TRANSPLANTES avanços e percalços

                 

 

Por Marcos Luna

Médico, pós-graduado na Harvard University e professor de medicina da UFBA (Universidade Federal da Bahia)

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Ao celebrar a realização progressiva dos transplantes em nosso país, a ABTO – associação nacional dos transplantes de órgãos – não pode relegar as mazelas na logística da captação e distribuição dos órgãos e tecidos, mormente as impropriedades éticas e médico-sociais desta especialização, ainda nos dias de hoje. Ademais do mal-estar acadêmico e político refletido no Sistema Nacional de Transplante da Bahia, a tese científica, publicada em revistas internacionais da área que avalia a discriminação étnica no acesso à transplantação pelos candidatos de raça negra, os resultados clinico-cirurgicos e sobrevida desta população são de qualidade depreciável quando cotejados com a população de classe media e alta ao longo do tempo. Entre outros parâmetros mensurados pela metodologia aplicada pelo pesquisador, sobressaíram os números discrepantes entre a etnia branca e os afros descendentes, quando se considerava a adesão às medidas terapêuticas e diagnósticas para o controle das rejeições agudas e crônicas.

Fatos autênticos ou a inadequação de um processo de coleta amostral das populações mencionadas, ou ainda uma discussão enviesada da estatística selecionada pelos estudos? O bem da verdade seria apropriado destacar, que não há qualquer critério absoluto, clinica – cirúrgico e bioético, que possa implicar numa seleção restritiva à população afro descendente, inclusive na Bahia. Ate porque a nossa construção étnica é marcada pela miscigenação desde os seus primórdios, com escassas influencia européias. Todavia, existem de fato desigualdades socioeconômicas no consumo apropriado, ou equitativo, dessa bem sucedida terapêutica, a exemplo do “trafico de influencia” social.

A concisão deste espaço nos permite apenas o delineamento das diferenças de informação, quanto ao diagnóstico precoce, tratamento efetivo da doença renal, hipertensão e da diabetes, a cada dia mais prevalente na população africana. Ademais de uma adesão inconsistente, regularmente infreqüente aos serviços médicos públicos e particulares, alia-se a extremada dificuldade de mudar hábitos de vida, que incluem a dieta hipercalórica com alto teor de cloreto de sal e álcool, refeições de difícil digestão e rebeldia as determinações medicas; associando-se o descontrole da obesidade e da glicemia naqueles diabéticos. O renal crônico com aqueles atributos constitucionais e adquiridos pela cultura chega mais doente e tardiamente ao especialista. Conseqüentemente, mais restrito para as indicações e prognósticos de um transplante bem sucedido. A decisão de fazer ou não o transplante enfrenta a lista de espera com os critérios pré-estabelecidos em consensos das sociedades ou serviços de transplantes.

Estes impasses repercutem nos transplantes realizados no país, com uma queda de 6 % neste semestre de 2013 comparados com 2012. Saliente-se que dos 11.569 procedimentos realizados pelas equipes, 90 % são no âmbito do SUS. Regozijo para o dado que revela a diminuição da fila de espera no Brasil, onde para cada milhão de pessoas haja 13,5 doadores.  Na Bahia estes números ainda não são compatíveis com a sua demanda – a fila ultrapassa os dois mil doentes crônicos candidatos, com apenas 400 ativos na lista para o transplante renal – e capacidade hospitalar instalada. A população esta “intuitivamente esclarecida” do descompasso entre os serviços filantrópicos credenciados para o transplante e a sua sintonia com a defasagem sanitária da população.

Enquanto não houver a maestria do poder público estadual e federal para o Programa de Transplante da Bahia, a taxa de negação das famílias para o “compartilhar” de órgãos e tecidos continuará a mais alta do Brasil. Em compasso com o slogan da campanha nacional “Não deixe a vida se apagar”, localmente não relutaremos em conquistar uma integração profícua e efetiva, desprendida de interesses pessoais e serviços filantrópicos nem sempre transparentes, que obstaculizam a promoção da saúde de milhares de brasileiros doentes crônicos irreversíveis.  

 

 

Redação

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