Rolezinho

Por Renan Quinalha no Facebook
 

“Pra quem tiver curiosidade, esse é o texto da decisão do juiz que deferiu a liminar para impedir o rolezinho. Destaque para (i) mais da metade da decisão é discurso de botequim afirmando que direitos fundamentais têm limites e todos têm sua importância (e daí?); (ii) alguém que diga, no séc. XXI, que o direito de um vai até onde termina o do outro (como se direito fosse um pedaço de terra no séc. XVI), não dá pra levar a sério (nem Locke levaria mais). O juiz afirma “avaliar se a sua conduta não invade a esfera jurídica alheia”, como se direito tivesse forma de esfera; (iii) quem é o juiz pra opinar sobre qual é o lugar certo para uma manifestação ou para pessoas se reunirem? Não pode protestar sobre o tema do funk no shopping? Quem quer protestar por educação, é na escola. Por saúde, no hospital. É tipo cada um no seu quadrado (ou na sua “esfera”); (iv) o juiz, mostrando ser bem informado, usa como fundamento pra justificar a concessão da medida liminar que “a imprensa tem noticiado” abusos. Ora, já que pode haver abusos, segundo o que a tal imprensa diz, vamos impedir as pessoas de ir e vir em volta e dentro do shopping (que agora virou espaço privado, mas quando interessa pra estimular o consumo é o mais público e aberto possível). Já que todo direito pode se tornar um abuso de direito, então mais prudente é, preventivamente, proibir que se exerça tal direito. Podemos começar a adotar esse raciocínio da ‘guerra preventiva contra o abuso de direito’ então para o direito de propriedade também, afinal, pode ter riscos aí. A mim, me incomoda o fato de que pessoas ricas e brancas e ‘de bem’ se aglomerem todos os finais de semana nesses shoppings que mais parecem bunkers higienistas (além de eu achar um programa de mau gosto e uma manifestação enorme de pobreza de espírito e de horizonte cultural). Na próxima, antes de sair de casa, também entrarei com um pedido liminar pra coibir esse tipo de prática, afinal, pode virar bagunça tanta gente ‘de bem’ junta. E assim a gente aumenta a segregação e convive só com quem nos agrada, diminuindo ainda mais as chances de um dia termos algo que possa ser chamado de sociedade.”
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O texto da liminar:

Vistos

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu diversas garantias fundamentais em seu art. 5º. Entre elas a da livre manifestação, o direito de propriedade, a liberdade do trabalho. O art. 6º, garante, ainda, como direito social, a segurança pública, o lazer, dentre outros. 

O direito a livre manifestação está previsto na Constituição Federal. Contudo, essa prerrogativa deve ser exercida com limites. Explico, o exercício de um direito sem limites importa na ineficácia de outras garantias. De fato, se o poder de manifestação for exercido de maneira ilimitada a ponto de interromper importantes vias públicas, estar-se-á impedido o direito de locomoção dos demais; manifestação em Shopping Center, espaço privado e destinado à comercialização de produtos e serviços impede o exercício de profissão daqueles que ali estão sediados.

De outro lado, é certo que além de o espaço ser impróprio para manifestação contra questão que envolve Baile Funk, mesmo que legítima seja, é cediço que pequenos grupos se infiltram nestas reuniões com finalidades ilícitas e transformam movimento pacífico em ato de depredação, subtração, violando o direito do dono da propriedade, do comerciante e do cliente do Shopping . 

A imprensa tem noticiado reiteradamente os abusos cometidos por alguns manifestantes. Ressalta-se que não se pretende impedir o direito de manifestação, mas este deve ser exercido dentro de limites que facilmente se extraem da interpretação sistemática do arcabouço constitucional.

A Constituição Federal estabeleceu direitos fundamentais a todos. Esses direitos importam também em obrigações a cada um, que tem o dever de olhar a sua volta para avaliar se a sua conduta não invade a esfera jurídica alheia.

O Estado não pode garantir o direito de manifestações e olvidar-se do direito de propridade, do livre exercício da profissão e da segurança pública. Todas as garantias tem a mesma importância e relevância social e jurídica.

Neste contexto, DEFIRO A LIMINAR, para determinar que o movimento requerido se abstenha de se manifestar nos limites da propriedade do autor, quer sua parte interna ou externa, sob pena de incorrer cada manifestante identificado na multa cominatória de R$ 10.000,00 por dia. 

Comunique-se às autoridades policiais para que tomem todas as medidas necessárias para impedir a concretização do movimento no espaço pertencente ao autor e garantir a segurança pública e patrimonial dos clientes, comerciantes e proprietários do centro de comércio autor.

A intervenção da Vara da Infância e Junventude, por ora, não se mostra necessária.

Citem-se para resposta no prazo de quinze dias, sob pena de presumirem-se verdadeiros os fatos alegados na inicial. Cumpra-se a liminar por não menos do que dois oficiais de justiça plantonistas, que deverão estar no local e horário designado para as manifestações, identificando os participantes para citação pessoal.

Regularize-se a parte autora sua representação processual em 48 horas, sob pena de extinção e revogação da liminar.

Expeça-se o necessário de imediato. 

Autoriza-se a afixação desta decisão na sede do Shopping para conhecimento público.

Int.

São Paulo, 09 de janeiro de 2014
Alberto Gibin Villela
Juiz de Direito

Redação

1 Comentário

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  1. Perfeita a decisão.

    Perfeita a decisão. Aparentemente quem escreve blog esquece que algumas pessoas (aparentemente nem tantas aqui no Brasil) precisam trabalhar de verdade ao invés de sofismar. É fato notório que o “rolezinho” irá ter como consequência a redução no número de indíviduos que vão ao shopping para consumir, sim, consumir – procure ver a definição de “shopping center”, e saber porquê os *trabalhadores* e emprésários (os responsáveis por gerar emprego numa economia capitalista) seriam os maiores prejudicados. Fosse na rua em um parque, obedecida a legislação, não haveria nenhum prejudicado, em um centro comercial o resultado é óbvio.

     

    O ponto pricipal da decisão é “A Constituição Federal estabeleceu direitos fundamentais a todos. Esses direitos importam também em obrigações a cada um, que tem o dever de olhar a sua volta para avaliar se a sua conduta não invade a esfera jurídica alheia.

    O Estado não pode garantir o direito de manifestações e olvidar-se do direito de propridade, do livre exercício da profissão e da segurança pública. Todas as garantias tem a mesma importância e relevância social e jurídica.”

     

    O ponto acima sequer necessita de qualquer explicação até mesmo para um completo leigo.

     

    O significado de esfera também está claro pra quem tem um conhecimento mais que rudimentar de língua portuguesa, mas segue o significado pretendido: “Extensão de poder, autoridade, influência, talento, saber, etc.”.

    9. Extensão de poder, autoridade, influência, talento, saber, etc.
    “esfera”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/esfera [consultado em 13-01-2014].

     

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