Cesar Locatelli
César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.
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Trabalhistas ingleses fulminam discurso de inevitabilidade da austeridade, por César Locatelli

Em seu manifesto, com vistas à eleição de dezembro, defende explicitamente os interesses dos trabalhadores com financiamento vindo dos ricos, das empresas e do sistema financeiro.

Trabalhistas ingleses fulminam discurso de inevitabilidade da austeridade 

por César Locatelli

Ao invés de ficar tentando conciliar interesses inconciliáveis, o partido Trabalhista inglês resolveu fazer o óbvio. Em seu manifesto, com vistas à eleição de dezembro, defende explicitamente os interesses dos trabalhadores com financiamento vindo dos ricos, das empresas e do sistema financeiro.

O imposto de renda no Reino Unido tem, hoje, as seguintes alíquotas: isenção até 12,5 mil libras, alíquota de 20% entre 12,5 e 50 mil, alíquota de 40% entre 50 mil e 150 mil, e alíquota de 45% para a renda que exceder 150 mil libras.

No plano apresentado por Corbyn, o imposto de renda para quem ganha até 80 mil libras ficará congelado. A renda que superar os 80 mil, até o limite de 125 mil, terá alíquota de 45%, um aumento de 5%. A renda que superar o valor de 125 mil libras pagará 50%.

Uma pessoa que receba 100 mil libras anuais, cerca de 530 mil reais, pagará 1.000 libras (5.300 reais) a mais de imposto por ano. O imposto de quem ganha até 430 mil reais por ano (80 mil libras) não sofrerá alteração.

As empresas com lucros inferiores a 300 mil libras (1,6 milhão de reais), que tem alíquota atual de 17%, passarão a 19% em 2020, a 20% em 2021 e a 21% em 2022 e 2023. As grandes empresas, com lucros superiores a 300 mil libras, que pagam a mesma alíquota de 17%, passarão a 21% em 2020, a 24% em 2021 e 26% em 2022 e 2023.

O desnível entre as alíquotas do imposto de renda e dos ganhos de capital será extinto. O que significa taxar dividendos e ganhos de capital, por exemplo na venda de ações, às mesmas alíquotas do imposto sobre a renda.

Com essas elevações de alíquotas, e outras medidas, o partido prevê um aumento de arrecadação de 82,9 bilhões de libras, no exercício fiscal de 2023-2024. O que significa um aumento de arrecadação de aproximadamente 445 bilhões de reais, na cotação de hoje do Banco Central.

Onde será usado esse, quase, meio trilhão de reais? Bem, em primeiro lugar para varrer do mapa o discurso da inevitabilidade da austeridade. Em segundo lugar para financiar adequadamente o SUS deles e a educação pública, para diminuir o déficit habitacional, para reestatizar serviços públicos, para encarar de frente a mudança para uma economia livre de combustíveis fósseis, entre outros objetivos.

O sistema de saúde (National Health System – NHS)

A avaliação dos trabalhistas é que uma década de governos conservadores provocou uma grande deterioração no atendimento de saúde à população por conta de constantes cortes de recursos. A estimativa é de que há 100 mil vagas não preenchidas, entre as quais 43 mil enfermeiras, e um déficit de 15 mil leitos hospitalares. Assim, as prioridades serão reequipar, contratar e estancar o processo de privatização.

O sistema educacional (National Education Service)

Os anos dos governos conservadores transferiram os custos da educação para os estudantes, para os trabalhadores da educação, para professores e para as comunidades, afirmam os seguidores de Corbyn. Os cortes nos orçamentos atingiram desproporcionalmente as áreas mais carentes. Cerca 1.000 creches foram fechadas desde 2010, aponta o plano do partido. O plano prevê educação gratuita para todos, dos primeiros anos até a fase adulta. Cerca de 150 mil novos funcionários serão contratados. O processo de automação e a ‘Revolução Industrial Verde’ demandarão treinamento e desenvolvimento de habilidades por toda a vida adulta, previstos no plano trabalhista.

Habitação

Não há exemplo mais contundente do estado de falência do sistema de habitação do que o incêndio do Grenfell Tower, que matou 72 pessoas, afirmam os trabalhistas. O plano é construir um milhão de casas, com financiamento público. Parte das moradias devem ser administradas por conselhos locais (council housing) e associações de moradores, no período de dez anos.

O plano prevê, ainda, medidas para conter os altos aluguéis e a baixa qualidade de imóveis onde residem mais de 11 milhões de pessoas. Cerca de 125 mil crianças vivem em acomodações temporárias e inadequadas para seu desenvolvimento. O partido pretende atacar as causas que levam à situação de rua com mais casas a preços accessíveis e mais direitos para quem as aluga.

Economia e energia

Os conservadores desperdiçaram uma década protegendo os interesses dos grandes poluidores, ataca o plano trabalhista. A “Revolução Industrial Verde” remodelará a economia, transformando as fontes de energia, a indústria, os transportes, a agricultura e as construções. Serão criados um milhão de empregos para essa transformação.

Para financiar as ações serão criados um fundo de 400 bilhões de libras (2,1 trilhões de reais), Fundo Nacional de Transformação, e um banco, Banco Nacional de Investimento, para suprir 250 bilhões de libras (1,3 trilhões de reais) em financiamentos a empresas, inovação e infraestrutura, no prazo de 10 anos. Eles entendem que a redução das emissões de carbono também precisa envolver o Ministério da Defesa, um dos maiores consumidores de energia. A Defesa fará parte do Comitê de Sustentabilidade da Mudança Climática.

A rede de companhias privadas do setor de energia falharam em promover o corte de emissões de carbono na velocidade e na escala necessárias. O plano prevê, portanto, a criação de empresas públicas para acelerarem e coordenarem o investimento em  energia renovável e de baixa emissão de carbono.

“Estatizaremos ferrovias, correios, água e energia para acabar com a grande exploração da privatização e para poupar o dinheiro que você gasta em tarifas e contas,” prometem.

 

 

Cesar Locatelli

César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

1 Comentário

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  1. Mais uma vez César Locatelli traz até nós temas fundamentais que, sem ele, não teríamos como conhecer. Devemos agradecê-lo por isso. E que Corbyn vença, para pôr em prática esse plano antineoliberal na terra onde foi implantado, há muitos anos, o neoliberalismo da Dama de Ferro.

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