Sardenberg, as unanimidades e a síndrome do dedo-duro, por Luis Nassif

Se criticar Zelensky, é defesa de Putin. Se criticar Putin, é defesa do "imperialismo". A maior vítima da guerra é o jornalismo

A guerra Rússia x Ucrânia está sendo didática para expor como se dá o processo de formação de consensos na mídia nacional e global, impedindo o livre fluxo de opiniões.

Nem se fale de um irresponsável sem noção, como o presidente da Ucrânia, exibindo-se em entrevista coletiva, falando do seu heroísmo: “se não fosse o presidente da República, estaria na linha de frente com meus soldados”. Nada impediria que Volodymyr Zelenskyy fosse cumprir seu destino heróico na linha de frente. Caxias era comandante e foi para a linha de frente. 

Mas ele joga o mundo em uma guerra sem futuro, destrói seu país, aumenta a pobreza mundial, pelos efeitos indiretos do conflito, para se apresentar como “herói” nos salões mundanos da mídia.

E expõe a mídia brasileira ao ridículo

O vídeo abaixo mostra um episódio grosseiro, de Carlos Alberto Sardenberg “patrulhando” Guga Chacra, ambos comentaristas da Globonews. 

Sardenberg é um defensor da autodeterminação dos povos, sem um pingo de sofisticação. Cada país é dono do seu nariz, independentemente das consequências de sua decisão sobre os vizinhos. Convenhamos: é um conceito tosco, que foi exaustivamente explorado na pandemia: uma pessoa tem o direito de não se vacinar, se pode afetar a saúde de outra? Ou seja, é um desafio intelectual acessível até ao senso comum.

Guga Chacra indagou o óbvio: quais as consequências quando a decisão individual de um país afeta os interesses (ou a segurança) de outro país e, no caso, o outro é um país militarmente mais forte? É o caso concreto da reação da Rússia à tentativa da Ucrânia de se filiar à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Daria uma bela discussão, inclusive sobre a necessidade de fortalecimento do multilateralismo. Mas foi imediatamente interrompido por Sardenberg, “acusado” de estar defendendo a Rússia.

O episódio, em questão, é ridículo. Mas repete didaticamente o clima que acometeu o país na ditadura militar e repetiu-se na ditadura civil imposta pela mídia nos últimos anos. É quando qualquer opinião contrária implica em risco para quem ousa ficar contra a unanimidade e se cria a síndrome do dedo-duro, o sujeito que se considera empoderado para delatar fraquezas políticas dos colegas.

No período da Lava Jato, imagine qualquer jornalista dos grandes veículos meramente colocando em dúvida a legalidade da operação. Seria “dedurado” implacavelmente, como foi Guga Chacra, e condenado ao desemprego.

Mas o caso transcende esse episódio ridículo.

Tome-se outro bom tema de discussão: o Itamaraty fez bem ou não em condenar a invasão, mas ser contra a aplicação de sanções econômicas mais severas contra a Rússia?

Tem-se, de um lado, a maioria absoluta dos países condenando a invasão e impondo guerra sem quartel à Rússia. Na outra ponta, dois países – a China e o Brasil do Itamaraty – condenando a invasão, mas deixando a porta aberta para futuras negociações. Como será possível resolver essa guerra sem uma mediação diplomática, sendo que o país agressor não pode ser simplesmente derrotado por ser a maior potência atômica do planeta? 

É evidente que terá que haver uma mediação no final. E, havendo, quem serão os países mediadores? É tema para uma discussão rica, mais ainda se forem incluídas peças que faltam nas análises pedestres da mídia – o papel da China e de sua moeda, a rota da seda, a nova divisão geopolítica mundial etc. Por aí se percebe a complexidade do tema e a posição do Itamaraty, coerente com a tradição diplomática brasileira.

No entanto, há uma uniformização da discussão mesmo em outros canais, como a CNN, não submetidos ao patrulhamento primário de Sardenberg (o “patrulhador” da CNN é Boris Casoy, que se apresenta só de manhã). O jornalista que ousar fugir do pensamento binário estará perdido.

No início da discussão, há argumentos explicando a posição do Itamaraty. No final do dia, as opiniões estão uniformizadas.

Cria-se um clima generalizado de emburrecimento em todas as frentes. Não se pode criticar Zelensky para não parecer defesa de Putin. Na ponta esquerda, não se pode criticar Putin, para não fazer o jogo do “imperialismo”.

A maior vítima da guerra, então, é o jornalismo.

Luis Nassif

15 Comentários

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  1. Tudo teria sido tão mais fácil se a Ucrânia tivesse marchado rumo a Moscou argumentando que precisa alargar suas fronteiras para aumento da produção de potássio … (vamos rir porque vai doer)

  2. A Russía está certa em não aceitar a ucrania na OTAN, instalar missil na fronteira dela, se fosse o EUA, não aceitaria caso a RUSSIA instalasse uma base militar em CUBA

  3. “…Cria-se um clima generalizado de emburrecimento em todas as frentes…”…No entanto, há uma uniformização da discussão mesmo em outros canais…”…sendo didática para expor como se dá o processo de formação de consensos na mídia nacional e global, impedindo o livre fluxo de opiniões…”…No final do dia, as opiniões estão uniformizadas…”…um desafio intelectual acessível até ao senso comum…”…O jornalista que ousar fugir do pensamento binário estará perdido…”…E expõe a mídia brasileira ao ridículo…”TUDÓLOGOS E FAKE NEWS. Não poderiam ser mais atuais e abrangentes. Não é a Imprensa Brasileira doutrinária à Esquerdopatia-Fascista a partir de ABI(1932) sob o julgo do Coronelismo de Assis Chateaubriand impondo o Revisionismo Histórico do Pária Assassino Getúlio Vargas(30)? Não são extamente estes 92 anos de Imprensa Brasileira? Sardenberg não revela excepcionalmente o meio em que vive e se nutre? E Guga também? É a lombriga e seu dilema entre a merda ou a morte. A Imprensa Brasileira e os dois lados de sua face: lombriga e merda. Nada poderia ser mais revelador. A Matéria resume o Meio onde tudo isto se consolidou: a Certeza Absoluta da Doutrinação Esquerdopata. É a tal Gripezinha e sua Vacina-Placebo-Experimental, rotulada como Científica, que não pode ser contestada sob pena de Justiciamento e Extermínio. Mas tudo isto por um bem maior: a Segurança da Humanidade. Sacrifício Doutrinário daqueles que só vislumbram sua Santidade Vocacional Descompromissada e Martirizada. Não se aproxime demasidamente do abismo ou… A Verdade é Libertadora. E como é Libertadora. A Imprensa Brasileira expondo seus intestinos. 92 anos de instestinos altamente produtivos.

  4. A Rede Globo e a Revista VEJA (à frente) se notabilizaram nas décadas de 1970 e 1980 em serem páginas de release do Departamento de Estado americano; mas, com um pouco de “dignidade”. A maior parte do tempo pareciam até uma rede de TV Americana e uma revista americana, tal era a qualidade da sutileza empregada. Enganou a muitos.
    Um pouco antes, a VEJA, e na década de 1990 a Globo foram perdendo gradativamente o verniz “jornalístico” para enveredar pelo panfletismo mais baixo, puro e simples. Mas foi com a invasão da Iugoslávia e principalmente a do Iraque que se revelaram mais real do que o rei. E, com campanha do Golpe pra tirar o PT da Presidência… dão nojo, tal o mais deslavado puxa-saquismo.
    Tentando ter saco para assistir o Jornal Hoje de hoje… as repórteres quase chorando de raiva, certamente porque a OTAN não pode jogar bombas na Rússia como fizeram na Iugoslávia, sem receber o troco.

  5. Uma perfeita crítica ao jornalismo condensado.

    Em pouco tempo após a lava jato ficou laro o coluio de toda a mídia tradicional brasileira com a força-tarefa da lava-jato

    Mas, a desmoralização parece não ter dado o sentido de lição ao jornalismo brasileiro.

    Mais triste ainda é ver que a população segue bovinamente as correntes criadas pela conveniência de alguns.

  6. Auto determinação dos povos e direitos individuais não tem nada em comum. Nada, nada.
    Comparar o direito da Ucrânia entrar na otan com o direito de um individuo nao se vacinar é raciocínio digno do Sardenberg.
    O ataque russo apenas comprovou que a Ucrânia tinha razão.

  7. Talvez a única vantagem do aparente ‘alinhamento’ de BolSSonaro com Putin seja não censurar o serviço em português do Sputnik no Brasil. Porque se dependesse da mídia ocidental ‘formal’ ( (incluso a brasileira, que também pode ser ‘formol’, no caso de Sardenberg e Casoy) , não á Batalhão de Azov neonazista, uma usina nuclear teria sido explodida pelos russos ontem, e comunistas voltarão a comer criancinhas ucarnianas….

  8. Bem isso. Durante o dia vamos percebendo a construção de um pensamento único bem alinhado.
    Sigam firmes para garantir um debate coerente sobre o que acontece no mundo.

  9. Meu colega Zelensky fez algo que só um sátiro jovem de 41 anos faria. Todavia, a prova do pudim de todo comediante é que prefere perder o país inteiro e o próprio futuro político, mas não perde a piada.
    O link a seguir está em inglês mas a tradução do Google ajuda.
    https://thegrayzone.com/2022/03/04/nazis-ukrainian-war-russia/
    A matéria demonstra o que a categoria profissional de humorista pode fazer. Nem Mel Brooks conseguiu tanto em seus filmes.
    E para encerrar, um momento inesquecível na Casa Branca

    https://youtu.be/_7_amyijk2c

  10. Sardenberg foi professor de Filosofia da Ciencia no Cursinho do Gremio da USP . Uma citação costumeira em suas aulas era “se os fatos não combinam com a teoria, pior para os fatos”. Na época era uma crítica.

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