Por Fernando Nogueira da Costa[1]
Statu quo é uma expressão latina com significado de “no [presente] estado das coisas”. É uma redução da frase bélica in statu quo res erant ante bellu, ou seja, “no estado como as coisas se encontravam antes da guerra”.
Em inglês, a forma nominativa status quo é a preferencial. É também de uso corrente em português. Já status social refere-se ao “estatuto social”: honra ou prestígio associados à posição de alguém na sociedade.
Talvez a junção de ambas as expressões levante uma hipótese explicativa para o atual estado das coisas. O eleitor se depara diante da decisão entre o populismo de extrema-direita, ameaçador do pacto republicano-democrático, adotado após a ditadura militar (1964-1984), e o populismo em falar em no nome do povo a favor da legítima demanda social de mudança do status quo. Infelizmente, muita gente inculta com autoimagem de superioridade pessoal vê isso como ameaçador do seu status social.
Status social é a posição de cada pessoa na estrutura da sociedade. Psicologicamente, essa classificação social condiciona as relações culturais ou interpessoais, as oportunidades em redes de relacionamento por proximidade e as escolhas políticas. O status social não corresponde à posição objetiva em renda e riqueza, ocupada por cada grupo na dinâmica social, mas sim a um conservadorismo pelo medo de perda relativa.
Refere-se ao nível de valor social imaginado por cada pessoa possuir ou se dar o respeito de ser reconhecido como indivíduo particular. Esse individualismo é exacerbado quando se acha merecedor de toda honra e influência, devido a sua pressuposta competência.
Competência é a pretensão de mais de um indivíduo à mesma coisa. Impõe concorrência, disputa, competição. A Era Neoliberal, vivenciada durante décadas, deixou como herança cultural essa mentalidade individualista do Viés da Auto Seleção: o erro de pensamento do tipo “sempre eu”, seja eu uma vítima, seja eu premiado.
Por exemplo, o energúmeno candidato à reeleição, possuído pelo demônio, possesso, deu uma entrevista aos berros reclamando de ser uma vítima! Lamenta-se deixar de ir passear de jet ski e ter de ir às motociatas e se expor a eventual tiro de sniper! Diz só fazer esse “sacrifício” para não permitir o “comunismo” voltar ao Brasil! Vá ser anacrônico assim lá… na Guerra Fria antes do fim da URSS há mais de 3 décadas!
Grosseiro, rude, violento, ataca impunemente honras alheias, como a do candidato rival e a do presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Usa – como sempre usou – o dinheiro público em benefício privado. Retomou a antiga prática brasileira de “curral eleitoral”: beneficiar uma região ou uma camada social para obter influência e ser muito votado.
A origem da expressão vem do tempo quando o voto era aberto no Brasil. E o capitão-do-mato proclama “voltar a votar” em cédulas de papel, tal como é seu estimado “dinheiro vivo”. Nesses “bons tempos”, as regiões rurais formavam verdadeiros currais, onde, como um gado, os eleitores eram dirigidos pelo interesse escuso das elites.
Voto de cabresto é um antigo sistema de controle político abusivo, impositivo e arbitrário, praticado durante o período conhecido por Coronelismo. Ainda hoje, o voto manipulado ou imposto ao eleitor força-o a votar no candidato indicado pelo chefe político local: o “coronel” do agribusiness (sic) em favor do capitão “reformado”, em português claro, expulso do exército brasileiro. Subversão da ordem…
Pior é a servidão voluntária dos pobres de espírito ou incultos fiéis. Etienne La Boétie, em 1548, já explicava a maneira dos povos se submeterem, voluntariamente, ao governo de um só homem. Em primeiro lugar, pela força do hábito de quem está acostumado à servidão e tende a não a questionar. Em seguida, pela religião manipulada e pela superstição, criada por propaganda enganosa em torno da figura do líder messiânico por redes sociais de apoio com contrapropaganda baseada em fake News.
A servidão voluntária se refere à perda do desejo de liberdade. Imaginava La Boétie: “os homens, enquanto neles houver algo de humano, só se deixam subjugar se forem forçados ou enganados”. É possível os homens perderem a liberdade pela força, mas surpreende mesmo é não lutarem para reconquistá-la.
O ser humano resulta da educação recebida. Se os homens nascem sob o jugo social, são criados sob servidão religiosa, sem cultura para ver além dela, limitam-se a viver como desde quando nasceram, seguindo o costume ou conservando o status quo.
Com a perda da liberdade, esse ser humano se acovarda. Perde a energia para se rebelar, tem o ânimo abatido e não é capaz de grandes ações coletivas, isto é, políticas. O tirano percebe isso e, à vista desta inércia, faz tudo para impor sua ordem.
Com a própria estrutura do poder, o tirano submete uns por intermédio de outros: pastores, fazendeiros, militares, milicianos, políticos oportunistas etc. Sempre foi ao seu clã familiar quem ele privilegiou, acima de Deus e Pátria, quando clama o lema fascista.
Certos companheiros da caserna lograram aproximar-se dele ou ser por ele convocados, para serem cúmplices das suas crueldades em corte de políticas públicas, companheiros dos seus prazeres com dinheiro público e com ele beneficiários das rapinas sob um pressuposto manto de legalidade, tal como é o “orçamento secreto”. Os servidores têm de sofrer não só a maldade do caudilho – chefe militar de fiéis forças armadas irregulares – como também a de seus prepostos com assédios sexuais e morais.
No entanto, essa pirâmide de poder malévolo pode ser quebrada, caso a maioria do eleitorado queira se livrar dela. De fato, é espantoso ver um número imenso de eleitores crentes, dispostos a se submeter a uma preanunciada ditadura com mudança constitucional, como se estivessem encantados pelo (falso) mito. Não deviam temer o poder do potencial tirano, nem mesmo confiar em suas encenações “populescas”, se ele os trata desumana e cruelmente na sua prática presidencial.
[1] Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
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O pobre (o servo, o ignorante) é uma esfinge invertida. Não lança desafios, não indaga nada. Enquanto o intelectual fica tentando, inutilmente, decifrá-lo, o fascismo o devora.
Só há um caminho para que o pobre possa decifrar a si mesmo e aos outros, e escapa desse destino: a educação.
Não por acaso, ele é mantido na mais absoluta ignorância, de si, dos outros, e do mundo, há 522 anos.
O trabalho gramsciano de educação do pobre, necessariamente lento, não serve em um cenário como o nosso, de absoluto abandono e ignorância.
E qualquer trabalho revolucionário, desligado de circunstâncias externas favoráveis, ou será abortado, ou inexoravelmente esmagado, se vir a luz do dia. Os revolucionários de 50, 60 anos atrás, sonhavam ver a América Latina como o “Vietnam definitivo do Imperialismo”.
Esse tempo passou, subjugado pelos mantras neoliberais do “só o mercado salva”,ou seu irmão gêmeo, “fora do mercado não há salvação.”
E o pobre, a esfinge invertida, fica como um animal no zoológico, objeto da curiosidade dos visitantes (o intelectual) e fonte do lucro dos donos do zoológico (não precisa dizer quem é).
Lula recordou, a todos nós que sonhávamos com vitória no 1º turno, que ele nunca havia obtido essa graça. Algum significado isso tem?
Após o 30 de outubro, escreveremos, articulistas e comentaristas, um réquiem ou um suspiro de alívio. E descobriremos, de alguma forma, mais alguns vestígios do que vem a ser esse inacreditável inconsciente coletivo de que, afinal, fazemos parte, de alguma maneira.
Descobrir algo mais sobre si pode ser prazeroso, e útil. Ou deprimente. Mas o que descobriremos, creio eu, é a dimensão do nosso fascismo, do fascismo que existe entre nós, à nossa revelia ou não.
E isso é assustador. Que diabo de Alien sairá de nosso interior?