Vinicius, a vitória da inclusão na sala de aula, por Luis Nassif

Quando o nome do aluno Vinicius Gonzaga Fávero foi anunciado, na colação de grau do Colégio Dante Alighieri, primeiro, os colegas ficaram de pé, aplaudindo. Depois, o salão inteiro acompanhou, com todas as famílias aplaudindo de pé. Vinicius caminhou rapidamente até o palco, para receber seu diploma de conclusão do ensino médio.

Eram cinco turmas se formando.

Na hora da Turma F, a sua, o jovem orador insistiu várias vezes no tema diversidade, na importância de julgar as pessoas pelo que são, independentemente do maior ou menor sucesso, da maior ou menor capacidade. Os dois professores oradores, um professor negro, Jackson Fergson, e a professora Márcia Celestini Vaz, fizeram discursos emocionantes reiterando a relevância da diversidade, da tolerância contra o ódio que se espalha pelo país, da importância dos alunos não apenas serem bem-sucedidos, mas se tornarem pessoas comprometidas em melhorar o mundo.

O sujeito de cabelo brilhantinado, que, algumas fileiras à frente, ousou gritar Bolsonaro na hora do Hino Nacional, ouvia tudo aquilo com ar apalermado e, vendo os demais pais aplaudindo, aplaudiu também, como um rinoceronte com um ponto de interrogação como focinho.

No evento anterior, o baile de formatura, os alunos criaram algumas premiações especiais, o Oscar do evento. Vinicius foi o primeiro agraciado, com dois títulos honrosos: o de melhor fotógrafo e o de melhor pessoa.

Vinicius tem síndrome de Down. Nasceu iluminado. Foi pensando nele que sua mãe, procuradora da República Eugênia Gonzaga, deu início à sua luta pela consolidação da educação inclusiva como política de Estado – aquela em que os alunos com deficiência são educados em escolas convencionais, com alunos sem deficiência. Baseava-se no que ouviu de pedagogas, sobre o papel essencial da inclusão no desenvolvimento das crianças, em vez de ficarem amontoadas em escolas especiais, servindo de álibi para captação de recursos públicos sem fiscalização.

Recentemente, a deplorável Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares) apresentou-se como litisconsorte em uma ação que tramitava no STF (Supremo Tribunal Federal), pretendendo permitir às escolas cobrar mais dos alunos com deficiência. Seu representante alegou aumento de custos, prejuízo ao ensino dos demais alunos e coisas do gênero.

Ali, na formatura de Vinicius, o auditório inteiro de pé, aplaudindo-o, mostrou a gigantesca lição de humanidade que seus colegas – e familiares – receberam, pela possibilidade de conviver com ele.

Nem vou dizer das suas virtudes pessoais, de suas tiradas de humor, de seu bom gosto musical, de seu espírito de pesquisa, da memória fotográfica e do imenso conhecimento acumulado em música popular brasileira. É capaz de mencionar o nome dos cinco irmãos de Carmen Miranda, dar todos os detalhes da vida de Dalva de Oliveira. Dia desses, ganhou uma aposta de mim e do Pelão (o maior produtor musical da história da MPB), acerca do nome completo de Vinicius de Morais.

Falar dessas qualidades poderia parecer uma maneira de distingui-lo das pessoas com deficiência e obscurecer sua principal qualidade, uma gentileza inata, cativante.

Meses atrás, preparou um trabalho fotográfico em cima de fotos históricas do colégio, refazendo os mesmos locais fotografados décadas atrás. A escola decidiu montar uma exposição e uma tarde de autógrafos. Vinicius imprimiu um convite para ser autografado. Para o evento, convidou colegas, os funcionários do Colégio que o ajudaram, professores, diretores. A todos tratava com a mesma lhaneza e chamava a todos pelo nome. Basta uma volta com ele pelo colégio para entender o carinho geral com que é tratado por todos, de colegas a funcionários. Não se trata de uma visão caridosa em relação a ele, mas da afeição genuína que se dá a uma pessoa especial por suas qualidades humanas.

Esse é o ganho geral. A convivência com a diversidade muda o ambiente, como demonstrou recentemente o Instituto Alana em um trabalho pioneiro junto às corporações. E permite um ganho inesquecível para as pessoas que têm oportunidade dessa convivência.

Anos atrás, na volta de um acampamento de férias, sua mãe ouviu agradecimentos emocionados de jovens monitores, pela oportunidade da convivência com Vinicius.

Em Poços de Caldas, a prima Terezinha montou um projeto pedagógica em sua escola, a Criativa Idade. Cada criança com deficiência é acolhida por todos os coleguinhas em uma reunião, na qual vão debater quais as brincadeiras que são adequadas para a nova coleguinha.

A grande batalha pela redenção do país terá nessa frente um ponto central. O país foi tão destruído pelo ódio e pelo aparecimento dos sentimentos mais primários, mais toscos, mais selvagens, que a reconstrução começará pela redescoberta dos valores essenciais da solidariedade, do respeito ao próximo.

Luis Nassif

15 Comentários

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  1. Vinícius !

    Conheci Vinícius alguns saraus atrás, talvez em dezembro de 2012, acho.

    Conversei com ele naquele dia.

    No ano passado, bati um papinho bacana com ele outra vez.

    Lecionei para crianças com dificuldades especiais, chamados DCM, nos anos de 1973 a 1976. Foi estudando para poder fazer o de melhor em meu ofício que, eu professora jovem, aprendi a ser melhor PROFESSORA para todos os alunos. Graças a eles, então.

    Senti sua ausência nesse último sarau. Eugênia me falou mais um pouco dele, contudo.

    Ah, Vinícius, não falte a nenhum outro sarau, cara. Quero te ver sempre por lá, ok, ainda mais que sei de sua predileção por música. Por música boa.

    Parabéns ao Dante, por saber beber da riqueza.

    Abraço da Odonir

  2. Me falta conhecimento pra

    Me falta conhecimento pra avaliar o caso específico e as TESES genéricas defendidas pra que haja o acolhimento das crianças com dificuldades especiais de forma automática e indistinta.

    Como LEIGO intuo que há casos e casos  ..escolas e escolas  ..salas de aula e salas de aula ..professores e professores

    ..tratar no atacado talvez seja um dos fatores que ainda provoque certa resistência, e negar que tal empreendimento não exigiria de outros custos, inocência 

    ..doutra feita, quase que elementar, pensar que em se apartando se estaria ofertando o melhor do acolhimento e desenvolvimento a este (e demais) seres humanos, uma tontice

    ..se alguém puder nos trazer mais elementos práticos (e não experimentais ou excepcionais) pra nos ajudar a entendermos e  formarmos um melhor quadro do que se pretende, penso que seria bem interessante e proveitoso.

    1. Correto!

      Há casos e casos.

      O relato é de um jovem com capacidades aquém bem desenvolvidas. O que proporciona a facilidade de convivência e harmonia. Atrai a simpatia de todos também.
      No entanto, outras deficiências são bastante controversas quando se trata de inclusão. O surdo é um caso exemplar de dificuldade de inclusão, devido à sua língua. O português não é a lingua materna do surdo (surdo profundo) e sim a Libras. Nesse sentido, as escolas realmente não estão preparadas para recebê-lo. Um aluno surdo com pouco mais de 7 anos, não entende, não obedece e causa inúmeros transtornos durante a aula. 

      Há outras deficiências que também apresentam dificuldades latentes para a inclusão. 

      Acredito que a inclusão é importante, mas o debate deve ser mais amplo.

      1. JFO, a dificuldade é real.

        JFO, a dificuldade é real. Mas a inclusão é mais fácil que a exclusão. Libras é a segunda língua oficial brasileira. No seu exemplo do surdo de 7 anos, se ele entende Libras é porque seus familiares também entendem. O despreparo das escolas em recebê-lo é a dificuldade que deve ser transposta. Conheço escola que tem em seu Ensino Fundamental aulas de Robótica. Por que não de Libras ? Repito, Libras é a segunda língua oficial brasileira.

  3. Da mesma forma

    que a Odonir foi assim que conheci Vinícius e uso as mesmas palavras da amiga para saudar como a inteligência e o respeito à diversidade podem fazer melhor uma nação.

    Vinícius, querida Eugênia, Luís, os Daher amam vocês.

  4. Parabéns
    Conheci Vinícius, saboreando um café com você no Sá Rosa, em Poços. Ele é especial por ter superado tantas dificuldades, mas seria especial apesar delas. Parabéns a Eugenia e pra você também,.

  5. Nassif, em tempo de lobby das

    Nassif, em tempo de lobby das Apaes, vale a pena assistir a este vídeo sobre o relato de uma brasileira que mora nos EUA e que tem o filho com doença rara. Como Bolsonaro tem grande apego pelas coisas dos EUA, taí uma boa forma de aprender algumas lições positivas. Do vídeo, depreendemos alguns dados interessantes:

    1- O mesmo remédio pelo qual a brasileira pagava R$ 40,00 no Brasil, nos EUA custa US$ 200,00. Isto mesmo: quarenta reais no Brasil contra duzentos dólares nos EUA (este trecho está a 6:40 do vídeo);

    2- No Brasil, a orientação médica que a brasileira teve em relação ao filho foi para que ela o tirasse da escola. Nos EUA, a primeira orientação da médica norte-americana que atendeu a criança foi para que a brasileira matriculasse o filho na escola. “Qual escola? Onde?” – perguntou a brasileira. “Na escola mais próxima da sua casa” – respondeu a médica. Ou seja: todas as escolas dos EUA estão preparadas para receber as crianças que, no Brasil, seriam segregadas.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=tuja5oTfGjQ align:center]

     

  6. Aluno Vinícius.
    Emocionada…como professora no município de Santos, e a 1° a aceitar aluna Dow nos anos ,80, na época não havia inclusão, ( Alice,seu nome),e a 1° a aceitar, já como diretora de creche,(2005)uma outra. Fui ser diretora de uma grande escola inclusiva: Dow, surdos,D.M.,e outras necessidades especiais. Meus anjos!! A luta valeu. Valerá sempre. Porque o que nos move é o afeto e a dignidade Humana. Humanos!! Vinícius, Alices, Julianas,…. lágrimas. Viva a vida alegria. Obrigada.

  7. Vou fazer uma pergunta que

    Vou fazer uma pergunta que pode soar indevida. Mais sensíveis poderão até julgar preconceituosa. Esclareço, no entanto, de coração, que o que a move é a dor, a depressão, a tristeza : Quem Lula deveria ter indicado para Ministro do STF, ele ou o irmão ? 

    1. Só para ficar claro, o irmão

      Só para ficar claro, o irmão do “ele” é um garoto maravilhoso, com Sindrome de Down, que com alegria incontida levantou-se na platéia para beijar o Ministro no dia de sua posse. Certamente não manteria Lula preso se tivesse esse poder.

  8. Vinicius
    Prezado Nassif,
    Essa história de vida é a prova provada de que não podemos desistir da resistência e da utopia.
    Digo isso em memória de meu primeiro filho, Victor Emmanuel, que tinha síndrome de Dow e nos deixou aos 6 meses de idade.
    E também pela vida de meus outros filhos, Matheus e Júlio César, que nos fazem ver que a vida vale a pena, se a alma não for pequena.
    Parabéns!
    Você me inspira.

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