Rodrigo Janot defende punição de agentes que cometeram crimes durante ditadura

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Da Rede Brasil Atual

Novo procurador-geral defende punição de agentes da ditadura

Rodrigo Janot muda entendimento de Roberto Gurgel de que anistia protege todos os crimes cometidos pelo regime e afirma que é ‘hipocrisia’ se valer da lei para dar amparo a um sistema que a ignorou

por João Peres, da RBA publicado 08/10/2013 15:16, última modificação 08/10/2013 15:19

Janot dá sinais de que os dias de calmaria de agentes que cometeram crimes podem estar perto do fim

São Paulo – O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestou haver possibilidade jurídica de punir agentes do Estado que cometeram crimes durante a ditadura (1964-85). Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), Janot muda o entendimento do antecessor, Roberto Gurgel, para quem a questão estava enterrada desde que em 2010 a Corte se manifestou pela plena constitucionalidade da Lei de Anistia, aprovada pelo Congresso em 1979, ainda durante o regime.

“A imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade constitui norma jurídica imperativa, tanto de caráter consuetudinário quanto de caráter principiológico, do direito internacional dos direitos humanos”, defende Janot, que tomou posse no último dia 17 em Brasília e já marca uma diferença grande em relação ao antecessor. Em 2010, Gurgel encampou a visão do STF de que a anistia “resultou de um longo debate nacional para viabilizar a transição entre o regime militar e o regime democrático atual”. O Ministério Público Federal vem movendo nos últimos anos ações visando à punição penal dos torturadores, mas até agora o ocupante do cargo mais alto da instituição não havia se manifestado de forma tão categórica a favor da existência de um caminho jurídico para garantir condenações.

Janot externou sua posição em parecer sobre a extradição de um policial argentino que atuou durante o último regime autoritário daquele país (1976-83). O documento, datado de 24 de setembro, foi divulgado hoje pelo MPF, e acolhe a perspectiva de que o Direito Internacional Público resguarda os direitos básicos da população. Esta é, também, a primeira vez que o procurador-geral se posiciona em favor do acolhimento da sentença proferida em dezembro de 2010 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Na ocasião, a entidade integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por não investigar os fatos do passado e não punir agentes do Estado, e determinou que a Lei de Anistia não fosse utilizada como pretexto para deixar de apurar e sancionar violações.

“Na persecução de crimes contra a humanidade, em especial no contexto da passagem de um regime autoritário para a democracia constitucional, carece de sentido invocar o fundamento jurídico geral da prescrição”, avalia Janot. “Nos regimes autoritários, os que querem o socorro do direito contra os crimes praticados pelos agentes respectivos não deixam de obtê-lo porque estão dormindo, e sim porque estão de olhos fechados, muitas vezes vendados; não deixam de obtê-lo porque estão em repouso, e sim porque estão paralisados, muitas vezes manietados.”

Na avaliação da Corte Interamericana, em uma leitura reiterada por várias convenções firmadas no âmbito das Nações Unidas, não há que se falar em prescrição de crimes que violam os direitos humanos básicos. A visão parte do “ius cogens”, termo em latim que designa o direito de gentes, figura jurídica acolhida pela Constituição argentina desde o século 19. Janot adverte que, ainda que a legislação brasileira tenha diferenças em relação à do país vizinho, os direitos básicos garantidos pela Carta Magna garantem a imprescritibilidade deste tipo de infração e, na falta dela, o Direito internacional.

O entendimento de Janot contraria não apenas o de Gurgel, mas o de alguns ministros do STF, que após a condenação pela Corte Interamericana se manifestaram no sentido de que as decisões tomadas internamente se sobrepunham às adotadas internacionalmente, o que contraria convenções adotadas pelo Brasil, entre elas a Convenção de Viena, conhecida como “tratado dos tratados”, editada em 1969 e promulgada no país 40 anos depois.

Agora, o procurador-geral acolhe a visão mais comum no plano externo, de que o Direito Internacional se baseia em regras comuns, do ponto de vista moral, à maioria das nações – como, por exemplo, a visão de que a tortura deva ser repudiada e punida, independentemente de quando tenha ocorrido – e que, na falta de ação dos Estados nacionais, a comunidade global tem o dever e o direito de garantir punições a agentes que incorram neste tipo de violação. Para Janot, é “hipocrisia hermenêutica” a posição de que os crimes cometidos pela ditadura devam ser deixados no passado. “Não há segurança jurídica a preservar quando a iniciativa se volta contra o que constituiu pilar de sustentação justamente de um dos aspectos autoritários de regime que, para se instaurar, pôs por terra, antes de tudo, a mesma segurança jurídica.”

Desde a decisão da Corte Interamericana, o MPF testou algumas vezes o Judiciário federal em ações contra algumas figuras do regime – entre elas, Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi em São Paulo entre 1970 e 1974. Alguns casos foram arquivados, mas outros têm seguido adiante. Na última semana a Justiça Federal em São Paulo recusou o arquivamento de um dos processos e determinou a tomada de depoimentos de testemunhas relacionadas ao caso do corretor de valores e ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, preso em junho de 1971 e visto pela última vez em 1973.

Até agora, porém, nenhuma dessas ações chegou ao STF, que tampouco julgou os recursos apresentados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à decisão tomada em 2010, ao rejeitar a possibilidade de punir torturadores até então resguardados pela Lei de Anistia. Não se sabe se a nova composição da Corte, que de lá para cá assistiu à substituição de alguns ministros, poderá levar a uma nova interpretação, que alinhe o Direito interno brasileiro à visão defendida pela OEA.

Curiosamente, ao julgar outros pedidos de extradição da Argentina, alguns dos magistrados que rejeitaram a possibilidade de condenação penal no Brasil aceitaram a leitura de que crimes contra a humanidade são imprescritíveis. Relator do caso do agente Cláudio Vallejos, Gilmar Mendes defendeu no ano passado que “nos delitos de sequestro, quando os corpos não forem encontrados, em que pese o fato de o crime ter sido cometido há décadas, na verdade está-se diante de um delito de caráter permanente, com relação ao qual não há como assentar-se a prescrição”.

É esse um dos argumentos que têm sido testados pelo MPF, e que agora é defendido também por Janot. Ele pediu que o STF autorize a extradição do argentino Manuel Alfredo Montenegro, acusado de crimes de privação ilegítima de liberdade e tortura durante a ditadura no país vizinho. Segundo a Interpol, o então inspetor da Polícia Federal prendeu e torturou três militantes – ele tem prisão decretada pela Justiça da província de Misiones desde 2010.

Luis Nassif

16 Comentários

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  1. Será que eu vou queimar a minha lingua?

    Achei que o Janot iria ser um Gugel II. Tomara que tenha errado. O unico problema é a paixão dele por exressões jurídicas como” carater consuetudinário quanto de caráter principiológico”, ” ius cogens”,  “hipocrisia hermenêutica” o que demonstra uma certa  “pavonisse” de magistrado erudito!

  2. A diferença é que Janot cumpre a Constituição

    A diferença é que Janot cumpre a Constituição e reconhece os tratados internacionais ao contrário do seu antecessor.

  3. Inclusice os terroristas da

    Inclusice os terroristas da esquerda? Vai pedir para tirar a bolsa ditadura do assassino Marighela e do traira Lamarca? Dai tudo bem, total apoio. 

  4. Ainda cavocando o passado?

    Ainda cavocando o passado? Não acaba mais? A Alemanha se levantou já em 1949, em 1954 estava em pleno “milagre alemão”, quem lembrava de Hitler? A Italia estava bombando em 1955, lançou os dois magnificos transatlanticos “Giulio Cesare” e “Augustus”, a economia prospera crescia a 5,5%, alguem falava em Mussolini e fascismo?

    Aqui há uma cultura do passado inconcluso, ninguem quer batalhar pelo futuro porque exige cerebro e trabalho, é melhor ficar lembrando eternamente do passado.

    1. Justamente, o passado

      Justamente, o passado continua presente em nossas vidas, posto que nunca fora elevado publicamente à sua condição tragica e sombria na historia brasileira. Ainda ha os que chamam o golpe militar de “revolução de 64” e de “guerrilheiros-assassinos” os que lutaram pela redemocratização do Pais. Ha uma subversão oficiosa que precisa ser demolida de uma vez por todas e a historia reposta em seu lugar.  

      1. Negativo. Ninguem lutava pela

        Negativo. Ninguem lutava pela “”redemocratização do Pais” e sim por um regime ditatorial de esquerda, o modelo era Cuba.

      2. Minha cara, eu tento fazer

        Minha cara, eu tento fazer uma analise historica e não ideologica do movimento de 64, que foi bem mais amplo do que um simples golpe militar. A queda de Jango e a instauração de um novo regime se deu a partir de um grande  movimento civil antecedente, liderado pelos governadores dos tres maiores Estados do Pais, por grande numero de entidades civis, por boa parte do Congresso, as Forças Armadas deram o fecho final mas a preparação politica não foi delas.

        O clima no Pais era extremamente tenso especialmente a partir de janeiro de 1964, com o Presidente insuflando soldados e marinheiros contra seus oficiais, o que equivale a incentivar motim e sublevação nas forças armadas, algo que não podia

        ser considerado um ato normal numa democracia. Mudanças de regime não caem das nuvens, tem causas prévias e é isso que é preciso considerar, não adiante ver apenas angulos isolados de um momento historico e dai inferir conclusões.

  5. Oxigênio

    Além da PGR, tmbm a OAB recebeu uma dose de oxigênio com o fim da era Uphir, ops Ophir Cansei.

    Uma pena que o STF esteja indo pro buraco com o maluquete Barbosa dando amparo a este erro de imprensa do mentirão, erro proposital, bom que se diga.

  6. Até que enfim um procurador

    Até que enfim um procurador melhor que o Gurgel.

    Chega de impunidade Brasil: punição para os agentes da ditadura, redução da maioridade penal, fim da lei Fleury (que além do torturador no nome beneficiou Guilherme de Pádua, Pimenta Neves, etc).

  7. Se fizer isso, Jaot ganhará o

    Se fizer isso, Jaot ganhará o reconhecimento de todos os brasileiros que querem passar a limpo uma vez por  todas, a mais trágica e revoltante ultrajante e vergonhosa pagina da nossa história.

    Além de começar em grande estilo o que deveria ser praxe,  enche nossos corações de esperanças de uma transformação radical nos trãmites da Procuradoria Geral da União.

  8. nossos verdadeiros heróis.

    Caros Ledour e Motta Araújo. Rapazes, vocês são homens ou moças de coragem. Defendem o indefensável. Claro, nenhum de vocês ou de seus familiares tiveram os tímpanos estourados, foram chutados no chão algemados, foram amarrados na cadeira de dragão e ou apanharam no pau de arara. É fácil falar do sofá digitando em seus notebooks, pois hoje em dia nem precisam ir aos correios para postar bobagens, a internet facilita a vida de todos, dos bons e dos maus, mas vocês me parecem péssimos. Dezesseis anos após o final da Segunda Guerra Mundial, agentes do Mossad sequestraram Adolf Eichmann da Argentina e lhe deram um julgamento justo em Israel. Ninguém no mundo levantou-se para dizer que a soberania argentina fora violada ou que Israel agira fora da lei. Fora da lei foi Eichmann, um dos maiores assassinos do século XX, covarde, sinistro, responsável pela exterminação de quase 6 milhões de pessoas INOCENTES. Vocês defendem assassinos desse tipo. E quem com sua língua imunda suja o nome glorioso de nosso herói Carlos Lamarca, que abandonou o conforto de uma aposentadoria confortável, que arriscou sua vida e da própria família para lutar contra o arbítrio e a ilegalidade. Contra os golpistas de 1964 nunca houve terrorismo, dado que o governo era ilegal, ilegítimo, covarde e cruel. Quem atira na cabeça de um bandido que invade sua casa no meio da noite nem é processado, tem estátua erguida em praça pública. E garanto que juntanto seus pais, avós, tios e demais ancestrais não dão um terço da coragem de Carlos Marighella.

  9. Roendo Ossos
         ”    Onde estão todos eles?          – Estão todos dormindo         Estão todos deitados         Dormindo Profundamente.” Ponham todos esses ossos na cadeia,nossa justiça.também.

  10. Ignacio Ramonet

     

    Caro Nassif

    Vou postar aqui meu comentario destinado ao post sobre seu debate com Ramonet que não consigo abrir.

     

    Ignacio Ramonet não fundou o Le Monde Diplomatique. O jornal  mensal foi criado em 1954 por Hubert Beuve-Méry, o grande intelectual da esquerda católica e, na minha opinião, o maior jornalista europeu do século 20,  que fundou o Le Monde em 1944, a pedido de De Gaulle.  O Diplomatique permaneceu um jornal para interessados em política internacional, pouco expressivo, até que o grande jornalista do diário Le Monde, Claude Julien assumiu a direção em 1973. Ex-resistente anti-nazista,  Claude Julien deu uma virada no Diplo, tornando-o um órgão  que passou a apoiar todas as lutas anti-autoritárias e anti-colonialistas no mundo. A oposição brasileira à ditadura sempre teve a simpatia ativa de Claude Julien. Foi nesta época que o jornal aumentou sua difusão e tornou-se leitura obrigatória da juventude pós-meia oito européia. Ramonet entrou no Diplo para ser crítico de cinema do jornal e aprendeu com Claude Julien tudo o que sabe até hoje.

    Luiz Felipe de Alencastro

    a.k.a. Julia Juruna 

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