Sobre a fala de Lula, por Diogo Costa

Foto: Ricardo Stuckert

QUAIS PODERES DESCOMUNAIS POSSUI UM PRESIDENTE?

Outra vez a esquerda se depara com situações concretas sobre as quais não costuma prestar muita atenção. Uma delas é a muito mais do que velha correlação de forças. Antes de ver isso vamos lembrar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu uma entrevista a uma rádio, salvo engano, da Paraíba, e falou sobre a dificuldade de se reverter algumas das medidas que estão sendo tomadas neste momento pelo consórcio dos assaltantes do poder[1].

A entrevista já bastou para criar um frenesi em alguns setores de esquerda, que acusaram Lula de ser conivente com a bandalheira empreendida pelos golpistas que usurpam o poder desde 12 de maio de 2016[2]. Evidentemente que a referida entrevista, se descontextualizada, pode servir como um aríete contra a liderança de Lula e como uma tentativa de desmoralização do mesmo junto aos setores populares.

Seria importante ler na íntegra o que Lula disse na entrevista, até para não incorrer em erros propositais de alguns nano setores que insistem na tentativa de desmoralização permanente contra o ex-presidente[3]. Como debater a respeito de conjecturas, não é mesmo? De modos que a partir da leitura completa da resposta dada ao radialista, se pode enriquecer o debate sem mistificações grosseiras. Sobre a reversão do desmonte dos golpistas, Lula disse:

Olha, primeiro é muito, e seria falso e seria dizer, olha, eu vou chegar e vou anular tudo. É preciso que a gente meça duas coisas. Primeiro a correlação de forças que você vai ter como resultado das eleições. E por isso que isso tem que ser bem trabalhado durante o processo eleitoral. Segundo, você não vai ser eleito pra ficar brigando com o ex governo. Você vai ficar brigando pra fazer as coisas que tem que fazer. Uma coisa as pessoas tem que ter certeza: eu sou defensor de que os trabalhadores tem que ter direitos trabalhistas; tem que ter as conquistas que eles tiveram garantidas. Eu sou favorável que o trabalhador não seja penalizado. Eu sou favorável a que um governo não gaste o que não tem. Mas o governo tem capacidade de endividamento e no caso de fazer investimento o governo pode se endividar pra fazer investimento em obra de infraestrutura e fazer com que o país volte a crescer. Porque somente assim é que a gente vai poder levar o Brasil a ser a quinta economia do mundo, como nós quase fomos em 2008. Eu estou convencido que o que eles estão fazendo não é reforma, eles tão demolindo as conquistas que o povo brasileiro teve a partir da CLT em 1943, com o governo do Getúlio Vargas. É uma pena que os empresários brasileiros, e sobretudo o Congresso Nacional, que deve ser o congresso ideologicamente pior que nós já tivemos nesse país, tente desmontar os direitos dos trabalhadores brasileiros, quase que querendo voltar ao tempo da escravidão. […]

Para além de tais ou quais falas de Lula, seria importante verificar a quantas anda a potência da esquerda brasileira. E por uma razão até bem simples: digamos que Zé Maria, militante do PSTU, vencesse o pleito presidencial do ano que vem. O PSTU, partido que completará 25 anos em 2019[4], lamentavelmente não possui sequer um único e mísero vereador em todo o território nacional. Como Zé Maria presidiria o país nestes termos?

Em termos institucionais (que obviamente não são os únicos que contam[5]) os partidos de esquerda estão muito debilitados no parlamento nacional. Neste ponto seria importante delimitar quais seriam estes partidos – sem nenhum tipo de ressentimentos ou sectarismos -, de modos que para mensurar a situação vamos considerar os seguintes partidos: PT, PDT, PSB, PC do B, PSOL e REDE.

Na Câmara dos Deputados possuem hoje 135 deputados federais entre 513 (26,3% do total)[6]. No Senado a situação é ainda mais dramática e os partidos de esquerda tem atualmente apenas 19 senadores entre os 81 existentes (23,4% do total)[7]. No parlamento como um todo os partidos de esquerda somam 154 integrantes entre as 594 cadeiras possíveis (25,9% do total). Será que a reversão completa do caos atual é algo factível dentro dessa situação?

Para superar os impasses e a camisa de força institucional será preciso fazer um grande trabalho junto aos movimentos estudantis, sindicais e sociais, bem como nas redes sociais, e explicar ao conjunto da população os entraves do sistema político-eleitoral[8]. Guilherme Boulos, em atividade conjunta com João Pedro Stédile, em Porto Alegre, falou da importância desse e de outros debates:

Boulos também chamou a atenção para o fato de que não foi a esquerda que rompeu com essa política de conciliação de classes, mas a própria burguesia. “Saiu a conciliação e entrou a exploração. A política do governo Temer envolve uma profunda repressão social. A PEC do congelamento dos gastos sociais. Nem os governos mais neoliberais que tivemos na América Latina, incluindo o de Pinochet no Chile, chegou a esse atrevimento. Com essa medida, definiu-se a política econômica dos próximos quatro governos. Uma das consequências disso é que não basta mais eleger outro governo. É preciso também ter três quintos do Congresso para reverter isso”.

Do mesmo modo que não se pode justificar a debilidade dos partidos de esquerda a partir de uma única variável, no caso específico a questão da correlação de forças, é preciso dar o destaque e a dimensão adequada que esse tema possui. Com um Congresso Nacional que tem 75% de representantes de direita ou centro-direita, fica difícil levar a cabo um programa autenticamente popular[9].

Para recuperar o protagonismo político a esquerda precisa se dar conta de que nenhum presidente possui poderes descomunais. O que ele pode é dar um rumo a seu governo e orientar algumas mudanças políticas importantes. Querer que um presidente faça uma revolução[10], tendo somente 25% de parlamentares no Congresso Nacional, é como querer que um ornitorrinco fale aramaico. Mesmo que este presidente seja alguém como Lula.

 

REFERÊNCIAS

 

MAISTV. Confira entrevista de Lula a Arapuan FM. Publicado em 07/2017. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=1QpV9PNdEMA

BOULOS, Guilherme.; STÉDILE, João Pedro. Stédile e Boulos apontam cenários, riscos da crise e os desafios para a esquerda. Publicado em 05/2017. Disponível em http://www.sul21.com.br/jornal/stedile-e-boulos-apontam-cenarios-riscos-da-crise-e-os-desafios-para-esquerda/


[1] MAISTV. Confira entrevista de Lula a Arapuan FM. Publicado em 07/2017. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=1QpV9PNdEMA

[2] MIGUEL, Luis Felipe. Do possibilismo raso à ausência de debate. Publicado em 07/2017. Disponível em https://jornalggn.com.br/noticia/do-possibilismo-raso-a-ausencia-de-debate-por-luis-felipe-miguel

[3] CARSTEN, Bruno. Lula afirma que não anulará reformas de Temer se for eleito em 2018. Publicado em 07/2017. Disponível em http://www.esquerdadiario.com.br/Lula-afirma-que-nao-anulara-reformas-de-Temer-se-for-eleito-em-2018

[4] PSTU. Um partido coerente, operário, revolucionário e socialista. Disponível em http://www.pstu.org.br/conheca/

[5] REGALADO, Roberto. Sistema vai impedir alternância de poder entre direita e esquerda. Publicado em 05/2017. Disponível em http://operamundi.uol.com.br/conteudo/geral/47201/sistema+vai+impedir+alternancia+de+poder+entre+direita+e+esquerda+diz+analista+cubano+roberto+regalado.shtml

[6] BRASIL, Câmara dos Deputados. Bancada Atual. Disponível em http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/bancadas/bancada-atual

[7] BRASIL, Senado Federal. Senadores em Exercício. Disponível em http://www25.senado.leg.br/web/senadores/em-exercicio

[8] GUIMARÃES, Juarez. A esquerda brasileira e o republicanismo. Publicado em 12/2016. Disponível em https://democraciasocialista.org.br/a-esquerda-brasileira-e-o-republicanismo-juarez-guimaraes/

[9] VALLEY, Marcio. A esquerda precisa centrar no legislativo. Publicado em 10/2016. Disponível em https://jornalggn.com.br/blog/marcio-valley/a-esquerda-precisa-centrar-no-legislativo-por-marcio-valley

[10] APARECIDO, Luiz. Mude a correlação de forças no Congresso! Publicado em 08/2010. Disponível em http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/forum/mude-a-correlacao-de-forcas-no-congresso/

 

Redação

14 Comentários

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  1. Lula, o mago

    Pois é, pegaram a varinha de condão do poder, fizeram todos os estragos e agora querem, por mágica que tudo volte ao que era sem qualquer esforço.

    Quem contribuiu para a sujeira que se engaje na limpeza.

     

  2. Tem uns e outros aí que se

    Tem uns e outros aí que se dizem de esquerda e que estão adorando a perseguição que é feita contra o Lula. Não duvido que estes comemoram quando da sua inabilitação eleitoral, se não explicitamente, ao menos intimamente. Essa gente coloca suas mágoas pessoais acima do país. Não há alternativa nenhuma construída sem o Lula, então sem ele, o país simplesmente é jogado à miséria. Mas eles não estão nem aí, fazem parte de uma classe média de esquerda, estão confortáveis materialmente, então podem assistir o país pegar fogo tranquilamente. É uma esquerda que não se importa se o povo for jogado à miséria e desesperança. Deveriam ser tratados como se trata a direita, porque o papel deles é igual ou pior do que o deles. 

    1. Ver é crer

      Correlação de forças é uma coisa muito simples em política levada a sério desde a segunda guerra mundial por socialistas, comunistas, social-democratas e democratas-cristãos de esquerda que lideraram as ações contra os nazistas em todas as cidades invadidas e depois tiveram de negociar com os americanos o poder que foi entregue às forças escolhidas pelos americanos. Isso a esquerda brasileira parece desconhecer totalmente por mais leituras de Marx e Lênin que saiba de cor ou diga que sabe. É uma esquerda voluntarista que acha que o querer alguma coisa basta para ter. Lula sabe negociar e sabe quando pode ou não alguma coisa  porque sempre lutou com a direita no movimento sindical e teve de entregar literalmente alguns dedos para conseguir benefícios para o CONJUNTO dos metalúrgicos e não só para alguns. Essa esquerda encastelada principalmente no meio universitário e de classe média não sabe nada da realidade bruta e amarga do próprio país pois nunca visitou pequenas comunidades do Nordeste ou do interiorzão do Brasil e muito menos viu com os próprios olhos crianças desnutridas morrendo de fome e as que sobreviveram sem nenhuma escola por perto.

  3. Educação, somente educação

    Não há outra saída, esta campanha politica de 2018, deverá ser de educação politica a população para que entendem como funciona o jogo e possam votar de forma coerente.

  4. E que tal um mea culpa de Lula?

    A encolhida (verbo e adjetivo) representação da esquerda no congresso e da esquerda como um todo na sociedade, não é apenas resultado do protagonismo da direita, é consequência também dos erros estratégicos de Lula ao priorizar o embate politico nas negociações com as forças de direita no congresso e na sociedade, desmontando a forte militância que o PT e os movimentos sociais tinham e fazendo concessões fundamentais à direita, inclusive à mídia!

  5. E que tal um mea culpa de Lula?

    A encolhida (verbo e adjetivo) representação da esquerda no congresso e da esquerda como um todo na sociedade, não é apenas resultado do protagonismo da direita, é consequência também dos erros estratégicos de Lula ao priorizar o embate politico nas negociações com as forças de direita no congresso e na sociedade, desmontando a forte militância que o PT e os movimentos sociais tinham e fazendo concessões fundamentais à direita, inclusive à mídia!

    1. .

      E quando foi que a representação de esquerda esteve maior do que é hoje em dia no Congresso Nacional? No auge dessa representação, no primeiro mandato de Lula, a esquerda, somada, não tinha nem 30% das cadeiras no parlamento. 

      O problema é antigo e não é fácil de resolver sem fazer uma ampla reforma política. 

  6. Como eu disse antes:  eu

    Como eu disse antes:  eu sinto vergonha de ler noticias do Brasil.  Felizmente, a unica criticas aa fala de Lula na radio que apareceu por aqui foi no FdP de ontem ou antes de ontem, da Sylvia alguma coisa -e a opiniao dela se desqualifica sentenca por sentenca.Ela PENSA que seria de esquerda, possivelmente em algum mundo de Poliana.  Uma lastima.  O comentario “critico” do Gilson um pouco abaixo faz a mesma coisa, felizmente sem o desqualificar pessoalmente -facanha que Sylvia nunca conseguiu.

  7. a irresponsabilidade tem preço

    A esquerda que só gosta de criticar aqueles que não são tão revolucionários quanto ela participa da culpa pelo êxito dos golpistas. Ajudou a engrossar jornadas de junho, acreditando que finalmente a revolta popular tinha avançado até onde ela, vanguardeira, estava. Para isto, fez beicinho para todos os avanços concretos, conquistas das negociações pragmáticas e trabalhadas com afinco.

    O preço desta acomodação incomodada é aguentar os retrocessos e os riscos de bloqueio do acesso do povo ao poder. Acredito que vivemos um momento de penitência. Pagamos pelos nossos erros de ou desprezar os riscos ou apontar erros onde mais havia acerto. A saída correta, sob todos os pontos de vista, seria anular o impeachment e recomeçar de onde começamos a cometer os maiores erros. Mas acretido que merecemos ser castigados por mais 18 meses de gestão Temerária e Maiada. Quem sabe nos sirva de lição.

  8. Uma coisa é certa, no governo

    Uma coisa é certa, no governo Lula a militância se acomodou. Muitas lideranças se encostaram em cargos políticos e acharam que estava tudo resolvido. Qdo a crise começou,  já no mensalão, se não fosse a economia favorável,  Lula  teria dançado.  No governo Dilma o esfriamento e apatia dos sindicatos só fez piorar. As lideranças envelheceram,  os novos movimentos que surgiram nao tinham nenhum vínculo com a esquerda. O novo engoliu o velho e tudo se perdeu. 

    1. So pra ficar nas primeiras

      So pra ficar nas primeiras duas sentencas:

      “Uma coisa é certa, no governo Lula a militância se acomodou. Muitas lideranças se encostaram em cargos políticos e acharam que estava tudo resolvido”

      QUAL “militancia” se “acomodou”.  Em como isso tem a ver com as “muitas liderancas” que se encostaram em  cargos politicos mais que Aecio?

      So pra ficar nas duas primeiras sentencas.  As proximas sao uma confusao de conceitos de dar medo:  voce REALMENTE pensa que eh de esquerda?

      E daria pra se enderacar ao assunto do post da proxima vez?

  9. Querem que o Lula fale o que

    Que vai por fogo no Brasil assim que assunir

    Vai impor o socialismo na marra e no porrete

    O Lula näo é trouxa, muito menos idiota.

  10. Análse Política Serena e Pertinente

    O texto é muito objetivo. Se avaliamos que devemos seguir pelos caminhos democráticos, preservando os espaços instittucionais que estão estabelecidos, a análise política aqui exposta é lapidar para ser adotada como ponto de partida para as ações e disputas políticas e os consequentes debates no âmbito dos movimentos estudantis, sindicais, sociais, bem como nas redes sociais. Concretamente a questão central é a necessidade de eleger, juntamente com o chefe do executivo, uma bancada vigorosa no congresso, cãmara e senado, para viabilizar a aprovação das propostas que no entendimento do grupo poítico do campo popular progressista, ou de esquesda se assim preferirem denominar, (PT, PDT, PSB, PC do B, REDE e PSOL), se constituiriam em medidas necessárias para colocar o país nos rumos da redução das desigulades sociais e econômicas e consequentemente na construção de uma sociedade mais justa com desenviolvimento e cidadania. Porém se o caminho a trilhar não for o espaço institucional em vigor, ou seja, eleição e o voto com todas as deficiências sistêmicas, o leque de opções se abre até onde a nossa utopia possa abarcar. Há revoluções para todos os gostos, desde as concebidas no âmbito dos limites institucionais do estado de direito até as rupturas destas.. No entanto faz-se necessário refletir sobre alguns pontos dentre muitos outros que a nossa vã filosofia não alcança..

    1 – Além do presidente, para modificarmos a constituição e revogarmos as emendas aprovadas na atual gestão, precisamos eleger 308 deputados federais e 49 senadores.  

    2 – Muito bem, então precisamos de uma aliança partidária “programática” ? Opa! Já está complicando. Alguém diria, não necessariamente. Mas para contarmos com todos os possíveis eleitos pelos seus respectivos partidos há que se considerar os mútuos acordos de apoio nas eleições em cada estado. Sim, na mesma eleição serão escolhidos mais 27 governadores e mais 1059 deputados estaduais. E quantos destes teremos que eleger ? E como é que se dão as mais variadas alianças pelos estados do país com todas as suas diversidades de formatos e cores ? Isto implicaria em barganha ? Opa ! È bom ligar o sinal de alerta. 

    3 – Considerando-se que o arco de possíveis alianças envolve os partidos elencados acima temos que nos perguntar se há hramonia sobre os temas e projetos que será defendido pela candidatura majoritária ao palácio do planalto. Mais uma vez o alguém diria, não necessariamente, cada um pode lançar os candidatos aos cargos majoritários que desejarem e quem for eleito, se for deste campo político, terá o apoio automático dos demais no parlamento. Será que é assim que funciona mesmo ? 

    4 – E o goveno que eventualmente for eleito será formado em seus diversos cargos de que maneira ? O alguém dirá: mas depois de tudo que este país viu e sofremos terá que ser diferente. Tudo escolhido de forma trasnsparente obedecendo a critérios éticos e de competência.  

    Bom, acho que é mais fácil fazer a revolução. Temos apenas que chamar o povo nas ruas, expulsar do poder os exploradores, opressores e indignos do poder e implantar um governo de pessoas comprometidas com o bem comum e a justiça social. Para isso temos apenas que convercer o povo e depois montar o governo. Isto não exige tanta negociação. Será mesmo? Do que o Lula estava falando mesmo ?    

  11. A correlação de forças institucional não favorece os operários

    Mas a luta pela libertação dos trabalhadores não se resume às instituições.

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