Defensorias recorrem da decisão que reduz indenizações em crime da Samarco em Mariana

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Jornal GGN – Conhecido na Justiça como o Caso Rio Doce, o julgamento ocorrido no dia 27 de dezembro último, permitiu que a Samarco descontasse dos pagamentos realizados a título de Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) das indenizações dos atingidos.

As defensorias públicas e MPs recorreram da decisão que reduz indenizações, e pediram a imediata suspensão dos efeitos da decisão judicial. Pedem ainda que seja declarada a nulidade da decisão, condenando-se a Samarco, em decorrência de seu comportamento processual, ao pagamento de multas por litigância de má-fe de de indenização pelo dano moral coletivo causado à sociedade impactada.

A Samarco Mineração S.A. é uma mineradora brasileira fundada em 1977 e atualmente controlada através de uma joint-venture entre a Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton, cada uma com 50% das ações da empresa. 

O recurso é assinado pelos procuradores da República que integram a Força-Tarefa Rio Doce do Ministério Público Federal (MPF), promotores de Justiça do Ministério Público dos Estados de Minas Gerais (MPMG) e do Espírito Santo (MPES), membros da Defensoria Pública da União (DPU) e defensores públicos estaduais de Minas Gerais (DPEMG) e do Espírito Santo (DPES).

A decisão tomada pela 12ª Vara Federal de Belo Horizonte foi publicizada no dia 27 de dezembro de 2018, já no recesso judiciário. Isso permitiu que a Samarco não se veja obrigada a cumprir a Cláusula 137 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado em 2016, e nem cumprir as obrigações assumidas em cerca de 8 mil acordos individuais firmados com pessoas que foram atingidas pelo rompimento da barragem. Nesses acordos a Samarco havia se comprometido a prestar auxílio emergencial e arcar com lucros cessantes.

A Cláusula em questão, de número 137, previa a instituição de um programa de auxílio financeiro à população impactada que tenha tido comprometimento de sua renda em razão de interrupção comprovada de suas atividades econômicas e produtivas até o restabelecimento das condições para a retomada dessas atividades.

A decisão desconsiderou, e sem justa motivação, diversas cláusulas dos acordos firmados. Desconsiderou ainda as graves consequências econômicas, fiscais e sociais da mudança ocorrida com o crime ambiental. “A referida decisão impacta na vida de milhares de famílias de atingidos, promove o caos social e transfere, indevidamente, à União, aos Estados e aos Municípios atingidos os custos da tragédia provocada por particulares, socializando o dano causado”.

As Defensorias registram que na Cláusula 100 do TAC Governança, de junho de 2018 e homologado no mesmo juízo, as partes comprometeram-se a não requerer quaisquer medidas cautelares, liminares antecipatórias ou de urgências, salvo no caso de descumprimento do acordo, ‘sem que antes sejam envidados os melhores esforços para a solução consensual dos conflitos’.

Sob esta cláusula, Samarco, Vale e BHP Billiton Brasil, concordaram em discutir aberta e previamente com os Ministérios Públicos e Defensorias, quaisquer divergências antes de submetê-las ao Judiciário. E isso não ocorreu. E, mais grave, ‘a Samarco pretendeu controverter – após ter se reunido com Ministérios Públicos e Defensorias Públicas ao longo de todo o ano de 2018 – uma questão que, no âmbito do CIF era antiga. Esse tema (natureza jurídica do auxílio financeiro emergencial previsto no TTAC) poderia ter sido levado à negociação que estava em curso. Mas não foi. (…) Ao contrário: ao longo de 2018, as deliberações 111 e 119 foram acatadas pelas empresas poluidoras e, por conta disso, a Fundação Renova (por elas mantida e controlada) promoveu a readequação de seu programa de indenização mediada (PIM) com o fim de observar o quanto acordado no TTAC consoante a interpretação vigente’, diz o recurso.

O Juízo Federal homologou a TAC-GOV, e o ele mesmo permitiu à Samarco litigar sobre a questão que estava impedida pelas cláusulas ali apreciadas. A Samarco teve o capricho de dizer que o pagamento cumulado do Auxílio Financeiro Emergencial e dos lucros cessantes seria injusto, e resultaria em enriquecimento sem causa das pessoas beneficiadas. As defensorias explicam que cada programa possui natureza e finalidade distintas, não se chocando nem cumulando.

Por fim, a “fixação de um valor mínimo, desconsiderando a real renda mensal alegada pelos atingidos, aliada à demora no pagamento das indenizações e do próprio lucro cessante, trouxe o ônus para atingidos e atingidas de desestruturação econômica e financeira da sua família. Muitos viviam com mais que o dobro do que estão recebendo e hoje, além de possuírem dívidas, tiveram drástica redução do padrão de vida, sendo comuns relatos de atingidos cujos filhos tiveram que abandonar o curso superior por impossibilidade de pagamento, por exemplo. Não havia contentamento sobre o valor pago (a título de AFE), todavia, por ser uma verba de manutenção distinta do lucro cessante, muitos atingidos aceitaram acordos que não contabilizaram esses prejuízos que, sem dúvida, vieram como consequência direta do desastre”, relata o agravo, frisando que foram as empresas que concordaram expressamente com a prestação de medidas e ações de assistência social aos impactados, explicitada na cláusula do TTAC que inclusive criou a Fundação Renova para exercer, entre outras, essa atribuição.

O agravo será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília (DF).

Clique aqui para ter acesso à íntegra da petição.

* O Agravo de Instrumento é um recurso que visa à obtenção de reformas de decisões que são chamadas de “decisões interlocutórias”, sendo estas, decisões que não dão fim ao processo, mas que decidem questões pontuais.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. as trevosas negociatas

    A lama da Vale expôs grande parte da imundície acumulada sob os tapetes dos três poderes, com respingos significantes na grande mídia, no empresariado e nas forças armadas da segurança pública. Normalmente as piores, as mais escabrosas e tenebrosas transações despontam no apagar das luzes de governos espúrios e incompetentes. Porém, em muitos casos também se realizam nas escondidas e suspeitas reuniões realizadas nas caladas das madrugadas,

  2. Meditação

    Ontem eu estava meditando sobre governo de minas, mineradoras e bombeiros.

    Pedro Aihara, porta-voz dos bombeiros em Brumadinho, dava mais uma de suas rápidas entrevistas com a objetividade e dedicação de sempre quando ao fundo o repórter lembrava que o corpo de bombeiros de minas gerais ainda não recebera o 13º salário, e que este seria pago em 12 parcelas.

    Não deu para parar de perguntar:

    Como um estado que possui tantas riquezas pode ser tão pobre?

    Como admitir que cidadãos que arriscam suas vidas em tragédias anunciadas para salvar outras pessoas e bens não receba sequer os seus parcos vencimentos em dia?

    Destruir a natureza, maximizar lucros para garantir o luxo da burguesia e empobrecer os estados torna a vida mais bonita?

    O Brasil de hoje tem-me feito chorar todo dia.

    http://culturanikkey.com.br/site/conheca-pedro-aihara-o-nikkey-jovem-porta-voz-dos-bombeiros-em-brumadinho/

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador