Terremotos e daí?, por Heraldo Campos

Nos anos 70 e 80, a pergunta que se fazia era se o governo militar instalado pelo golpe de 1964 estava preocupado com estudos geológicos

Parte de feixe de falhas geológicas, alinhado na direção nordeste, em recorte do mapa hidrogeoquímico da região do Vale do Paraíba e Litoral Norte do Estado de São Paulo (Campos, 1993) [1]

Terremotos e daí?

por Heraldo Campos

“Os popularmente chamados terremotos, tremores de terra ou abalos sísmicos podem ser originados, simplificadamente, por três diferentes processos. Podem ocorrer devido à evolução de cavidades no subsolo através da dissolução das rochas pelas águas subterrâneas, provocando afundamentos ou desmonoramentos na forma de colapsos catastróticos como os que aconteceram em 1986 em Cajamar (SP).

Outro tipo de terremoto pode estar associado às atividades vulcânicas. (…).

Um terceiro tipo é motivado pela separação das placas continentais que acabam se chocando umas com as outras. (…).” [2]

Além desses três tipos mencionados, poderia ser acrescentado um quarto tipo, como sendo aqueles terremotos que ocorreram na última semana de agosto de 2020 “(…) na região do Recôncavo Baiano, que atingiram até 4,6 na Escala Richter. As imagens da mercadoria caindo das prateleiras de um supermercado nessa área dos abalos sísmicos chegaram a assustar. Na cidade de São Miguel das Matas as casas atingidas pelos tremores apresentaram várias rachaduras.

As falhas geológicas quando reativadas são as principais responsáveis pelos terremotos.

Apesar do Vale do Paraíba e do Litoral Norte do Estado de São Paulo estarem cerca de 2.000 km de distancia dessa região, existe um fator em comum entre elas que é a direção nordeste na qual se encontram alinhadas as falhas geológicas, mesmo que representem compartimentos geológicos e zonas sismogênicas distintas.        

(…)

Guardadas as devidas ressalvas mencionadas, sobre os compartimentos geológicos e as zonas sismogênicas distintas, para as regiões do Recôncavo Baiano, Vale do Paraíba, Litoral Norte e acrescentando nesse cenário, a Praia de Itaorna em Angra dos Reis (RJ), poderíamos pensar, de maneira bem simplificada, que todas essas regiões estariam assentadas numa grande avenida, com alinhamentos de falhas geológicas de direção nordeste.  

Nos anos 70 e 80 do século passado, a pergunta que se fazia era se o governo militar instalado pelo golpe de 1964 estava preocupado com estudos geológicos desse tipo, que alertavam para as zonas sismogênicas, uma vez que na Praia de Itaorna foram construídas, ao longo dos anos, as usinas nucleares de Angra 1, 2 e 3.”

Por outro lado vi, recentemente, a professora da Universidade de São Paulo, a filósofa Marilena Chauí, numa entrevista na TV. Ela se referiu ao cinismo e a crueldade do messias redentor do último governo federal com o seu famoso “e daí?”, deixando como um dos seus legados, para o país da jaboticaba, o neo-fascismo e a extrema direita com suas manguinhas para fora.

A destruição das instituições, entre elas as universidades, com a entrega desse importante patrimônio público para o setor privado dar as cartas e ditar as normas do jogo, parece que foram postas na mesa nesse período. Os movimentos sociais, nas suas mais diferentes formas de atuação, podem e têm força para brecar essa tendência nefasta e manjada que aconteceu, principalmente, nas universidades públicas com a aplicação da receita do “sucatear para privatizar” e do “dividir para governar”.

Será que, numa hipótese macabra, tivesse ocorrido um acidente nuclear em Angra dos Reis (RJ) por causa de um terremoto, durante o governo militar existente no período de 2019 a 2022, as populações que habitam esse municípcio e região teríam ouvido um sonoro “e daí?”, como foi durante um bom tempo da pandemia do coronavírus e sem vacina?

Lamentavelmente, essa hipótese não pode ser descartada. Mas, como voltamos a ter um governo que preza o diálogo e a democracia, espera-se que a população angrense tenha treinamento suficiente para saber onde deve ir em caso de algum infortúnio geológico porque, salvo melhor juizo, o ubatubense que vive cerca de 160 km dessa região talvez não saiba o que fazer, nem para onde ir. Terremotos e daí?

“Não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmaremos.” (Paulo Freire)

Heraldo Campos – Consultor em Hidrogeologia

Fontes

[1] (Campos, 1993)

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/44/44134/tde-02092013-101042/pt-br.php

[2] Terremotos e dentes

Acervo Folha de 26/09/1993. Caderno Folha Vale. https://acervo.folha.com.br/

[3] Avenida Itaorna

Redação

2 Comentários

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  1. Existem usinas nucleares em várias regiões do globo sujeitas a terremotos, inclusive de intensidade muito superior aos sismos que possam ser provocados por essas falhas na placa sul-americana. Logo, não é adequado esse silogismo reducionista “terremoto + usina nuclear > vazamento de radiação”.

    O que precisa ser melhor difundido e explicado é qual nível de tremor uma usina como as nossas poderia suportar sem a ocorrência de acidentes, de modo estratificado: danos aos sistemas de utilidades e interrupção da geração de energia; danos internos ao reator; vazamento de radiação para outra camada de contenção; vazamento de água radioativa do circuito primário para o secundário; vazamento de água radioativa para o mar; vazamento de radiação para o ambiente; dispersão de material radioativo para a atmosfera e solo, entre outros. Nossos reatores PWR e nossas usinas são certamente mais seguros que Chernobil e Fukushima, por exemplo, e mesmo em caso de manutenção deficiente e/ou violação de políticas operacionais sobrepostas a um forte terremoto, há características construtivas que ainda asseguram algum grau de segurança.

    Se a tecnologia fosse tão vulnerável assim, como pensa o senso comum, teríamos acidentes radioativos todos os anos no mundo.

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