Salário baixo e juro alto é bom para o Brasil?

               Com a ideia fixa de descobrir tudo o que está errado na política e na economia brasileira a fim de melhor entender as manifestações de rua nas últimas semanas, e votar certo no ano que vem, Simplício resolveu ficar alguns dias em São Paulo e teve a sorte de encontrar na USP um economista ortodoxo que estava fazendo uma palestra sobre a necessidade de reduzir os salários para o país crescer. “Se é um ortodoxo é porque está certo, pensou Simplício.” E foi esperá-lo na porta de sua sala.

                O economista ortodoxo estava vermelho de raiva porque não havia recebido a quantidade de aplausos a que achava que tinha direito. Por isso, acolheu Simplício satisfeito com a possibilidade de que viesse a se tornar um discípulo. Com modelos e gráficos explicou como o salário alto prejudica os lucros, e como os lucros devem ser altos para atrair grandes investimentos. “No Brasil tudo está errado”, disse. “A carga salarial espanta os investimentos e a geração de empregos. Se duvidar vá ouvir os sociólogos da Fiesp.”

Simplício, timidamente, sussurrou: “Mas não seria o contrário?” “Como?”, reagiu indignado o economista ortodoxo. “Como ousa contestar uma afirmação que está apoiada solidamente em modelos e gráficos, e ainda na opinião dos economistas da Fiesp, e ainda na experiência recente da China?” Simplício sussurrou novamente: “Se o salário é baixo, quem vai comprar as mercadorias e serviços produzidos com os altos investimentos gerados pelos lucros estratosféricos? Ou os capitalistas vão comer os próprios lucros uns dos outros?”

                — Você está confundindo as coisas, Simplício. Se os salários forem suficientemente baixos, haverá mais empregos. Mais empregos significam mais compras. É o efeito horizontal dos salários. O outro, prejudicial ao país, seria o efeito do salário vertical.

                — Compras de gente com salário na horizontal, e baixo, não devem ajudar muito o país a crescer, deixou escapar Simplício, imaginando quantos salários na vertical o economista ortodoxo estaria ganhando para defender aquelas ideias. Quem sabe não seria melhor fazer o contrário?, arriscou.
                — Aumentar os salários? Você está louco. Se eu fizesse uma recomendação desse tipo poderia rasgar meu diploma de economia da USP. A propósito, Simplício, a entrevista está encerrada. Tenho que escrever um artigo sobre a inflação para o jornal “Valor”.

                — A inflação está descontrolada?

                — Está cinco milésimos além da terceira casa decimal fora da meta. Mas se não aumentarmos logo a taxa básica de juros perderemos o controle, isso vai virar uma hiperinflação. Aliás, se esse movimento que está nas ruas fosse racional, como deveria ser, os manifestantes deveriam estar gritando palavras de ordem a favor do aumento da taxa de juros. Que me perdoe o espírito do Vice José Alencar, mas o Brasil só vai para frente aumentando os juros.

                Simplício escreveu na agenda vermelha: “Se salário baixo e juro alto é bom para o Brasil, por que nenhum manifestante pediu isso?” –– “Preciso investigar…”

Redação

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