A precarização das instituições federais de ensino superior, por Reinaldo Centoducatte

O governo bolsonarista decidiu desmembrar as instituições federais de ensino superior, criando artificialmente universidades e institutos tecnológicos, sem aumentar uma vaga sequer, sem criar cursos, sem investir na educação superior pública.

A precarização das instituições federais de ensino superior

Por Reinaldo Centoducatte

O governo bolsonarista dispara novos ataques contra a educação pública e o seu alvo da vez é a Universidade Federal do Espírito Santo, a Ufes.

No último dia 20, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, compareceu à Câmara dos Deputados para confirmar que pretende dividir e fatiar o sistema federal de educação superior, sem nenhuma previsão de investimento nas chamadas “novas” universidades. Com isso, busca fragilizar, covardemente, a rede de educação superior pública para atender a interesses políticos.

Na contramão do necessário investimento em infraestrutura e em recursos humanos, como a ampliação do quadro de professores e técnicos, com mais equipamentos, mais laboratórios, mais salas de aula, mais cursos e mais vagas, o governo bolsonarista decidiu desmembrar as instituições federais de ensino superior, criando artificialmente universidades e institutos tecnológicos, sem aumentar uma vaga sequer, sem criar cursos, sem investir na educação superior pública.

No Espírito Santo, quer chamar de “nova universidade” as unidades acadêmicas da Ufes localizadas ao sul, especificamente nos municípios de Alegre e Jerônimo Monteiro. Evidente que interessa ao estado uma nova universidade federal pública no Vale do Itapemirim, mas que seja um ente federal forte e de excelência, com ampliação das instalações, do número de alunos, do quadro de professores e de novos cursos, como um curso de Medicina, por exemplo. Entretanto, não está no horizonte do governo a solução de problemas que atingem essas unidades acadêmicas, nem a ampliação e o fortalecimento desses campi. Como foi proposto pelo ministro de Bolsonaro, esse projeto é um engodo, uma farsa, e quer chamar de “novo” algo que já existe e que vem se consolidando ao longo de 67 anos de presença histórica no desenvolvimento capixaba.

Observem o que o ministro disse: “Vamos colocar de forma clara. Não tem aumento de vagas, não tem aumento de cursos, não estão sendo criados cursos”, declarou à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, a respeito dos desmembramentos que pretende impor às universidades federais. “A criação das novas universidades se dará por meio do desmembramento de campi já existentes, com a nomeação de novos reitores, mas sem a contratação de novos professores”, confirmou a sua pretensão.

Esse movimento é muito grave e é um achincalhe para com a educação. Se forem efetivamente desmembradas para serem chamadas de “nova universidade”, sem a necessária ampliação dos investimentos em infraestrutura e recursos humanos, essas importantes unidades de ensino e pesquisa do sul capixaba ficarão isoladas e sem perspectiva de crescimento. Sem nenhuma previsão de investimento, conforme deixou claro o ministro, terão como resultado a criação de um ente federal precário, com suas potencialidades diluídas e sem nenhum projeto de expansão e de inserção regional.

Num cenário de sucessivos cortes orçamentários na educação superior, o retalhamento das universidades federais, dentre elas a Ufes, compromete sobretudo o desenvolvimento de pesquisas, com a falta de investimentos em laboratórios e bolsas de estudo. São centenas de pesquisas que sofrerão descontinuidade, retardando em anos, ou talvez décadas, o desenvolvimento científico e tecnológico do estado. Inúmeros professores verão suas pesquisas paralisadas e centenas de alunos terão que abrir mão de seu sonho de se dedicar à pesquisa e ao desenvolvimento científico. Serão dezenas de jovens cientistas capixabas perdidos para países mais sábios, que reconhecem a importância da ciência e da tecnologia para o futuro de uma nação. 

O fatiamento das universidades e institutos tecnológicos é um movimento do governo Bolsonaro que agrava o desmonte da rede federal de educação superior. Se o governo não investe e não assegura um orçamento compatível com as necessidades das instituições existentes, é certo que não investirá em pequenas instituições que resultarão de desmembramentos. Hoje, o Espírito Santo possui uma universidade federal com produção acadêmica e com desenvolvimento científico e tecnológico de excelência que já sofre com os sucessivos cortes orçamentários ao longo dos últimos quatro anos. O governo quer desmantelar essa evolução e esse alto desempenho.

Esse projeto divisionista é atrasado, retrógrado e enfraquece a sustentabilidade das universidades públicas. À sociedade não interessa o fatiamento da Ufes, para o governo dizer simplesmente que está criando uma universidade. Defendemos, sim, a criação de uma nova Universidade no Vale do Itapemirim – mas que seja de verdade –, que tenha um projeto sustentável para impulsionar o desenvolvimento regional e interiorizar o ensino superior no estado. Entretanto, fatiar a estrutura de uma universidade com sua história e organização ativa para dar o pomposo nome de “nova universidade” é enganar a população e destruir importantes avanços alcançados na educação superior do Espírito Santo.

Absolutamente indiferente aos danos que o fatiamento das universidades possa acarretar para a educação superior pública, o governo Bolsonaro pretende tão somente atender a arranjos políticos regionais, nomear aliados ideológicos como reitores e manipular o que chama de “novas” instituições de ensino superior de acordo com os seus interesses. Com esse movimento, perde a educação, perde a comunidade universitária, perde o desenvolvimento científico e tecnológico e, sobretudo, perde a sociedade.

A quem interessa a divisão ou desmembramento da Ufes? Interessa para o Espírito Santo uma “nova” universidade precária e com funcionamento prejudicado pelo orçamento insuficiente? Devemos estar atentos a quem está por trás dessa artimanha e o que pretende. Precisamos nos mobilizar imediatamente contra esse engodo e nos preparar para defender a Ufes e as demais universidades federais contra mais esse ataque do governo bolsonarista.

Reinaldo Centoducatte é professor aposentado, ex-reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e ex-presidente da Andifes

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

1 Comentário

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  1. A destruição do ensino público é um projeto e está a pleno vapor e com sucesso, então, meu caro Reinaldo, a despeito da objetividade do seu artigo, pergunto-lhe: onde estão os alunos das Universidades Federais? Os Professores? Os Servidores? A UNE? Faltou um capítulo no seu artigo cobrando luta destas comunidades. Sumiram, ou estou equivocado?

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