‘Dinheiro de pobre’: a inclusão social no sistema financeiro

Jornal GGN – A desigualdade social no Brasil pode ser observada a partir da interação dos cidadãos com o sistema bancário. Terminada a era neoliberal, o país entrou em um período social-desenvolvimentista no qual o acesso popular a banco e crédito foi tratado como política pública.

Apesar de o país ter um número muito restrito de pessoas concentrando a maior parte dos recursos financeiros, os bancos que se prestaram a atender apenas a essa elite não conseguiram competir.

Nos últimos anos, o market share dos bancos estatais cresceu, enquanto que o dos bancos privados diminuiu. Além disso, bancos nacionais compraram estrangeiros, que não enxergaram as oportunidades de negócios na mobilidade social no Brasil.

Mas não é que a desigualdade social tenha acabado. Pelo contrário. Ela ainda está aumentando. A renda do capital continua a crescer mais do que a do trabalho. Só que a um ritmo mais lento do que no passado.

Os bancos estatais tiveram um papel fundamental na inclusão dos cidadãos de baixa renda no sistema financeiro. E também em prover crédito a juros civilizados, em um momento que os bancos privados aumentaram taxas e diminuíram prazos.

O assunto foi abordado por Fernando Nogueira da Costa, professor livre-docente do Instituto de Economia da UNICAMP, no 65º Fórum de Debates Brasilianas.org.

O acesso popular a banco e a crédito

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“É bom considerar o papel que os bancos tiveram em acesso popular a banco e a crédito. Quando eu estive na Caixa foi a maior bandeira nossa e eu acho que foi exitosa, esses números confirmam. Em 1999, existiam 75 milhões de clientes. Em junho, último, 209 milhões de clientes. Eu defendo a hipótese de que toda a PEA (População Economicamente Ativa) no Brasil já foi bancarizada. Isso é um ponto relevante, que eu acho que é um sucesso tomado por iniciativa de banco público. Com isso, você termina com ‘dinheiro de pobre’, ‘dinheiro de rico’. É uma possibilidade de o pobre se defender da inflação”.

A financeirização e a estratificação social do Brasil

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“0,33% de contas têm 55% da riqueza financeira. Existe 98 milhões de clientes de poupança. Qual é a média de depósito em poupança? A média é R$ 6600. Entretanto, isso que é impressionante, 85 milhões de pessoas, dá 87,4% dos clientes, têm menos de R$ 500 em depósito de poupança. Ou seja, têm depósito de poupança como se fosse uma conta corrente para não pagar tarifa. Não têm recursos financeiros, não têm reserva financeira nenhuma. 85 milhões de pessoas. Não têm reserva financeira”.

O retrato da casta dominante: a regra dos nove

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“Eu me perguntei: quantas pessoas têm curso superior no Brasil? Aí pesquisei que são nove milhões de pessoas. É crucial essa primeira divisão. Aí peguei outra fonte: população ocupada. 9% recebem acima de cinco salários mínimos, R$ 4 mil. Peguei a fonte renda familiar. Classe A e B. 10%. Com a mobilidade social que houve, o último dado é 10%. E o último dado: nove milhões de pessoas têm PGBL e VGBL. Riqueza financeira, a concentração é muito, mas muito maior do que concentração de renda. E mostra perfeitamente o que é a estratificação no Brasil.”

A renda do capital e do trabalho nas eras neoliberal e social-desenvolvimentista

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“Continua o aprofundamento da concentração de riqueza. Mesmo em uma época de hegemonia de um partido trabalhista. Mas diminuiu. Na era neoliberal, a queda do salário real foi 17%. Na era social-desenvolvimentista – que terminou no ano passado, voltamos à era neoliberal neste ano – foi igual e contrário, cresceu 16%. Por isso estão batendo panela vazia. Por quê? Porque o ganho do capital foi três vezes, em termos reais, poder aquisitivo, na era liberal e na era social-desenvolvimentista apenas dobrou e mais ¼. Embora continue a concentração, foi num ritmo menor”.

A cruzada da Dilma e a atuação anticíclica dos bancos públicos

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“Junho de 2011 foi depois de nova barbeiragem, o Banco Central operou em excesso, overdose da macroeconomia prudencial. E a partir de junho a minha ex-aluna tomou a frente e falou ‘chega’. Começou a cruzada da Dilma. Começa a atuação anticíclica dos bancos públicos, que vai até, eu não vou usar a famigerada manifestação de junho de 2013, mas foi quando a direita perdeu a vergonha e saiu do armário, depois de 30 anos. Viu que tinha espaço pra ela. O susto foi tão grande que eu acho que o erro não foi da matriz macroeconômica, da cruzada contra os juros altos. Qualquer um que vê estatística internacional vê que os juros do Brasil são absurdos comparativamente a outros países do mundo. O erro foi ter interrompido bruscamente essa política. Reversão súbita geralmente não dá certo em economia. O market share. Durante a crise, os bancos públicos empatam com os bancos privados. Aí abre a boca do jacaré. E o market share hoje dos bancos públicos é 55% e dos bancos privados 30%. E por que isso? Porque no início da crise, todos os bancos privados frearam. E os bancos públicos, que tomam decisão, não baseados em expectativas do mercado, mas em políticas públicas, não ficaram contaminados com expectativas pessimistas, cresceram o crédito 55% no início da crise. Então, ganharam market share”.

Market share, patrimônio e lucro líquido, rentabilidade: a concentração bancária no Brasil

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“Eu digo para os meus alunos que a concentração bancária foi feita no país para facilitar o meu trabalho. Os BBICS [Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Caixa e Santander representavam, em 2009, 82%. Em 2014, 86%. Aumentaram a participação deles, o market share nas operações de crédito. Patrimônio líquido, capitalização, o universo continua o mesmo: 76%. Lucro líquido, os BBICS tinham 81%, passaram a ter 85%. Os bancos privados tinham 41%, os nacionais, subiram para 55%. Ou seja, não tem razão nenhuma para reclamar. Continuam crescendo muito bem, obrigado. Rentabilidade patrimonial: os bancos privados continuaram nos 10%, da maneira que sempre estiveram”.

Rentabilidade e índice de eficiência na tentativa de civilizar os juros

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“Qualquer pessoa sensata, independentemente da linha de pensamento econômico, não ideológico, percebe que os juros no Brasil precisavam ser caídos. Efeito dessa política de diminuir a taxa de juros: a rentabilidade dos bancos cai. O índice de eficiência, se você compara os dois períodos, piorou em todos os bancos. Os bancos estrangeiros foram os que mais pioraram a eficiência, particularmente do HSBC, que teve prejuízo. Os bancos privados nacionais pioraram 30 pontos de eficiência. E os bancos pioraram menos: 12 pontos. E a Caixa? Ficou praticamente no mesmo patamar. Quem piorou mesmo em eficiência foi o Banco do Brasil. Qual é a dedução disso? Que o banco mais atuante, que ganhou mais market share, que competiu mais forçou a taxa de juros, fazendo a política de cruzada da Dilma, obteve melhores resultados”. 

Fernando Nogueira da Costa, professor livre docente do ie unicamp from Jornal GGN
Redação

1 Comentário

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  1. Sempre que conversava sobre

    Sempre que conversava sobre dinheiro eu costumava dizer que não há diferença entre um real de um pobre e um real de um rico. Mas ao que parece há, o dinheiro no banco tem suas vantagens, a segurança, o fato de fazer girar a economia (há discordâncias). Mas há desvantagens, se você o débito, você está pagando em torno de 3 a 5% ao banco por um serviço que reduziu drasticamente seus custos, afinal de contas o cartão de débito foi o substituto dos cheques, vocês já imaginaram toda a logística de uma operação com cheques? Quantos funcionários mobilizava? Tudo isso se esvaiu e os bancos ainda passaram a faturar grandes fortunas apenas com o simples uso do cartão de débito. Mas ninguém contestou, ninguém disse nada, isso com certeza foi acrescentado aos custos dos nossos serviços e produtos, e por que não houve protestos? Porque somos fascinados com novidades e não pensamos nas consequências que estas podem trazer.

    Há ainda um certo preconceito pelo uso do dinheiro vivo, hoje, se você pega uma certa quantidade de dinheiro para pagamento à vista as pessoas lhe olham como se você fosse de outro mundo, esse pensamento é muito conveniente aos bancos, mas é terrível para população, para os negócios. Mas, é o futuro, né!

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