Aquiles Rique Reis
Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.
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Thiago Amud volta a assombrar com sua música

E então, o que faço agora [novamente] com esses [outros e novos] versos que me invadiram? Onde colocarei a palavra que hoje me deixa [outra vez] atônito? Para qual campina correrei? Em que oceano mergulharei? Sob qual treva vergarei? Para qual porto seguro irei?

Gente, que canção é essa que me jogou [de novo] no chão? Quem é ela que tanto me aflige sem que eu ao menos saiba como me pegou?

Que harmonia é essa que me causa [e ainda hoje] tamanha estranheza? Que melodia é essa que se parece com o que nunca ouvi? Que instrumentos são esses que não sei mais, nem menos, como soam, como timbram?

Tira-me do sério o falso dilema que se atreve a contrapor o som dos versos ao toque dos instrumentos. Ouço a voz. Vem-me à alma o arpejo. Meu Deus! Que música é essa com tamanha capacidade de me virar pelo avesso? De onde vem tanto delírio? Para onde vai essa “desordem”? Que sentido terá isso que [mais uma vez] me agita, trazendo à flor da pele o arrepio do abismo desconhecido?

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Após tanto palavreado [com pequenos adendos feitos agora em 2014], eu chegava, enfim, a Sacradança (Delira Música), o CD de estreia de Thiago Amud, em 2010.

Hoje, tomado do mesmo impacto de então, ao ouvir “De ponta a ponta tudo é praia-palma” (Delira Música), seu segundo álbum, reencontro o cantor encapetado, o autor enfeitiçado, que traz à luz um jeito de fazer música que o torna capaz de resumir sentimentos em prosa e em versos, sem, contudo, torná-los opacos.

Surpreendente é a sua música. Para ouvi-la convém ter disponibilidade para inovações. Não há monotonia; tudo nela é feito para atiçar, para buscar o reverso, para mirar o futuro, para se achar em becos e em atalhos.

De “ponta a ponta tudo é praia-palma”, título que remete ao trecho da carta do escrivão Pero Vaz Caminha ao rei de Portugal após o descobrimento do Brasil, tem doze faixas. Pequenas esquetes teatrais, plenas de drama e de subtextos, a música de Thiago sacode o ar e dissemina utopias. Rica em melodia e harmonia, sua música reluz. Seus arranjos trazem o mesmo ímpeto das canções que cria. A produção musical de JR Tostoi em tudo contribui para requintar estranhamentos.

Um fado inicia; segue-se a faixa-título do CD; a seguir, uma diatribe contra a devastação da terra; canta a saga de um líder marginal (música de Edu Kneip, a única parceria de Thiago no CD); vem uma canção; um acalanto; o lamento de um velho ao tempo; uma toada, “Silêncio D’Água” (com participação da cantora Cintia Graton); “Papola Brava”: “Risonho Tresvairado/ Depois de sondar arcanos oráculos teoremas/ Escrituras e profundidades/ O poeta todo ancho lírico feito um demônio/ Tatuou na cabeça de um alfinete/ Os números ocultos constelados na miúda joaninha Ô”.

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Assim é tudo o que Thiago Amud faz, pois uma rosa dos ventos própria orienta a sua viagem planetária, plena de explosivas experimentações. Junto com alguns instrumentistas, ele inventa em louvor ao refinamento, para nosso deleite e assombro.

Aquiles Rique Reis é músico e vocalista do MPB4

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

2 Comentários

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  1. Nossa! Fui remetida ao

    Nossa! Fui remetida ao passado, essa voz lembrou o Chico Buarque no começo da sua carreira e esse tipo de música é o mesmo estilo do Chico.

  2. Sensação  de “‘déja-ouvi”

    Sensação  de “‘déja-ouvi” .Mistura  de Chico em “Roda Viva”  com arranjos de Rogério Duprat dos tempos do Tropicalismo.

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