Trajetória cambial brasileira (um incentivo às avessas)

Desde 1999 a política econômica brasileira se alicerça em um tripé: i) meta de superávit primário como princípio de política fiscal; ii) Meta de inflação na condução da política monetária; e iii) câmbio flutuante. Os três fundamentos se propõe independentes, mas há espaço para uma argumentação em contrário: a meta de inflação – que pode ser conquistada sob qualquer mecanismo – é o elemento principal da política econômica e as outras duas pernas do tripé a acompanham. Por essa perspectiva, a meta de inflação vem sendo conquistada com a prática de taxas de juros excessivamente elevadas, não para contração da demanda, conforme os manuais de economia pregam, mas pela atração de capitais e consequente valorização do câmbio. A questão é que essa política, efetiva em termos de combate à inflação, cobra caro aos cofres públicos: 1 ponto percentual de taxa de juros equivale a R$ 31 bilhões [1]. Não bastasse isso, o efeito mais nefasto dessa prática é tornar os produtos internacionais mais baratos para o brasileiro, funcionando como um incentivo às avessas.

A taxa de câmbio é sempre tratada nos manuais de economia como uma variável nominal. Por esse motivo apresenta duas características fundamentais, não tem o poder de influenciar por muito tempo as variáveis reais como preço e quantidades comercializadas e não pode ser mantida fora de seu “valor real” por um período muito longo. O caso mais usual é apresentar a trajetória “real” para o câmbio como a paridade do poder de compra (PPC). Trata-se de uma visão pela qual, se um produto (ou cesta de produtos) custa um valor em moeda estrangeira, a taxa de câmbio deve ser aquela que iguala ambos os produtos, para que não seja mais barato comprar o produto no estrangeiro e revendê-lo no país. Dito de outra forma, se uma determinada cesta de produtos varia no Brasil e nos Estados Unidos de maneira diferente, a variação no câmbio deve ser aquela que estabelece a paridade entre as duas. Nesse sentido, a variação da taxa de câmbio deve ser proporcional ao diferencial da inflação nos dois países.

O quadro acima [2] mostra o diferencial de inflação brasileira em relação aos EUA a partir da taxa de câmbio de fevereiro de 1999 (R$ 2,064/US$ 1,00). O diferencial entre a área escura e a área mais clara é a apreciação cambial. Observa-se que houve dois ciclos de apreciação cambial, um iniciado em 2003 e que durou aproximadamente até 2008 e outro que se iniciou em 2009. Sem discutir os resultados no combate à inflação, a apreciação cambial torna os produtos mais baratos no exterior que no Brasil. Ou seja, a experiência brasileira é de que a taxa de câmbio está valorizada, em maior ou menor grau, desde meados de 2004 (difícil saber se essa mesma teoria vê 13 anos como curto ou longo prazo). Esse mecanismo incentiva importações e torna as exportações de produtos brasileiros mais caras no exterior. 

Para ficarmos em três exemplos, um veículo vendido no Brasil por R$ 87.900 pode ser adquirido nos EUA por R$ 57.759,77 à taxa de mercado. Utilizando-se a Paridade do Poder de Compra a partir de 1999, o preço adequado seria muito próximo ao brasileiro, R$ 86.928,51. Em relação a um telefone celular essa disparidade seria ainda mais danosa pois o preço deveria ser ainda mais alto que os vendidos em lojas brasileiras. O mesmo se observa no índice de um produto pouco elaborado e que a revista The Economist utiliza como parâmetro que é o preço do Big Mac em diversas economias.

A análise proposta é limitada por um lado, ao prescindir de determinar a relação entre a apreciação cambial e o combate à inflação e, por outro, ao assumir que a taxa de juros mantida em patamares elevados afeta a taxa de câmbio através da atração de capitais (Dólares basicamente) especulativos. Mesmo assim, a argumentação de que a taxa de câmbio vem sendo mantida em patamares apreciados é válida e suas consequências também. Mais que isso, é improvável que reformas trabalhistas, previdenciárias ou quaisquer que se proponha tenham a capacidade de tornar os produtos brasileiros competitivos no mercado internacional com a manutenção deste quadro. Dito de outra forma, não será possível vender um veículo a R$ 57.759,77 mesmo que se levem a zero os custos trabalhistas! Mais que isso, as reformas no estado para atrair divisas serão sempre insuficientes para a manutenção de um quadro que é absolutamente artificial: os incentivos recorrentes às importações e desincentivo à indústria local.

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[1] Esse valor equivale a 1% da dívida pública que, em fevereiro de 2017 foi de R$ 3,13 trilhões. http://g1.globo.com/economia/noticia/divida-publica-sobe-26-em-fevereiro-para-r-313-trilhoes.ghtml

[2] World Development Indicators – Banco mundial: https://github.com/ptoche/world-bank/find/master

[3] O Câmbio efetivo foi obtido com dados do Ipeadata em 28 de fevereiro de cada ano. Ipedata.gov.br

[4] Preço Honda Civic – https://carros.uol.com.br/listas/o-que-muda-entre-os-novos-civic-de-brasil-e-eua-veja-diferencas.htm

[5] Preço Iphone 7 – http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2016/09/iphone-7-chega-aos-eua-com-modelos-ja-esgotados-saiba-preco-de-lancamento.html

[6] Preço Big Mac – http://www.economist.com/content/big-mac-index

Redação

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