“Sistema político brasileiro está mal como todos do mundo”, diz Manuel Castells

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – O sociólogo espanhol Manuel Castells, professor da Universidade da Califórnia, afirmou que o Brasil integra a “crise mundial dos sistemas tradicionais de democracia representativa”. “O sistema político brasileiro está mal como estão mal todos os sistemas do mundo”, afirmou, em entrevista à Folha de S. Paulo.
 
Para ele, a internet não aumentou a agressividade no debate dos brasileiros, uma vez que “o Brasil sempre foi agressivo”, e que a imagem mítica oposta de simpatia “existe só no samba”. “A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata. Esse é o Brasil que vemos hoje na internet. A única coisa que a internet faz é expressar abertamente o que é a sociedade em sua diversidade”, disse.
 
Leia a entrevista à Folha:
 
Folha – Em 2013, o sr. disse que nosso grande problema era político, não econômico. E agora, que nossa economia tampouco anda bem?
 
Manuel Castells – Quando aponto a questão política me refiro a uma crise mundial dos sistemas tradicionais de democracia representativa, por conta da corrupção, agora mais exposta porque as pessoas têm mais acesso à informação e mais capacidade de organização por conta da internet.
 
O sistema político brasileiro está mal como estão mal todos os sistemas do mundo.
 
O que causa essa crise de representatividade?
 
Os cidadãos deixaram de aceitar que sua capacidade política seja um voto a cada quatro anos. Há uma insatisfação com toda a classe política. E isso não significa que se acredite que todos os políticos sejam corruptos, mas sim que há uma classe política que está separada da cidadania, que é formada por profissionais que têm um interesse comum: o monopólio da política da corrupção.
 
Essa é a raiz do problema no Brasil, mas não só. Nos últimos anos vimos que afundou o sistema político italiano, espanhol, grego, está afundando o da Argentina, o do México.
 
Qual a especificidade do Brasil, então?
 
Está ocorrendo a tempestade perfeita. Junto a essa crise de representatividade, uma piora da economia.
 
No momento em que o governo atual percebeu que poderia haver um aumento da inflação, deveria ter restringido o gasto público, e não o fez.
 
O sr. tem estudado comparativamente protestos recentes: além do Brasil, os casos do Occupy (EUA), da primavera árabe, do Chile, do México. O que eles têm em comum?
 
O fato de não se tratarem de movimentos programáticos, mas emocionais, e de surgirem espontaneamente. Essa indignação inicial permite que se amplie a temática. A palavra “dignidade” se repete em todos, porque as demandas não são concretas, ainda que existam problemas concretos. O que as pessoas pedem é reconhecimento.
 
Seja na favela, seja como um profissional ou empresário, os indivíduos não sentem mais que as instituições os representam.
 
Em sua opinião, quais as principais diferenças dos protestos no Brasil em 2013 e 2015?
 
Em comum têm a denúncia da corrupção e o sentimento de que há demandas que não podem se expressar nos atuais sistemas políticos.
 
O movimento de 2013 era popular, jovem e partiu de demandas concretas, mas imediatamente levantou o tema da dignidade. E teve êxito, pois anulou-se o aumento das tarifas. Causou a reação política mais positiva de um governo no mundo.
 
A presidente Dilma Rousseff se conectou com ele. Mas o aparato do PT bloqueou a possibilidade de reforma.
 
Já em 2015, é a classe média e média alta quem vai às ruas. E chegou-se a pedir a impugnação da presidente.
 
O grupo que pede um golpe de Estado é pequeno e considero impossível que isso ocorra. Mas o significativo é que existam cidadãos e políticos que o queiram.
 
2013 e 2015 se conectam com as manifestações em outras partes do mundo porque mostram que a sociedade que quer expressar-se, hoje em dia, se expressa em movimentos espontâneos, coordenados pela internet, e presentes na rua.
 
E por que o brasileiro tem a sensação de que, na internet, há demasiada violência e intolerância no debate?
 
A internet é um instrumento de comunicação livre. Portanto, causa curto-circuito às instituições e ao poder do dinheiro. A comunicação social estava monopolizada até hoje ou pelo poder político, ou pelo poder econômico. Agora, a internet permite às pessoas comunicar-se diretamente sem passar por esses controles, e sem passar por qualquer censura. Ainda que se queira controlar a internet, não se pode.
 
Eu não creio que no Brasil, com a internet, exista mais agressividade no debate. O Brasil sempre foi agressivo. Nos tempos da ditadura, no final dos anos 60, anos 70, o debate não só era agressivo como se torturavam pessoas com impunidade.
 
A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba. Na relação entre as pessoas, sempre foi violento. A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata. Esse é o Brasil que vemos hoje na internet. A única coisa que a internet faz é expressar abertamente o que é a sociedade em sua diversidade. Trata-se de um espelho.
 
Como hoje não precisam passar pelos meios tradicionais de comunicação, as pessoas aparecem como realmente são.
 
A pergunta fundamental é: a liberdade é um bem em si? Se dizemos que sim, então a internet é uma tecnologia de liberdade, e portanto realiza uma mudança histórica. Mas é preciso aceitar que liberdade é também para coisas de que não gostamos. É para todos. Portanto, se ali se articulam formas de violência, racismo, sexismo, é porque isso existe na sociedade.
 
E de quem depende a mudança social nesse novo contexto?
 
Certamente, não será da internet, mas sim dos sujeitos da mudança. Se estes querem um golpe militar, a internet facilita sua organização.
 
A internet é agnóstica, expressa o que somos. E o que somos depende da cultura. Repito, não creio que o Brasil seja pior agora, ou que a rivalidade política esteja mais intensa nesse momento do que foi antes.
 
No Brasil, a desigualdade diminuiu, mas ainda é muito grande. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dizia que o Brasil não era pobre, mas, sim, injusto. Concordo. Há uma imensa riqueza, controlada por 1% da população. Como é que a sociedade não vai estar com raiva? E há, também, um grupo de classe média que está descontente porque se tira deles alguns recursos para redistribuir.
 
Trata-se de uma classe média profissional, que teme perder seus privilégios e que vive melhor que seus pares nos EUA e na Europa. Quem pode ter dois ou três empregados domésticos permanentes, vivendo em casa, ou constantemente indo e vindo? Nenhuma classe média do mundo!
 
A descrença no Estado tende a gerar para-Estados ou Estados paralelos, como no México ou no caso do Estado Islâmico?
 
O México se transformou de fato num narcoestado. Há uma guerra civil ali, e ressurgem leis que são ancestrais, portanto reproduzem as formas de opressão que estão na raiz da violência.
 
O Estado Islâmico não é um grupo totalmente desvairado. Representa uma resistência profunda ao colonialismo cultural nos países muçulmanos e nas comunidades muçulmanas da Europa. Por que jovens dos EUA e da Europa vão morrer ali? Por que mulheres vão se casar e ter filhos com militantes do Estado Islâmico?
 
Essa diversidade cultural e política é a que existe no planeta. Não podemos criar um standard do politicamente correto, e do humanamente correto, porque isso não existe. Cada vez que vamos afirmar um direito num sentido, vamos encontrar outras formas de opressão.
 
Valores universais há, mas a interpretação deve ser feita em cada sociedade. A forma de defendê-los depende de cada cultura.
 
Está em risco o Estado de Direito no Brasil?
 
Do ponto de vista concreto, ele não existe na maioria dos países. No Brasil, não há Estado de Direito, há uma classe política corrupta que utiliza o Estado para seus próprios fins. Há a manipulação do Estado de Direito para manter um Estado patrimonial.
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

12 Comentários

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  1. Fundo do poço

    Não existe solução politica para a america latina senão o fundo do poço. Qdo isto se der, talvez, havera condição do surgimento de uma nova era, a busca de novas terras como se realizou na epoca das grandes descobertas é a inspiração inconsciente das gentes que vivem incomodadas e sem esperança.

     

    Lenin costumava dizer que a Rússia era o “elo mais fraco” do capitalismo europeu. Chegara a esta conclusão estudando a formação social russa e o desenvolvimento do capitalismo no império dos Czares. Previra que a expansão do moderno capitalismo na oligárquica e atrasada Rússia era uma bomba relógio de efeito retardado. O desenvolvimento das forças produtivas provocado pela crescente economia burguesa estava contido dentro da concha absolutista da monarquia secular. Por mais que o czar Nicolau II tentasse modernizar a sociedade russa, abrindo as portas do império ao capital estrangeiro, a fragilidade e o subdesenvolvimento da burguesia, o denso resíduo do feudalismo, a rigidez autocrática, o sistema arcaico de governo e a forte dependência da Rússia às potências ocidentais, fariam explodir, mais cedo ou mais tarde, a incipiente sociedade burguesa russa.

    Damos o nome de Revolução Francesa a uma série de eventos ocorridos na França entre 1789 e 1799 que derrubou a monarquia absolutista, levando a burguesia ao poder.

     Causas da Revolução Francesa:

    – Descontentamento do Terceiro Estado (burguesia, trabalhadores urbanos, camponeses), que era a grande maioria da sociedade, com os privilégios da nobreza e do clero;

     – Os integrantes do Terceiro Estado deviam pagar altos impostos, enquanto clero e nobreza eram isentos. Esta disparidade gerava muita revolta em grande parte da população;

     – Quase todas as terras do território francês estavam nas mãos da nobreza, fato que também gerava muita revolta na população;

     – As pessoas que contestavam o absolutismo na França eram presas na Bastilha (espécie de prisão política da monarquia) ou enviadas para a guilhotina;

     – Péssimas condições de vida enfrentadas pelos trabalhos urbanos (carga de trabalho elevada é baixos salários) e camponeses (viviam praticamente em situação de miséria);

     – Elevados gastos da nobreza com luxo (festas, banquetes, roupas caras, joias, etc.), enquanto grande parte da população vivia em péssimas condições de vida;

     – Grande vontade da alta burguesia comercial em participar das decisões políticas da França. A burguesia queria também maior liberdade econômica, com pouca interferência do governo;

     – Grande influência dos ideais iluministas, que defendia o fim do absolutismo, sobre os intelectuais e integrantes da alta burguesia.

    1. Coincidencias

      Sera mera coincidência a semelhança com as agruras, mazelas com que convive a sociedade latina americana nos dias atuais?

  2. O olhar que vem de fora

    Esse olhar que vem de fora é muito importante. Gostaria de indicar também um olhar que vem daqui, que é um importante ponto de partida para pensar a representação das classes sociais no Estado brasileiro hoje: “Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988”, de Pedro Henrique Pedreira Campos, Editora da UFF, 2014. É a tese de doutorado do historiador.

    1. Por que o olhar de fora é importante?

      Por que ele vem de pessoas de outras sociedades, de outros processos históricos, com outras cidadanias. Esses olhares revelam estranhamentos diante de coisas que para nós ficaram naturais, mas não são. Nos últimos meses, no UOL, apareceram reações de artistas negras americanas (uma atriz e uma escritora) diante da situação dos negros no  Brasil. São reações diferentes, por exemplo, daquelas de grandes sociólogos brasileiros que escrevem contra políticas de cotas e justificam suas posições com a idéia de que o problema é só a pobreza. Esses olhares de fora dizem que não… Para os psicólogos, o olhar do outro faz parte da constituição do sujeito. Para as sociedades, o olhar de fora também pode ser tomado como algo importante, que nos leva a pensar sobre nós mesmos, sobre nossas opções, nossos rumos…

  3. Combinemos!

    Ah não! De novo não caros senhores debatedores!

     

    Vou me dirigir ao entrevistado, o senhor manuel:

     

    Caro senhor, com o devido respeito, vá dar PALPITE ERRADO na sua terra , que por sinal, tem precisado bastante.

    Por outro lado, a música de seu país é muito boa. Foi uma pena ter partido o grande Paco de lucia. Mas, é claro, há muitos outros os quais, provavelmente, nem sabemos que existem.

    Alíás, devem ter muitas outras coisas que não fazemos a menor ideia que existem lá na espanha, mesmo com a tal de internet. Ops, mesmo com o TCP/IP “livre”  e com alguns “vazamentos” , eventualmente…

    Que mané livre o que? O que é ser livre? Defina liberdade caro senhor sociólogo espanhol, mas, por gentileza, sem os economistas de escol e de meia tigela que se prosperam com a “Salamandra”  hein…!? rsrsrs

    Mas aqui no Brasil, vou lhe dizer, não precisamos mais de “análises” alienígenas enviesadas que nos pregam o  mal, que pregam o fim do mundo.  Sobretudo, uma análise que mistura sociologia da espanha com universade da califonia.

    Estamos fartos disso. 

    O senhor não  conhece NADA , ou quase nada, sobre os nosso problemas.

    Democracia representantiva é mais uma FALÁCIA para enganar os imbecis de sempre, com a ajuda, é claro, dos “enviesados alienígenas de plantão.

    Estado de direito , democracia, república, essas BABOSEIRAS do passado, COPIADAS do modelo EUROPEU e sintetizados no ESTADO MODERNO, estão em colapso e o PODER , ou melhor, o uso do PODER ( de todas as formas) , no momento, está a procura de novas ” cavernas”, novos esconderijos.

     

    A propósito, como vai Marinaleda?

    Saudações

     

  4. Ele está certo. Que se cuidem

    Ele está certo. Que se cuidem os golpistas. Nós somos violentos sim. E se eles avançarem com armas contra nossa Presidenta morrerão antes de disparar os primeiros tiros. Ha, ha, ha… 

  5. Até concordo com alguns

    Até concordo com alguns pontos elencados pelo “especialista” (mais um), entretanto creio que sempre há “omissões convenientes” em todas as “análises” que a grande mídia incensa.

    Qualquer análise conjuntural sobre a política mundial que ignore o que personagens como Snowden, Assange, etc. denunciam, vira pó… Eles provam que há muito dinheiro por trás de certas “revoltas” que só aparentemente têm uma ideologia difusa.

    Na parte da miudeza, ao falar de economia o sociólogo “esqueceu” que a dos EUA também não “ajuda” o resto do mundo à vários meses, na parte política (misturada à econômica), ele “esquece” que embora boa parte dos políticos sejam empresários dos mais variados calibres, eles também são funcionários de gente poderosíssima, que nunca aparece de verdade… A sensação de falta de representatividade, atende pelo nome de solidariedade econômica de classe rica em ambiente de desregulação…

    E para os leitores seguem as meia verdades, as quais nada mais são do que mentiras deslavadas. O povão é “treinado” à olhar para o lado errado e chegar a conclusão que eles querem que chegue…

    Um abraço.

  6. Manifestações e manifestações

    Engraçado como a Folha e afins continuam tratando as manifestações paulistanas de alguma centenas de pessoas de 2013 com as manifestações das várias primaveras no mundo afora. Ainda bem que o cara entendeu a origem das manifestações de 2015 no Brasil…

    Mas a Folha e afins continuam ignorando as manifestações dos professores ou dos trabalhadores.

    É a “liberdade de expressão” à la imprensa brasileira.

     

  7. “No momento em que o governo

    “No momento em que o governo atual percebeu que poderia haver um aumento da inflação, deveria ter restringido o gasto público, e não o fez.”

    A inflação esteve dentro do combinado em todos os anos, Professor. Os empresários fizeram greve de investimentos por causa da chacrinha eletoral, que começou em setembro de 2012, e da manipulação das manifestações públicas.

    “Mas o aparato do PT bloqueou a possibilidade de reforma.”

    O Congresso bloqueou, Professor, o Congresso. Liderados pelo bloco conservador e de oposição, Professor.

    “A comunicação social estava monopolizada até hoje ou pelo poder político, ou pelo poder econômico.”

    A comunicação social tem dono. Portanto ela É um ator político no jogo, Professor. Age mo partido político como já disse WGS. Conhece, Professor?

    A parte correta é:

    “Eu não creio que no Brasil, com a internet, exista mais agressividade no debate. O Brasil sempre foi agressivo. Nos tempos da ditadura, no final dos anos 60, anos 70, o debate não só era agressivo como se torturavam pessoas com impunidade.
     
    A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba. Na relação entre as pessoas, sempre foi violento. A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata. Esse é o Brasil que vemos hoje na internet.”

    Por isso que é uma tremenda irresponsbilidade brincar com essas coisas. Quem vai botar o gênio na garrafa depois?

  8. alienação
    Alienação total e irrestrita nesses comentários.
    A culpa com certeza é do FHC, não tenho a menor dúvida disso!

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