Jornal GGN – Em artigo no Intercept, Edward Snowden fala sobre os vazamentos e informações confidenciais, citando o seu próprio caso, o de Dan Ellsberg, Chelsea Manning, entre outros. Para ele, o ‘whistleblowing’ serve para que os cidadãos fiquem a par de medidas importantes dos governos, capacitando uma sociedade mais informada a defender a democracia.
Snowden também questiona a diferença entre uma vazamento aceitável e um inadmissível, afirmando que uma revelação só se torna aceitável caso não seja vista como uma ameaça para as prerrogativas da instituição.
Ele também afirma que os políticos norte-americanos tem mais medo da política em torno do terrorismo do que do terrorismo em si, dizendo que os juízes, em contexto pós-11 de setembro, se esforçaram para evitar rever leis e operação do Executivo no âmbito da segurança nacional.
Leia o texto completo abaixo:
“VENHO ESPERANDO por alguém como você há 40 anos.” Essas foram as primeiras palavras de Daniel Ellsberg quando nos encontramos pela primeira vez no ano passado. Dan e eu sentimos uma afinidade imediata, já que conhecíamos a dimensão do risco em revelar fatos secretos e ter nossas vidas irreversivelmente afetadas por isso.
Um dos maiores desafios de um whistleblower é aprender a conviver com a ideia de que há funcionários trabalhando em seus escritórios, assim como fizemos, espalhados por todas as unidades da agência de segurança, vendo o que você viu, conformados em silêncio, sem reagir ou reclamar. Eles aprendem a viver não apenas com inverdades, mas com inverdades desnecessárias, inverdades perigosas e inverdades nocivas. É uma tragédia dupla. Aquilo que começa como uma estratégia de sobrevivência acaba por prejudicar quem pretendia proteger e desvirtuar a mesma democracia que justificava tamanho sacrifício.
Mas, diferentemente de Dan Ellsberg, não tive que esperar 40 anos para que outras pessoas rompessem o silêncio através da revelação de mais documentos. Ellsberg entregou os Papéis do Pentágono para o New York Times e outros jornais em 1971; Chelsea Manning cedeu os registros das guerras do Iraque e do Afeganistão, bem como o material do Cablegate (telegramas diplomáticos dos Estados Unidos) para o WikiLeaks em 2010. Eu decidi fazer a minha parte 2013. E aqui estamos, em pleno 2016, e mais uma pessoa embuída de coragem e consciência disponibilizou um extraordinário conjunto de documentos que foram publicados em The Assassination Complex (O Complexo de Assassinato), um livro de Jeremy Scahill e da equipe do The Intercept. (Os documentos foram publicados originalmente em 15 de outubro de 2015 na reportagem The Drone Papers.)
Estamos começando a compreender este período em que políticas de Estado nocivas se escondem nas sombras, aquele interim em que atividades inconstitucionais podem ser levadas a cabo antes de serem expostas por atos de consciência. Essa compressão temporal é importante não só no âmbito das manchetes jornalísticas; ela permite que cidadãos tomem conhecimento de medidas importantes do governo, não como parte do registro histórico, mas de forma que possam manifestar suas opiniões diretamente através do voto. Em outras palavras, de forma a capacitar uma sociedade mais bem informada para defender a tal democracia que os “segredos de Estado” dizem proteger. Quando vejo indivíduos capazes de divulgar informações importantes, tenho esperança de que não vamos precisar questionar as atividades ilegais de nossos governos incessantemente, como uma necessidade constante, tentando erradicar irregularidades com a mesma frequência com que cortamos a grama. (O curioso é que algumas pessoas começaram a descrever as operações de assassinato por drones como “cortar a grama”.)
UM ATO ISOLADO de um whistleblower não altera o fato de que há inúmeros setores do governo operando por debaixo dos panos, fora do alcance da fiscalização da sociedade. Essas atividades secretas vão continuar, apesar das reformas constitucionais. Porém, os responsáveis terão de conviver com o medo de serem legalmente responsabilizados caso se envolvam em atividades contrárias ao espírito democrático – basta que apenas um cidadão seja impelido a frear os mecanismos dessa injustiça. Essa igualdade perante a lei é o fio condutor que sustenta a boa governança, já que o único medo daquele que move essas engrenagens é acabar sendo vítima delas mesmas.
Mas há esperança em passarmos de revelações extraordinárias para uma cultura de responsabilização na comunidade de inteligência. Assim, teremos dado um importante passo para a solução de um problema que existe desde que governo é governo.
Nem todos vazamentos são iguais, assim como seus responsáveis. O Gen. David Petraeus, por exemplo, forneceu à sua amante e biógrafa informações tão secretas que desafiam o próprio conceito de confidencialidade, incluindo os nomes de agentes secretos e as opiniões privadas do presidente sobre assuntos de interesse estratégico. Petraeus não foi acusado criminalmente, conforme o Departamento de Justiça recomendara inicialmente. Foi permitido que o general se declarasse culpado por uma simples contravenção penal. Se um soldado de baixa patente levasse diversos documentos confidenciais e os passasse à sua namorada para arrancar-lhe um sorriso, estaria sujeito a muitas décadas na prisão, e não a diversas referências de caráter de um quem é quem do Coração do Estado.
Há vazamentos autorizados, assim como há revelações admissíveis. É raro ver figuras do alto escalão pedindo explicitamente que um subordinado vaze o nome de um agente da CIA em retaliação a seu marido, como parece ter sido o caso de Valerie Plame. É igualmente raro que um mês inteiro se passe sem que uma figura do alto escalão revele informações confidenciais com interesses partidários, porém, evidentemente “nocivos à segurança nacional”, de acordo com nossa legislação.
Esse tipo de dinâmica pode ser observada no caso da “conferência telefônica catastrófica” da al Qaeda, na qual agentes de inteligência, provavelmente tentando exagerar a dimensão da ameaça terrorista e evitar críticas à vigilância em massa, revelaram a um site neoconservador relatos detalhados de conversas específicas que haviam sido interceptadas, incluindo a localização das partes e o conteúdo exato das discussões. Se acreditarmos nas alegações dos agentes, pode-se concluir que eles perderam uma oportunidade extraordinária de descobrir os planos e intenções dos líderes terroristas em troca de uma vantagem política efêmera nos noticiários. Ninguém parece ter se tornado mais disciplinado após o resultado daquilo que nos custou a capacidade de ouvir o conteúdo da suposta linha direta da al Qaeda.
SE OS DANOS causados e a autorização para divulgação não fazem diferença, qual a distinção entre uma revelação admissível e uma revelação inadmissível?
A resposta é o controle. Um vazamento é aceitável se não for visto como uma ameaça, como um questionamento às prerrogativas da instituição. Mas se todos os componentes distintos — não apenas a cabeça, mas suas mãos, pés e todas as partes do corpo — devem ser encarados como se tivessem o mesmo poder para discutir questões do interesse da instituição, há uma ameaça existencial ao monopólio do controle de informações no contexto político moderno, em especial quando falamos de revelações de irregularidades graves, atividades fraudulentas e ilegais. Se você não pode garantir que pode explorar sozinho o fluxo de informações controladas, então o conjunto de assuntos sigilosos de todo o mundo — incluindo os seus — representam mais um risco do que uma vantagem.
No outro extremo do espectro institucional, está Manning, um soldado raso, muito mais próximo da base da pirâmide hierárquica. Eu estava no meio da minha carreira profissional. Me reunia com o diretor-chefe de Informações da CIA, e estava orientando a ele e seu diretor-chefe de Tecnologia enquanto faziam declarações públicas como: “Tentamos coletar tudo e guardar para sempre”, e todo mundo achava aquilo um lema bonitinho. Enquanto isso, eu desenvolvia sistemas que eles usariam para cumprir essa promessa. Eu não orientava a ala política, como o secretário de Defesa, mas orientava a ala de operações, como por exemplo o diretor tecnológico da Agência de Segurança Nacional. Irregularidades por parte de oficiais podem servir como catalisadoras para que funcionários de todos os níveis revelem informações, mesmo que isso os coloque em risco, desde que estejam convencidos de que é necessário fazê-lo.
UM DOS ASPECTOS extraordinários sobre o ritmo crescente das revelações dos últimos anos é o fato de ocorrerem num contexto em que os Estados Unidos são vistos como uma “superpotência inquestionável”. Temos incontestavelmente a maior máquina militar da história mundial, respaldada por um sistema político cada vez mais disposto a autorizar todo o tipo de uso de força militar em resposta a praticamente qualquer explicação. No contexto atual, essa justificativa é o terrorismo, mas não necessariamente porque nossos líderes estejam particularmente preocupados com esse fenômeno, nem porque acreditem que o terrorismo representa uma ameaça existencial para a sociedade. Eles reconhecem que o número de vítimas mortais em acidentes de carros e por doenças cardíacas continua sendo superior ao número de mortes se tivéssemos um ataque como o 11 de Setembro por ano, no entanto, não vemos o mesmo investimento de recursos em resposta a essas ameaças mais expressivas.
No fundo, tudo se resume à realidade política de termos uma classe política que se sente obrigada a se defender contra acusações de fraqueza. Nossos políticos têm mais medo da política em torno do terrorismo – de serem acusados de não levarem terrorismo a sério – do que do crime em si.
O poder sem limites pode ser muitas coisas, mas não é um traço americano. É nesse sentido que o whistleblowing se torna cada vez mais um ato de resistência política. O whistleblower dá o alerta e ergue a tocha que lança luz sobre os fatos, perpetuando o legado de uma linhagem de americanos nascida com Paul Revere.
Os indivíduos responsáveis por essas revelações se sentem tão inflamados pelo que viram que se dispõem a arriscar suas vidas e sua liberdade. Eles sabem que nós, o povo, somos o mecanismo mais forte e confiável de controle do poder do governo. As fontes internas nos mais altos níveis do governo têm uma capacidade extraordinária, recursos extraordinários, amplo acesso à influência e ao monopólio da violência, no entanto, em última análise, há apenas uma figura que importa: o cidadão.
E estamos em maior número do que eles.
Retirado de The Assassination Complex: Inside the Government’s Secret Drone Warfare Program (O Complexo de Assassinato: Dentro do Programa de Guerra Secreto de Drones), por Jeremy Scahill e a equipe do The Intercept, com prefácio de Edward Snowden e posfácio de Glenn Greenwald, publicado por Simon & Schuster.
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Defendendo a liberdade que ainda temos.
Este é um verdadeiro herói destes tempos de capitalismo totalitário.
é mesmo…
raros ainda, mas que certamente serão seguidos, não substituídos, pelos que estão conseguindo se livrar das garras do sistema de vigilância………………………….
eles pensam que são mais inteligentes, mas, pasmem, sempre dependeram de um Snowden………………….
esquecem que a saída mais fácil ou vulnerável de qualquer sistema está justamente onde não há saídas
basta não se deixar iludir pela tecnologia, acreditar que é superior, porque de avançada não tem nada………………..
apenas mais beleza, brilhos, cores e movimentos
quem ensina, no nível de cérebro em que estamos, tem no mínimo já 60% da capacidade desconhecida
e quem pensa que…………….”tranca”…apenas 10
quanto a isto, podemos dizer até que os que trancam ainda não saíram da caverna
todo poder de sugestão que nos faz mais burros…
ou que nos empurra de volta para as cavernas……………………….porque todo repetidor é apenas burro
jamais será capaz de resistir aos que conseguem ver, não além, mas simplesmente através dele, porque quem vê através, vê porque toma conhecimento do interior……………………..quem vê além apenas pula, não soma conhecimento
Mais um IvanLeaks:
Tem tantas, mas tantas sentencas individuais que eu poderia ter escrito que fico ate sem graca de vazar assim por todos os poros. Ninguem me documentou exceto eu, e a unica “documentacao” que o governo fez na minha casa sempre teve intencao explicita de gigolagem e nada mais. Entao…
Falei pra voces do massacre de Orlando e do acidente em Hoboken poucos dias atras, nao falei? Pois eh. DEPOIS disso teve mais.
Lembram da garota achada no Bronx estuprada e quase morta, uns dois meses atraz? Pois eh. Quem resolveu o caso foi eu, nao me recordo o nome imediatamete.
Lembram de James Rackover? Eu tambem.
Mas esperem la que isso foi poucas semanas atras, nao foi?
Me perguntem se eu recebi pelo menos um “muito obrigado” dessas bichonas loucas complexadas contabilizando limpadas de cu na minha casa. Vai la, perguntem…
Quando Snowden menciona controle eu so lembro do complexo de inferioridade gigantesco dessas bichonas. Acho que ele esta se confundindo, de fato. Ele nao lidou com o que eu lido.
E esse comunicado secreto foi orgulhosamente vazado ao GGN por Ivan Moraes.