Aquiles Rique Reis
Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.
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Surpresa boa ouvir a irreverente Patativa, por Aquiles Rique Reis

Prezado leitor, antes de qualquer coisa, por favor dê só uma sacada em alguns versos tirados de músicas de Ninguém É Melhor do Que Eu (Saravá Discos), primeiro CD de Maria do Socorro Silva. Nascida em Pedreiras, no interior do Maranhão (terra em que também nasceu João do Vale), ela compôs mais de cem músicas. Dentre elas, está “Ninguém É Melhor do Que Eu”, que dá título ao disco: Sou muito ruim/ Mas ninguém é melhor do que eu/ Bebo, fumo, jogo e danço/ Faço os compromissos meus/ Dentro do samba eu sou/ Um taco animada/ Desempenho o meu recado/ Eu tenho uma grande fé em Deus.

E também “Quem Diria”: Que tristeza no meu lar/ não tem mais alegria/ Foi embora/ Minha Maria não voltou mais/ Quem diria/ Quem diria/ Que ela ia abandonar/ O nosso lar/ Que tinha tanta harmonia.

E esse sucesso popular nas quebradas são-luisenses, “Xiri Meu” (no Maranhão, xiri é o órgão sexual feminino): Menina da saia verde/ Casaco da mesma cor/ Pega no meu de mijar/ E bota no teu mijador.

Assim, com sinceridade e irreverência, Maria do Socorro entrega o jeito como leva a vida. Mas tem outra coisa, paciente leitor, caso você vá a algum bar ou feira de São Luís, não adianta perguntar por Maria do Socorro, não. Adianta, isso sim, nos bairros da periferia de São Luís, onde pessoas humildes cantam seus sambas, perguntar por Patativa, e lá estará ela cantando seus sambas, alguns apelidados de “samba de cachaceiro”: curtinhos, que é pra não esquecer a letra.

Em 2014, ao completar 77 anos, ela teve sua atuação na boemia vista por Zeca Baleiro (também diretor da Saravá Discos) e por Luiz Jr. Esses dois maranhenses se dispuseram a juntar suas atribuições e o resultado foi o disco de estreia de Patativa. Com arranjos e produção de Luiz Jr., que ainda tocou cordas variadas (do banjo ao cavaco, do violão de sete à guitarra), o álbum contou com a participação de nove músicos instrumentistas, sendo seis do Maranhão de Patativa e três arregimentados em São Paulo.

Certamente buscando dar maior visibilidade a Patativa, que aqui pelas bandas do Sudeste ainda é desconhecida, Zeca Baleiro optou por dividir uma das faixas com ela e convocou outros dois grandes nomes da música para participar do disco: Simone e Zeca Pagodinho.

Tais adesões, pelo aval que geram, agregam prestígio e chamam atenção para voz de Patativa – quase alegórica, simbólica e amadora, de uma senhora que, embora tardiamente, a todos atrai não só pela música que canta, mas também pelo jeito libertário como põe o mundo em seus versos. Mundo no qual as vozes de Zeca Baleiro, Simone e Zeca Pagodinho transitam com evidente entusiasmo.

É difícil imaginar quantas Patativas ou quantas Clementinas de Jesus existam espalhadas pelo Brasil, sem encontrarem quem lhes traga à luz o cantar ancestral. Feliz de nós que existam os Zecas Baleiro e Hermínios Belo de Carvalho. Graças a eles, podemos conhecer mulheres que venceram barreiras da discriminação e nos emocionam com sua picardia musical.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

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