Araquém Alcântara, o fotógrafo que registrou o Mais Médicos

Jornal GGN – “O Brasil não conhece o Brasil, né? O Brasil sequer conhece seus brasileiros. E o que eu faço? Eu vou lá e mostro pra eles”, afirma o fotógrado Araquém Alcântara, que viajou pelo país para realizar uma reportagem sobre o programa Mais Médicos, que virou um livro lançada em 2015 pela sua editora, a Terra Brasilis.

Alcântara conta único apoio recebido do Ministério da Saúde foi transporte e ajuda de funcionários nos locais em que visitava para registrar o trabalho dos profissionais da saúde. “Há um certo distanciamento do sentido de brasilidade”, diz Araquém, que acredita que isto explica a hostilidade da oposição, da mídia e de associações de médicas em relação ao programa. “O maior é a falta de consciência de nação, mesmo. E se transforma nessa coisa triste: o cara não quer fazer nenhum esforço, ele quer toda a mamata do mundo porque ele é…médico. Ele é doutor”, critica.

Em entrevista para o site da CUT, Araquém conta mais sobre sua trajetória e seu trabalho pelo interior do país. Leia mais abaixo:

Da CUT

Ser contra Mais Médicos é desconhecer o país, diz fotógrafo
 
O premiado Araquém Alcântara, fotógrafo-viajante, conta seu entusiasmo com o programa de saúde que ele registrou em livro

Depois do início de carreira em jornais e revistas, o fotógrafo Araquém Alcântara ouviu um chamado, ele que diz ter um “xamanismo natural”. Ouviu e obedeceu. São 46 anos no meio das florestas, do cerrado, da caatinga, do pantanal, dos pampas e de todo o tipo de ecossistema brasileiro, registrando animais, plantas e, especialmente, pessoas. 

“O Brasil não conhece o Brasil, né? O Brasil sequer conhece seus brasileiros. E o que eu faço? Eu vou lá e mostro pra eles”, conta o fotógrafo, ao nos receber em seu escritório, uma pequenina casa na Vila Olímpia, São Paulo.

 Araquém havia voltado de quase um mês de expedição no Pantanal, onde caçava imagens para produzir um livro sobre a onça-pintada. Quando ficar pronto, será seu 50º livro, sem falar nas participações em edições coletivas.

Livro que ficou parado por um ano por conta de outro desses chamados que o fotógrafo diz ouvir. “A minha bem-aventurança é criar belezas, mas, sobretudo, reparti-las. A minha fotografia é feita para provocar, para dar prazer, para inquietar. Nesse contexto, eu percebi intuitivamente que estava diante de um belíssimo trabalho, acima de qualquer posição partidária”.

“Vou contar essa história”

Foi assim, num estalo, na cerveja de fim de tarde com o amigo Fausto Figueira Júnior, médico e à época assessor do então ministro da Saúde, Artur Chioro, que Araquém decidiu voltar aos ditos confins do Brasil para realizar uma longa reportagem sobre o programa Mais Médicos, criado no governo Dilma.

“Eu percebi um veio humanístico nesse projeto. Caralho, vou contar essa história”, relembra. O artista afirma que o único apoio recebido do Ministério da Saúde foi transporte e ajuda de funcionários em cada local que visitava para registrar os médicos participantes do programa e seus pacientes. Nasceu o livro “Mais Médicos”, lançado no final de 2015 por sua própria editora, a Terra Brasilis.

“Primeiro pensei: 700 municípios sem atendimento. Vai ter um velhinho que pela primeira vez vai ver um médico. E um jornalista estará lá. E o Araquém foi pra lá”, resume. “Essa coisa da essência brasileira, eu acho que entendi o caráter desse povo, andando bem perto dele. Quem não faz isso não percebe o caráter de um povo. Você vai entender os valores de um povo se estiver entre ele”, explica.Eu vou lá e mostro o Brasil, diz o fotógrafo

Neste ponto da conversa, o fotógrafo da CUT Roberto Parizotti, o Sapão, acrescenta: “O Capa (Robert Capa, célebre fotógrafo de guerra nascido na Hungria) falava isso. Se a sua foto não está boa, é porque você não está perto do objeto”.

Sentido de brasilidade

E, para Araquém, isso ocorre não só com fotógrafos, mas com a sociedade como um todo. “Há um certo distanciamento do sentido de brasilidade”, diz. Na opinião dele, esse é um dos fatores que provocou tanta hostilidade ao programa Mais Médicos por parte da oposição, da mídia e de corporações médicas. “O maior é a falta de consciência de nação, mesmo. E se transforma nessa coisa triste: o cara não quer fazer nenhum esforço, ele quer toda a mamata do mundo porque ele é…médico. Ele é doutor”, provoca.

Entre seus colegas, Araquém sentiu a mesma resistência à aventura do Mais Médicos. “Eu vi a mídia ignorando esse livro, e é um puta livro, meu irmão, feito com sangue, com suor”, diz, com vocabulário e sotaque de sua cidade natal, Santos (SP). “Vieram me patrulhar: ‘Pô, você está trabalhando para esse governo?’ Eu teria respostas na ponta da língua, mas é melhor não. São tão medíocres que não dá pra responder”.

Histórias

Formado jornalista e com talento também para redação, Araquém é um grande e pródigo contador de histórias. Desde o olhar fixo de uma onça sobre si até a experiência de sobreviver à queda de um monomotor na Amazônia, o fotógrafo vai contando um Brasil de pobrezas, destruição da natureza, ausência do Estado mas, também, de esperança, reforçada pelo que viu e viveu enquanto fazia o livro “Mais Médicos”.

“Conheci uma médica que descobriu que havia um grande índice de esquistossomose. Ela percebeu que as crianças tomavam banhos nos arrozais contaminados. Ela começou a fazer um trabalho social e diminuiu a esquistossomose. Pô, aí nós temos chance. É a presença do Estado”.

Entre as histórias vividas durante o livro, há o encontro com João Goulart Neto, médico que se inscreveu no programa para atender pessoas nos morros do Rio de Janeiro.

Reencontro de culturas

Em Poço Redondo, Sergipe, viu o reencontro de culturas salvando vidas e preparando o futuro. “Um médico que era da santeria cubana encontra uma quilombola parteira, a dona Josefa, da umbanda, que tinha feito não sei quantos partos, os dois se identificam, e estão mudando a história da comunidade. Como? O cara percebe nela uma liderança, se agrega a ela, os dois começam a fazer palestras de sexualidade para as crianças”, narra.Ele foi patrulhado em função do livro por, segundo ele, medíocres

“O Mais Médicos extrapola suas funções. É obrigado a conhecer e atuar na comunidade, porque se ficar de fora, morre na solidão”, diz o fotógrafo. Outra cena que o emocionou foi o encontro de uma idosa que, ao cruzar com o médico numa rua empoeirada do vilarejo, abraçou-o para agradecer o remédio que lhe havia curado. E deu a ele uma galinha de presente.

“As mudanças que vejo no país são mudanças de consciência, por intermédio de pessoas que agem localmente. E o Mais Médicos se insere nisso, sem dúvida nenhuma”, avalia.

Perguntado o que pensou quando o ministro interino da Saúde manifestou a intenção de eliminar os estrangeiros do programa Mais Médicos, Araquém dispara: “Eu não esperava outra coisa dessa excrescência de governo”. Ele diz que torce pela volta de Dilma. Se isso ocorrer, garante, fará uma segunda edição do livro “Mais Médicos”.

A seguir, algumas das fotos do livro “Mais Médicos”, cedidas pelo autor:

Redação

5 Comentários

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  1. Mais Médicos

    Que experiência fantastica. Eu teria amado ter podido fazer um documentario desse programa, nas diversas regiões brasileiras. Vou procurar o livro, adoro fotografias e acho que temos que apoiar iniciativas tais. Parabéns ao Araquém Alcântara por documentar essa maravilhosa experiência humana.

  2. Ser contra o mais médicos para mim é crime.

    Morei na cidade de Guajará no interior do AM entre 2005 e 2013, gerenciando a extensão rural do estado, portanto antes do programa mais médicos. (13.000 habitantes 6.000 no perimetro hurbano,  quando por lá cheguei tinham pouco mais de 10 residencias com banheiro.).

    Nestes 8 anos criei e procurei me envolver em todas as comissões que  visassem a promoção social e de saúde mesmo as não especificamente ligadas com a produção rural, minha área de atuação.

    Em nenhuma destas comisões durante estes 8 anos um médico se quer se ofereceu ou atendeu convite para uma palestrinha sobre saúde higiene pessoal ou saneamento.

    Não que não os tivessem, tinham, contratos do Gov do estado com ótimos salários e mais uns por fora da prefeitura, Se quer  moravam na cidade, preferiam ficar atendendo em seus consultórios particulares em Cruzeiro do Sul, a meia hora de carro.  Muitas das vezes mesmo em plantão só apareciam em Guajará quando chamados, e sem desculpa de falta de condições, Guajará tem um hospital novo, bem construído e aparelhado aaté para pequenas cirurgias.

    Nesta época foi contratado pelo serviço de endemia, antiga SUCAM, um veterinário cubano para gerenciar o combate ao mosquito da malária, anteriormente gerenciado pelo cunhado do prefeito.

    Tal como ouço falar dos cubanos do mais médicos, ele era um  trabalhador incansável. Em seu primeiro ano por lá com a mesma equipe e os mesmos recursos do gerente anterior, reduziu a incidência da doença em 80 % e se tornou meu companheiro nas comissões sociais mencionadas.

    É apenas o meu depoimento um mineiro da capital classe média e com os valores anseios e costumes da classe média urbana brasileira e apenas uma diferença: Morei e trabalhei no chamado Brasil profundo, por tanto falo do que sei.  Independente de ideologias, ser contra o mais médicos para mim é crime.

  3. Há esperança

    Quando leio sobre esses assunto volta a esperança num mundo melhor.

    O lamentável que tem muita gente querendo o pior para o proprio povo como esses conselhos de medicina que são gente estudada mas burra!

  4. Parabéns!

    O episódio mais vergonhoso desses tempos de ódio que estamos vivendo foi a demonização do “Mais Médicos” e a maneira como os profissionais estrangeiros (cubanos, principlamente) foram tratados pelos coleguinhas brasileiros.

    Que bom que Araquém Alcântara mostra um pouco desses homens e mulheres a quem só temos que agradecer. Lindo trabalho, lindas fotos.

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