pegar uma corrida.”

    Sabendo onde os motoristas estão e onde são requisitados, o Uber pode usar a tarifa dinâmica para incentivar motoristas a ir para essas zonas de alta demanda , o que em teoria reduz o tempo de espera para os passageiros e a quilometragem morta para os motoristas. Mas isso pode causar a chegada de um número de carros maior que o necessário, o que aumenta mais ainda a quilometragem morta para os motoristas. Em vez de reduzir a quilometragem morta, os motoristas receiam que a tarifa dinâmica a esteja aumentando.

    Motoristas de Uber experientes dizem não acreditar que ir a zonas de tarifa elevada valha a pena. “Já estive em áreas em que a tarifa dinâmica estava ativada e simplesmente fiquei lá sem pegar nenhum passageiro”, diz Mark.

    Outros motoristas dizem que sentem que a tarifa dinâmica os explora e os deixa confusos. Em fóruns de mensagens, a frustração com a tarifa dinâmica até levou à criação de um mantra que os veteranos tentam ensinar aos motoristas novatos: “Não siga a alta demanda.”

    “A tarifa dinâmica não faz sentido para mim”, diz Arjun. “Às vezes vejo um aumento de tarifa, mas não me pagam o preço mais alto.” Uma explicação: motoristas podem atender a pedidos do Uber para ir a áreas de alta demanda, mas em seguida receber pedidos de passageiros próximos que estejam fora de zonas de alta demanda, ou em zonas com a tarifa mais baixa.

    Em sua pesquisa, Rosenblat e Stark também identificaram um fenômeno chamadopor alguns de “carros fantasmas”, em que o aplicativo representa erroneamente a localização de carros em seu mapa para os usuários. (O Uber nega que seu aplicativo faça isso.)

    Rosenblat e Stark dizem que fenômenos como esse são motivos de maior preocupação. “O sistema de emprego flexível do Uber, mediado digitalmente e algoritmicamente, cria novas formas de vigilância e controle na experiência de uso do sistema”, escrevem eles, “o que resulta em assimetrias de informação e de poder para os trabalhadores”.

    Dados dos smartphones dos motoristas também podem ser uma peça valiosa no esforço do Uber para manter sua influência sobre motoristas e sua posição dominante no mercado de transporte compartilhado. Sabendo a localização do motorista o tempo todo, mesmo que o motorista não esteja transportando um passageiro ou usando o aplicativo, o Uber pode tirar conclusões sobre o comportamento do motorista, permitindo que ele perceba, por exemplo, se um motorista está trabalhando para um serviço concorrente.

    “Eu tenho receio de que o Uber esteja monitorando a atividade de minhas corridas no Lyft e possa usar isso para me discriminar quando for a hora de distribuir os pedidos dos usuários”, diz Brendon, que trabalha tanto para o Uber quanto para o Lyft. “Eu não quero que o Uber – ou o Lyft, diga-se de passagem – saiba para que outras atividades estou usando meu carro, seja para um outro serviço de transporte, seja para o uso pessoal.”

    Há duas semanas o Uber anunciou que está em andamento um programa piloto que monitora dados de GPS e do sensor de movimento nos celulares de motoristas para captar sinais de direção perigosa e verificar reclamações de clientes.

    “Se um passageiro reclama que o motorista acelerou demais ou freou muito rápido, podemos revisar essa corrida usando os dados”, escreveu Joe Sullivan, executivo-chefe de segurança do Uber, num post. “Se o feedback for verdadeiro, então podemos entrar em contato com o motorista. Se não for, podemos usar a informação para assegurar que a nota do motorista não seja afetada.”

    Os dados fizeram mais do que melhorar o produto principal do Uber: a empresa também os usou para estabelecer parcerias lucrativas e, por meio de liberações seletivas, construir relacionamentos com reguladores em novos mercados.

    No ano passado, em meio a um esforço por regulamentações mais rigorosas para as operações do Uber em Boston, a empresa prometeu dividir com a administração da cidade seus relatórios trimestrais de dados sobre corridas, o que a ajudou a assegurar sua permissão para operar numa área metropolitana com mais de quatro milhões e meio de potenciais clientes. O Uber também ofereceu parte de seus dados de corridas na cidade de Nova York, onde estava enfrentando críticas por seu impacto no trânsito, e fez uma oferta geral para compartilhar seus dados com qualquer administração municipal. Dados como esses podem ajudar planejadores a melhorar o planejamento da cidade e reduzir o tráfico; a time.com imaginou “como o Uber poderia ajudar a acabar com os engarrafamentos.”

    Fora essas situações, a empresa mantém sigilo sobre seus dados, mesmo quando há suspeitas sobre como os usa e quão bem os protege. Em 2014, surgiram relatos de que funcionários estavam usando uma função chamada “God Mode” para rastrear usuários individuais. No ano passado, depois que a empresa mudou suas regras de privacidade para coletar mais dados, inclusive quando os clientes não estavam usando o aplicativo, o Centro de Informação sobre a Privacidade Eletrônica alertou que as mudanças eram injustas, enganosas e implicavam um “risco direto” de danos ao consumidor.

    Falhas de segurança também levaram a questionamentos sobre a maneira como o Uber armazena suas montanhas de informações pessoais. Um erro no ano passado expôs os dados pessoais de centenas de motoristas, e em 2014 um lapso revelou os nomes e números de placas de 50 mil motoristas. Em janeiro, o Estado de Nova York ordenou que a companhia pagasse US$ 20,000 num acordo por demorar demais para avisar aos motoristas sobre a maior dessas falhas. A empresa respondeu recrutando mais engenheiros talentosos, para reforçar um time que inclui Sullivan, ex-chefe de segurança do Facebook, e os notórios hackers de carros Charlie Miller e Chris Valasek.

    Crédito: Marco Valtas/ Flickr

    QUAL É O VALOR DA CRIAÇÃO DE DADOS PARA OS MOTORISTAS?

    Embora a maioria dos motoristas com quem conversei acreditasse que eles mereciam ser recompensados pelos dados que geram, nem todos pensavam assim. Quando expliquei as maneiras como o Uber usa os dados que coleta mesmo quando está entre corridas, Marwan, que imigrou do Yemen há 25 anos, apenas deu de ombros. “O cara que inventou o Uber é muito esperto, não é?”

    Alguns motoristas também não viam a distinção entre a coleta de dados feita pelo Uber e a que acontece todos os dias na internet.

    “Se formos investigar o fato de que eles estão potencialmente aprendendo com os caminhos que tomamos – tanto os consumidores como os motoristas – temos que investigar toda essa indústria propriamente dita”

    “Praticamente tudo o que fazemos hoje é monitorado por alguma entidade para fins de coleta de dados, então não sei se o Uber deveria ser escolhido como o único que vai pagar por isso”, diz Brendon.

    Como usuários de serviços online grátis, produzidos dados valiosos o tempo todo: o Facebook e o Google são dois dos exemplos mais óbvios. Se você não está pagando pelo produto, como diz o ditado, então você é o produto.

    Gilda Lotan, chefe de ciência de dados na Betaworks, vê o uso de dados pelo Uber como algo semelhante ao que fazem a Netflix ou a Amazon, que oferecem serviços pagos e ao mesmo tempo aprendem com os dados que coletam.

    “Deveríamos tratar os motoristas de maneira diferente?” ele pergunta. “Se formos investigar o fato de que eles estão potencialmente aprendendo com os caminhos que tomamos – tanto os consumidores como os motoristas – temos que investigar toda essa indústria propriamente dita: Google, Facebook, Amazon, Netflix, e muitas outras empresas que estão construindo serviços com base nos dados que coletam.”

    A coleta de dados pelo Uber tem um objetivo final, e os motoristas não fazem parte dele. No futuro, um dos serviços que o Uber pretende oferecer é o de carros sem motorista. Kalancik, o CEO, explicitou essa meta. “Quando não há um outro cara no carro, o custo de tomar um Uber se torna mais barato que o de ter um carro”, disse ele numa conferência em 2014. Em maio, o Uber contratou a maior parte do departamento de robótica da universidade Carnegie Mellon para trabalhar no desenvolvimento de veículos autônomos para a empresa. Kalanick não se sente nem um pouco nauseado pelo fato de que seu esquadrão de motoristas acabará sendo substituído por carros autônomos, afirmando que somente diria a eles que “é assim que o mundo funciona e nem sempre o mundo é legal”.

    Para ter uma frota de táxis autônomos otimizados – e competir com potenciais concorrentes como o Google – o Uber precisa de uma quantidade enorme de dados. Ele precisa saber as melhores rotas disponíveis o tempo todo, todas as vezes, em todas as condições possíveis. Ao produzir esses dados, os motoristas do Uber podem estar criando as condições que levarão a sua extinção. “As pessoas que confiam no Uber como sua fonte primária de renda acabarão se tornando obsoletas por causa dos carros autônomos”, diz Spencer.

    Até que isso ocorra, os motoristas continuarão a gerar dados valiosos para o Uber, mesmo quando não estão ganhando dinheiro. Esse tipo de coleta de dados se tornou crítico para os negócios de virtualmente todas as empresas de tecnologia, algo tão essencial para seu crescimento como os anúncios que vendem e as corridas que agenciam. As experiências dos motoristas do Uber tornam esse relacionamento com os dados mais físico, e talvez mais complicado: os dados não se materializam do nada – são gerados por pessoas que simplesmente estão dirigindo por aí, tentando ganhar a vida.

     

    Jay é jornalista do Data & Society Research Institute. 

    Tradução: Danilo Venticinque

     

    http://motherboard.vice.com/pt_br/read/como-o-uber-lucra-quando-seus-motoristas-no-ganham-nada

     

     

  2. *

    GM e Lyft levam táxis autônomos para as ruas

     

    do Wall Street Journal

    Nos testes, os clientes terão a oportunidade de optar por ter ou não um motorista quando chamar um carro da Lyft através do aplicativo móvel da empresa. PHOTO: ASSOCIATED PRESS

     

    Por GAUTHAM NAGESHSexta-Feira, 6 de Maio de 2016 00:05 EDT

    General Motors Co. e a “startup” americana de carona paga Lyft Inc. começarão a testar, dentro de um ano, uma frota de táxis elétricos autodirigíveis nas ruas de várias cidades americanas. A medida é essencial para a intenção das duas empresas de desafiar os gigantes do Vale do Silício na batalha para redesenhar a indústria automobilística.

    O plano está sendo elaborado poucos meses depois de a GM ter investido US$ 500 milhões na Lyft, rival da Uber Technologies Inc. O programa dependerá de tecnologias a serem adquiridas como parte da planejada compra da Cruise Automation Inc. pela GM, por US$ 1 bilhão. A Cruise vem trabalhando em tecnologia de carros autodirigíveis por cerca de dois anos.

    O programa de testes ainda está sendo elaborado, segundo um executivo da Lyft, mas ele incluirá clientes reais e será realizado em uma cidade ainda não divulgada. Os clientes terão a oportunidade de optar por ter ou não um motorista quando chamar um carro da Lyft através do aplicativo móvel da empresa.

    Além dos carros que dispensam motoristas, a montadora americana também pretende usar a Lyft e seu crescente exército de motoristas como os principais clientes do Bolt, o carro elétrico que ela vai lançar no fim do ano, num momento em que a demanda por esse tipo de veículo ainda não decolou. A GM e a Lyft atualmente alugam o modelo Chevy Equinox a motoristas que precisam de veículos em Chicago, mas esse programa irá se expandir para outras cidades e depender basicamente dos Bolts no futuro, em vez de utilitários esportivos.

    Como a bateria do Bolt fica embaixo do piso do carro, sobra mais espaço na frente do veículo e os passageiros do banco traseiro também ficam com mais espaço para as pernas. Os executivos da GM têm promovido o carro como ideal para motoristas que precisam de espaço e baixo custo operacional.

    A iniciativa da GM é uma resposta aos projetos do setor de tecnologia para tomar o lugar das montadoras convencionais no futuro. As fabricantes globais estão sendo desafiadas por projetos desenvolvidos no Vale do Silício, como os carros elétricos da Tesla MotorsInc., o programa de carro autônomo do Google do Alphabet Inc. e o negócio de compartilhamento de caronas do Uber.

    A nova iniciativa é uma resposta mais direta à Alphabet e à Uber. O programa de carro autônomo do Google conquistou uma liderança expressiva sobre as montadoras convencionais, pois já realizou testes na Califórnia e outros estados americanos. Nesta semana, ele recebeu o impulso adicional de um acordo de fornecimento de minivans assinado com a Fiat Chrysler Automobiles NV. A Uber, muito maior que a Lyft, tem seu próprio centro de pesquisa de carros autônomos, em Pittsburgh, e está se preparando para inserir esses carros em sua frota até 2020.

    Executivos da Lyft e da Uber já disseram que um dos principais obstáculos ao sucesso de suas empresas é ter que se adequar ao emaranhado de regulações que controlam o uso de veículos autônomos e suas responsabilidades. Em uma tentativa de reduzir as preocupações dos reguladores, a Lyft vai começar o programa com carros autônomos que levarão motoristas prontos para assumir o controle em caso de necessidade — mas a expectativa é que o motorista se torne obsoleto.

    “Queremos examinar a tecnologia autônoma da Cruise, GM e a nossa e lançá-la lentamente nos mercados”, diz Taggart Matthiesen, diretor de produtos da Lyft, em uma entrevista ao The Wall Street Journal. Isso vai “garantir que as cidades tenham um entendimento completo do que estamos tentando fazer aqui”.

    A Lyft tem um protótipo de aplicativo para celulares que dará ao usuário a opção de solicitar um carro autônomo. Ele terá opções extras, como entrar em contato por telefone com um assistente OnStar, da GM, para fazer perguntas ou solicitar ajuda se algum problema ocorrer. O aplicativo também permite que os passageiros digam ao carro quando “partir” e quando a corrida terminou e o carro pode ir embora.

    O aplicativo é apenas um protótipo nesse momento, mas já mostra como a empresa está tentando resolver a questão da confiança nos veículos autônomos. Matthiesen diz que sua empresa também está tentando elaborar o programa que disponibilizaria os Chevy Bolts para os motoristas da Lyft, muitos dos quais não têm condições de obter veículos aceitáveis para trabalhar como motoristas de táxi.

    “A verdadeira pergunta é: ‘Os veículos são da GM ou da Lyft?’” No centro de operações de Chicago, a GM é dona dos veículos e as concessionárias fazem a manutenção deles.

    Embora a Tesla tenha gerado demanda por veículos elétricos caros e possua uma lista de espera longa para um carro concebido para concorrer com o Bolt em 2017, outras montadoras não tiveram o mesmo sucesso, especialmente com o preço da gasolina barato. Os veículos elétricos e elétricos-híbridos representam menos de 2% dos automóveis vendidos, segundo a firma de pesquisa Edmunds.com, e as vendas de carros puramente elétricos, como o Leaf, da Nissan Motor Co., têm sido geralmente modestas.

     

    http://br.wsj.com/articles/SB10060563623462803542704582048770816593972?tesla=y

  3. *

    Uber obrigada a reconhecer trabalhadores

     

    Tribunal de Londres obriga multinacional a reconhecer os trabalhadores como empregados e não trabalhadores independentes; passa a ter de lhes pagar salário e férias. 

    29 de Outubro, 2016 – 14:47h Motorista de um carroMotorista, foto de César Gutiérrez/Flickr.

    Os motoristas da aplicação informática Uber ganharam um processo no tribunal de Londres, que reconheceu que os motoristas não eram trabalhadores independentes, mas sim empregados da multinacional, que tem de lhes pagar um salário acima do salário mínimo nacional e férias.

    A empresa tem 40 mil condutores no Reino Unido, pelo que a decisão pode ter importantes repercussões, e pode mesmo vir a obrigar outras empresas da chamada “economia de partilha” a mudar a forma de contratação de trabalhadores. A Uber já anunciou que irá recorrer da decisão.

    Nigel Mackay, um dos advogados que representaram os motoristas, afirmou ao diário britânico The Guardian “estamos muito felizes que o tribunal tenha concordado com os nossos argumentos de que os motoristas têm direito aos mais básicos direitos dos trabalhadores, incluindo receber o salário mínimo nacional e férias pagas, direitos que lhes eram previamente negados”.

    “Esta foi uma decisão pioneira. Terá impacto não só nos milhares de trabalhadores da Uber do país, mas em todos os trabalhadores da chamada economia de partilha, cujos trabalhadores são erradamente classificados como auto-empregados e são-lhes negados direitos que lhes são devidos”, concluiu Mackay.

    Maria Ludkin, do sindicato GMB, que representou os trabalhadores, afirmou, citada pela BBC, “este caso foi a primeira verdadeira avaliação legal sobre se os empregos da economia de partilha realmente representam um novo paradigma de liberdade e auto-emprego, ou se, de facto, são simplesmente a utilização de nova tecnologia para negar aos trabalhadores direitos laborais normais e o direito ao salário mínimo nacional”.

     

    http://www.esquerda.net/artigo/uber-obrigada-reconhecer-trabalhadores/45181

     

     

  4. Motoristas de Uber fazem paralisação mundial contra política de tarifas do aplicativo

    Empresa criada em 2009 nos EUA vai abrir capital no mercado de ações em meio a críticas sobre precarização
    Juca Guimarães

    Brasil de Fato | São Paulo (SP), 8 de Maio de 2019 às 14:18

    Motoristas brasileiros criticam a dinâmica de divisão dos lucros e regras do aplicativo – Créditos: Reprodução
    Motoristas brasileiros criticam a dinâmica de divisão dos lucros e regras do aplicativo / Reprodução
    Os motoristas de Uber fazem um protesto mundial nesta quarta-feira (8) contra a política de tarifas da empresa estadunidense,responsável pelo aplicativo de transporte. A data coincide com a entrada da multinacional no mercado de ações, dez anos após sua criação. A expectativa da empresa é de se aproximar do resultado alcançado pelo Facebook, em 2012, quando movimentou US$ 16 bilhões na sua estreia nas bolsas de valores.

    O contraponto à expectativa de lucro recorde da empresa é a relação cada vez mais desigual com os motoristas “parceiros”, termo usado pelo aplicativo para desvincular relações de empregado e empregador.

    No Brasil, as reivindicações também giram em torno da segurança dos motoristas e da falta de transparência da empresa, que chegou ao país em julho de 2014.

    “Os motoristas trabalham cada vez mais horas ganhando cada vez menos. Em geral, eles trabalham para mais de um aplicativo. As reivindicações são em torno das remunerações, aumento do valor do quilômetro rodado e o aumento da taxa mínima, mas também sobre a relação com as plataformas. Por exemplo, o banimento sem direito de defesa, informações sobre o destino da viagem, redução do tempo de espera pelo passageiro e taxa extra para trabalho noturno”, explica o pesquisador Caetano Patta, doutorando em Ciências Políticas pela USP e que está estudando novas formas de engajamento político, como resultado da precarização das condições de vida e crise na democracia.

    Aplicativos desligados e carreatas

    Durante os protestos, os motoristas vão desligar os aplicativos e devem acontecer carreatas em algumas cidades brasileiras. Segundo a Uber, no Brasil, mais de 17 milhões de brasileiros usam o aplicativo. Cerca de 530 milhões de viagens foram realizadas entre julho de 2014 e setembro de 2017.

    “O número de motoristas aumentou. Eram 600 mil motoristas, sendo 150 mil só em São Paulo. Ainda que o número de passageiros tenha aumentado também, a competição pelas corridas aumentou. O custo da gasolina aumentou e o custo de vida aumentou muito. Nesse período, o desemprego também aumentou muito, então dirigir carro por meio de plataformas, com a Uber e a 99, passou a ser a atividade principal de remuneração e sustento de muitas famílias”, analisa Patta.

    Ao todo, cerca de 14 milhões trabalham para aplicativos no Brasil. De acordo com Caetano Patta, houve uma rápida lua-de-mel, quando os aplicativos eram apenas uma opção de complementação de renda. Entretanto, ainda segundo o cientista político, o crescimento do número de motoristas acompanhou o desemprego e o desenrolar da crise no Brasil. “Para o sujeito que está distribuindo currículo e fazendo cadastro em site de emprego, mas não acha nada, dirigir para aplicativo é quase que uma solução imediata para o problema. No entanto, ela coloca nas costas do trabalhador toda a responsabilidade do trabalho. É uma das faces do neoliberalismo”, argumenta.

    Patta destaca, ainda, o aspecto da individualização da responsabilidade pelo trabalho, uma característica neoliberal alavancada pelo uso dos aplicativos. “O cara é responsável por manter o carro em ordem, pelo seguro, pela manutenção e pela sua própria segurança. Ele também é responsável por corresponder às expectativas dos usuários”, agrega o cientista político.

    O diretor de políticas públicas da Uber, Daniel Mangabeira, participou de uma audiência pública no Congresso Federal, em 2017. Na ocasião, ele reafirmou que não existe relação de trabalho entre aplicativos e motoristas, mas sim de intermediação.

    “É um sistema intermediado, ou seja triangular, e já aí se percebe uma diferença muito marcante entre os sistemas tradicionais que são, em sua essência, bilaterais onde a contratação se dá entre o contratante e o prestador do serviço. Aqui há, necessariamente, uma intermediação alicerçada por tecnologia”, disse Mangabeira.

    O isolamento e a individualização dos motoristas de aplicativos cria um novo modelo de mobilização.

    Para fortalecer a união da categoria, as redes sociais, grupos de mensagens de celular e o Youtube foram as ferramentas encontradas. Há muitos youtubers que são motoristas e que compartilham sugestões, dicas, casos do cotidiano e experiências. Eles chamam a atenção dos usuários, da sociedade em geral e, principalmente das empresas, para as condições de vida dos motoristas. “Se continuar o aumento da gasolina e do preço dos alimentos, esses motoristas vão chegar num ponto de estrangulamento que vai impedir a realização do serviço que eles prestam”, asseverou Patta.

    O Brasil de Fato questionou a Uber sobre as reivindicações dos motoristas e sobre a paralisação prevista para esta quarta, porém, a empresa não respondeu até a publicação desta reportagem.

    Edição: Rodrigo Chagas

    https://www.brasildefato.com.br/2019/05/08/motoristas-de-uber-fazem-paralisacao-mundial-contra-politica-de-tarifas-do-aplicativo/

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