Violência obstétrica: médico se recusa a aplicar anestesia em parto normal

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Estadão

Jornal GGN – Mais um caso de violência obstétrica retratado pelo blog Ser mãe é padecer na internet, do Estadão. A arquiteta Karine Possamai [foto] enfrentou o drama e frustração de ver o sonhado (e planejado) parto normal e humanizado esbarrar nos interesses próprios de médicos e operadoras de planos de saúde.

Segundo a reportagem abaixo, Karine viajou de uma cidade a outra para ter a filha no hospital que acreditou ser o mais adepto do parto humanizado. Para garantir que tudo desse certo e suas vontades fossem respeitadas, ela aceitou uma cobrança extra por parte do plano de saúde – ela não estava na carência – para ter uma equipe médica “confiável” à sua disposição.

Mas na hora H, o anestesista que foi pago previamente se recusou a ir ao hospital para atendê-la em meio a uma tentativa de parto normal. Ele teria informado que apenas iria se deslocar até a unidade de saúde se Karine aceitasse a cesárea, porque a cirurgia é mais “rápida”, ideal para os profissionais que não gostam de esperar a evolução natural do parto. O resultado? Karine, cansada de sentir dor, acabou aceitando a cesárea.

Por Rita Lisauskas

Nem pagando “por fora” grávida consegue ser anestesiada durante parto normal. “Só vou pro hospital se você fizer cesárea”, teria dito médico

Do blog Ser mãe é padecer na internet (Estadão)

A arquiteta Karine Possamai, 29, queria que sua filha, Anaísa, 11 meses, nascesse em um parto normal. Por isso fez todo o pré-natal na cidade de Brusque, que fica a 200 km de São Francisco do Sul, onde mora.  A maternidade escolhida foi a do Hospital Evangélico de Brusque, que afirma fazer o tão famoso e sonhado parto humanizado. O “assunto” de uma série de troca de e-mails entre Karine e o hospital, inclusive, era exatamente esse: parto humanizado. Mesmo tendo convênio para cobrir as despesas do nascimento da filha, Karine ainda pagou 1850,00 a mais para garantir sua escolha: 1000 para o hospital, 500 pelo anestesista e 350,00 pelo pediatra, prática controversa e considerada abusiva pelo Idec, Instituto de Defesa do Consumidor. Chegou a perguntar por e-mail se o valor extra da anestesia poderia ser devolvido na alta, se o procedimento não fosse feito. “O valor do anestesista é cobrado de qualquer forma mesmo que não seja usado anestesia, é um valor acordado pois o anestesista fica de sobreaviso”, respondeu a tesouraria do hospital.

 

Assim que entrou em pródromos, fase com contrações irregulares que precede o trabalho de parto, Karine e o marido viajaram para Brusque e se hospedaram em um hotel. Foram para o hospital horas depois da chegada, às 23:30, assim que o trabalho de parto engrenou. Às 5:30 da manhã Karine pediu anestesia. “Eu implorei por analgesia. O obstetra saiu da sala dizendo que ia ligar para o anestesista, que estava em casa, de sobreaviso. O médico voltou minutos depois informando que o anestesista não iria me atender. Que só viria ao hospital se fosse para fazer uma cesárea, porque era um procedimento mais rápido”, lembra. “Eu e meu marido ficamos atônitos. Acabei aceitando a cesárea porque estava muito cansada”, conta.

A corretora de imóveis Graziella Richther, 34, também cedeu. Chegou ao hospital que atendia o seu convênio em Santos, litoral de São Paulo, com contrações e ouviu que “parto normal é assim. Com dor”. Se quisesse anestesia, teria de fazer uma cesárea. Com medo, Graziella aceitou a mudança de planos.

“Condicionar a anestesia na gestante no momento do parto à mudança de parto normal para autorização de cirurgia cesariana é violência obstétrica porque influencia negativamente a mulher, tirando dela a possibilidade de decidir”, afirma Ana Lucia Keunecke, diretora-jurídica da ONG Artemis, que luta pelos direitos da mulher. “É como uma chantagem: se quer alívio pra sua dor, tem que fazer cirurgia. O mais grave ainda é que isso acontece num momento de extrema vulnerabilidade”, completa.

Karine e Graziella têm plano de saúde. Nátali Santos, 23 anos, não tinha e foi atendida pelo SUS na Santa Casa de Maringá, no Paraná. Também não conseguiu nenhum tipo de alívio para a dor durante o nascimento do caçula, Joaquim, 6 meses. “Quando eu pedi anestesia o médico me olhou com cara de deboche, cutucou a enfermeira e disse que não estávamos nos Estados Unidos e que eu estava assistindo demais a programas sobre parto na TV “, conta.

Segundo o o obstetra e anestesista Antônio Clarindo, especialista em anestesiologia e obstetrícia pela Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, “não se pode subestimar a dor do parto”. Para ele, dar acesso a anestesia e analgesia à mulher em trabalho de parto é uma forma de ajudá-la a tentar o parto normal. “Teríamos, com certeza, uma menor incidência de cesarianas caso formas de suportar a dor fossem oferecidas às gestantes”, afirma. O Brasil ostenta um dos maiores índices de cesarianas do mundo: 82% dos partos na rede privada e 52% na rede pública são cirúrgicos, enquanto a OMS preconiza que esse índice não seja maior que 15%.

Clarindo encabeça um abaixo-assinado para que analgesia de parto seja um direito de todas as grávidas. Você pode ter acesso e participar dessa petição no link change.org/analgesia.

Em 2002, o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, em conjunto com a Sociedade Americana de Anestesiologistas, reafirmou sua posição de que o simples pedido da paciente seria indicação suficiente para anestesia ou analgesia durante o trabalho de parto e o parto, posição também defendida pelo Ministério da Saúde daqui.

Mas não é isso o que acontece. O vice-presidente da Febrasgo, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, Dr. Olímpio Barbosa, afirma que existem hospitais onde não há anestesistas e nem mesmo obstetras de plantão. “A  ANS, Agência Nacional de 

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

11 Comentários

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  1. Enquanto isso, no SUS, …
    Do DCM O motivo pelo qual uma médica cubana faz muito sucesso no semiárido de Alagoas  O UOL fez uma reportagem sobre o Mais Médicos, programa que completou dois anos. A reportagem citou uma pesquisa recente feita pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).  Foram entrevistadas 14 mil pessoas em 700 municípios entre novembro e dezembro de 2014. Os médicos do programa (os cubanos são 11.429 do total de 14.462 ) receberam, em média, nota 9 pelo atendimento. 55% dos entrevistados deram nota máxima ao programa. Outros 77% garantiram que tiveram boa comunicação com os médicos e 87% elogiaram a atenção e qualidade do atendimento ao paciente. O UOL foi a Girau do Ponciano, no semiárido de Alagoas. O município foi um dos primeiros a receber cubanos do programa Mais Médicos, em setembro de 2013. No posto de saúde onde a médica Madelyn Guerra Sanchez trabalha em Girau do Ponciano, diz a reportagem, a procura é maior que de outras unidades da cidade. O UOL ouviu Celiane Ferreira Gomes, técnica de enfermagem da unidade para entender o sucesso do posto de Madelyn. O depoimento de Celiane: “As pessoas vêm à procura do atendimento dela, não querem mais os brasileiros. Os brasileiros sempre saem mais cedo, faltam ao trabalho. Ela, não. Examina sempre, atende com mais proximidade. É diferente.” Alguma surpresa?

  2. E a estupidez não tem limites …
    Do DCM Estudante de medicina é chamada de “vadia”, “pobre” e “ignorante” em cerimônia do Mais Médicos Os médicos brasileiros continuam se superando. A estudante Ana Luiza Lima, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), denunciou, em seu perfil no Facebook, que sofreu ofensas após discurso na cerimônia de dois anos do programa Mais Médicos, em Brasília. Luiza falou sobre sua experiência e fez uma homenagem a Dilma. “Vadia”, “ignorante” e “médica vagabunda pobre” foram alguns dos adjetivos que afirma ter ouvido na sequência. Ela escreveu o seguinte: “Me pergunta, que tipo de sentimento é o medo? Te respondo — dos outros! O meu é o mesmo há várias luas…Deixa os verme falar pelos cotovelos eu ainda falo pelas ruas!!!!” – Emicida. Vim aqui pra deixar coisas claras. Vim falar porquê a minha garganta não aguenta o nó que se formou. E eu NUNCA fui de calar. Fui convidada a falar sobre a transformação que a educação causou na minha vida e sobre a alegria de cursar medicina. E assim escrevi um texto, de coração e de peito aberto. E hoje penso em tudo que eu disse e tudo que eu queria ter dito mas não foi ouvido. Minhas palavras ecoaram. Porém nunca foram direcionadas a NENHUM partido político. Foi o reconhecimento de um acerto e uma reafirmação do que eu acredito e luto.ADVERTISEMENT Fui atacada em minha página pessoal brutalmente por MÉDICOS E FUTUROS MÉDICOS, além de outras pessoas. O machismo e a elite mostraram sua cara. Fui chamada de vadia, de MÉDICA VAGABUNDA DE POBRE, ignorante, não merecedora de cursar medicina. Me foi dito que iam fazer de TUDO pra que eu não conseguisse emprego depois de formada. De que eu não sabia com QUEM estava lidando. Que eu merecia LEVAR UMA SURRA pra aprender a deixar de ser corrupta. Me mandaram CALAR MINHA BOCA NOJENTA DE POBRE E DE VADIA. De novo. Está tudo guardado, não para dar respostas. Mas porque aprendi desde cedo a não responder ódio com violência. Não. Eu NÃO tenho a SUA sede de sangue.

  3. Cada vez mais será necessário o “Mais Médicos”, ao menos por ora

    Saúde é uma mercadoria. Quem paga mais leva, ou senão fica sem, pois  existe demanda e falta oferta, resultado : inflação médica.

    Já que os Médicos Brasileiros são altamente mercantilizados, então a solução é globalizar o segmento, de forma a garantir uma maior concorrência e estimular a concorrência, para um atendimento mais adequado à clientela, seja em termos técnicos, quanto ao valor do serviço e também ao seu custo.

    Como faltam profissionais, ou os que existem não se interessam em atender às demandas, então nada mais justo que importar, ao menos para sanar a demanda existente, até a formação de um quadro suficiente em número e distribuição mas formado no Brasil, e assim sua perpetuação sempre proporcional ao crescimento da população e faixa etária.

     

  4. Prezados,
    Ok! Só não entendi

    Prezados,

    Ok! Só não entendi o final da matéria.

    Vai ficar isso por isso mesmo? Ninguém vai receber multa, ninguém vai preso? Ninguém tentou fazer nada com o anestesista?

    Francamente, eu não sei o que faria. Eu sei que me controlaria até minha esposa sair fora de perigo, depois disso, não sei o que faria com esse anestesista. 

    Para quem não sabe, essa é a realidade. O Brasil está com um percentual imenso de cesáreas simplesmente porque está formada uma máfia de profissionais desse tipo. Eles “gastaram anos estudando” porque sonhavam em ficarem ricos atuando como médicos. De preferência, conseguindo uns 15 a 30 partos em uma mesma tarde e maximizando os lucros. 

     

    1. Isso sem falar na nova “moda”

      Isso sem falar na nova “moda” entre os obstetras: a tal “taxa de disponibilidade para o parto”, na qual você paga, por fora, mais uns R$2.000,00 a título de disponibilidade do obstetra para efetuar o parto.

       

      Isso é um completo absurdo!!!!

  5. Não acho que valha a pena

    fazer o parto normal com anestesia. Eu tive as duas experiências, meu primeiro filho foi normal com anestesia e o segundo foi  normal sem anestesia. O fato é que eles esperam você ficar com a dilatação ideal para te dar a anestesia e você acaba sentindo 80% da dor! Então, é melhor encarar logo e fazer tudo sem anestesia mesmo.

    Quando me pedem para falar sobre a dor do parto eu digo que ela é a dor total, ela te toma de um jeito que nada existe além dela. É maior do que qualquer outra dor que eu já tenha conhecido. Mas passa e você sobrevive, como tantas e tantas mulheres das gerações passadas, somos mais fortes do que imaginamos. Não é preciso se acovardar perante a dor, este é um ponto para reflexão. Se eu tivesse um terceiro filho, seria por parto normal.

    Agora, a grande sacanagem do anestesista pressionar uma pessoa num momento tão delicado não deveria jamais ficar impune.

  6. Ora, ora direis…

    Na 2ª feira estava eu, descontraidamente em frente a minha casa, quando a AGENTE DE SAÚDE DO SUS, Imaculada, passou ME CUMPRIMENTOU CHAMANDO-ME PELO NOME e me perguntou se EU DESEJAVA MEDIR A PRESSÃO. Fizemos isso, anotou para passar para minha ficha no POSTO DE SAÚDE e comunicar ao Dr. Mauro Almeida, médico de família, que estava tudo bem comigo. 

    Ora, ora direis então…

  7. Deve processar todos
    Hospital, obstetra, anestesista, plano de saúde e quem mais estivesse envolvido.
    Um absurdo isso, esse medico iresponsavel não pode ficar impune

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