Paulo Kliass
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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As eleições no Congresso e a economia, por Paulo Kliass

Ocorre que Rodrigo Pacheco no Senado e Arthur Lira na Câmara não são propriamente figuras políticas plenamente azeitadas com o conjunto das políticas do governo do capitão.

As eleições no Congresso e a economia

por Paulo Kliass

As eleições para os cargos de comando do Senado Federal e da Câmara dos Deputados costumam ser aguardadas com um certa expectativa pelos analistas políticos de todas as tendências. Afinal, a cada dois anos abre-se o caminho para possível renovação dos responsáveis pelas mesas de ambas as casas, com eventual sinalização de como deverá ocorrer o nível de convivência entre o executivo e o legislativo.

Apesar da façanha de conseguir ainda manter um nível surpreendentemente elevado de popularidade, Bolsonaro tem plena consciência de que o primeiro biênio de seu mandato presidencial foi quase nulo, para não dizer negativo. Tendo em vista suas pretensões de reeleição em 2022, ele foi obrigado a reorganizar a estratégia de sua sobrevivência política, dando um verdadeiro cavalo de pau nas promessas que havia feito ao longo de sua campanha eleitoral. Para as fossas do esquecimento com os lemas do tipo “nova forma de fazer política”, “contra tudo o que está por aí” e demagogias similares. A aliança com o centrão e com a sopa de letrinhas do fisiologismo partidário no Congresso Nacional pode oferecer a ele uma relativa folga para governar ao longo do que resta de segundo biênio de seu mandato, com eventual maioria entre os parlamentares para aprovar aspectos de seu programa.

Ocorre que Rodrigo Pacheco no Senado e Arthur Lira na Câmara não são propriamente figuras políticas plenamente azeitadas com o conjunto das políticas do governo do capitão. Ambos têm vontade própria e projetos futuros que podem colocar algumas dificuldades na expectativa de um legislativo subserviente e submisso aos interesses e desejos do Palácio do Planalto. É óbvio que toda e qualquer dificuldade pode ser contornada, como Bolsonaro fez às vésperas das eleições de primeiro de fevereiro, por meio de liberação de verbas, aprovação de emendas, nomeação de ministros y otras cositas más.

Fisiologismo e financismo.

No âmbito da economia a questão também apresenta algumas contradições e eventuais obstáculos a serem ultrapassados. É de amplo conhecimento o compromisso obsessivo de Paulo Guedes com a continuidade – para não dizer aprofundamento – da agenda da austeridade assassina. O superministro mantém seu óbice à retomada do Auxílio Emergencial, aquele mesmo que ele recomendou ao Presidente a redução do valor pela metade em setembro e com data de validade para terminar em 31 de dezembro passado. Os efeitos econômicos, sociais e políticos de tal descompromisso com a realidade sofrida da grande maioria da população já começam a ser sentidos.

O nível recorde do desemprego formal, os números impressionantes da precariedade e da informalidade no mercado de trabalho e a falta de perspectiva de retomada das atividades econômicas em geral contribuem para que as propostas da oposição, das forças democráticas e do movimento sindical atravessem as fronteiras e penetrem até mesmo nas esferas dos próprios partidos conservadores. A necessidade de restabelecer algum tipo de benefício de sobrevivência mínima passa a fazer parte da ordem do dia na agenda política. Assim, a afinidade entre o núcleo do governo e o Congresso Nacional vai ser testada logo mais no início dos trabalhos parlamentares. Paulo Guedes será chamado a oferecer alguma solução salomônica, mas o problema é que a EC 95 ainda não foi alterada e ela determina o congelamento de despesas orçamentárias, mesmo que seja estabelecido algum aumento de receitas tributárias.

A gravidade da segunda onda da covid 19, sempre negada pela equipe de Guedes e menosprezada por Bolsonaro, está aí escancarando a tragédia a cada dia que passa, prestes a atingir 230 mil mortes. Entre o reforço urgente de verbas para o SUS e as necessidades para aquisição das vacinas, não há condições de superar a crise sem que o governo aceite algum grau de flexibilização na rigidez austericida de Guedes e de sua equipe. Trata-se de outro ponto da agenda política, em que certamente haverá algum tipo de ruído entre a nova maioria composta no Congresso Nacional e as intenções do comando econômico. Afinal, é importante ter-se claro que o fisiologismo não se move por princípios ideológicos ou por algum projeto de país. Isso significa que a eventual conquista de maioria para aprovar medidas impopulares vai custar caro também ao orçamento federal.

Os parlamentares que se ofereceram ao longo da semana para facilitar a vida de Bolsonaro entre seus pares – de hoje até outubro do ano que vem – têm interesses muito concretos a defender, principalmente no que se refere à sua própria reeleição e ao fortalecimento de seus grupos políticos nos estados e nos municípios de origem. E essa estratégia passa muito longe de qualquer exclusividade com as preocupações liberaloides de Guedes e do próprio financismo. Ali vigoram as regras do império do pragmatismo de verbas e de recursos políticos de sobrevivência. Tudo se transaciona, desde que acertado o preço e as condições da operação.

Não à Reforma Administrativa e à privatização.

No entanto, o perigo e os riscos maiores residem na pauta mais de médio e longo prazos, onde a ilusão dos efeitos distantes podem levar os parlamentares a aceitarem a negociata no balcão de negócios. Esse é o caso da Reforma Administrativa e da continuidade dos processos de privatização, por exemplo. Ao brandir pelos quatro cantos sua ameaça catastrofista relativamente à piora das contas públicas, Guedes sempre obteve apoio inequívoco das classes dominantes, em especial às vinculadas ao sistema financeiro. Os grandes meios de comunicação não se cansam de apontar a antessala do apocalipse, caso não seja levado a cabo o rigor da austeridade.

Nem mesmo as vozes dissonantes no interior mesmo das classes dominante são ouvidas nesse debate. Pouco importa que até mesmo nos Estados Unidos e na União Europeia a política econômica oficial começa a se afastar dos receituários mais extremados e ultrapassados do neoliberalismo. Por aqui, o financismo segue cego e surdo a tudo aquilo que que vem sendo dito e implementado por seus pares em outros continentes.

Assim, Guedes prepara-se agora para apresentar sua contrapartida draconiana para eventual relaxamento na questão fiscal. Na sua retórica do momento, chega ao absurdo de comparar os efeitos da aprovação do auxílio emergencial aos de uma bomba nuclear. Em síntese, em troca de alguma folga imediata e conjuntural no trato do orçamento, ele deverá ele exigir carta branca para dar continuidade à destruição do Estado e ao desmente das políticas públicas.

Cabe a todos nós denunciarmos essa artimanha em operação. O restabelecimento do auxílio emergencial é imperioso. A flexibilização do teto de gastos é uma necessidade urgente. O fortalecimento do SUS para revigorar o movimento de vacinação é fundamental. Mas nada disso para ser colocado em prática pressupõe a venda das empresas estatais ou a destruição das conquistas de uma administração pública profissional e competente. Avançar na privatização e na Reforma Administrativa agora, a toque de caixa, é um grande no modelo de país definido em nossa Constituição. Mais do que isso, significa destruir as bases de uma eventual retomada de um projeto de desenvolvimento nacional, social e econômico, de caráter inclusivo e sustentável.

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

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Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

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