Covid-19: Evidências iniciais de que a pandemia está arrefecendo, por Felipe A. P. L. Costa

Covid-19: Evidências iniciais de que a pandemia está arrefecendo.

por Felipe A. P. L. Costa [*]

As estatísticas mundiais a respeito da pandemia da Covid-19 (provocada pelo SARS-CoV-2) não são todas igualmente confiáveis. Alguns governos são displicentes ou estão deliberadamente omitindo ou manipulando os números. É uma situação preocupante e que pode ter consequências desastrosas, tanto em termos científicos como em termos de saúde pública. Vale lembrar que modelos construídos com base em dados distorcidos costumam gerar previsões equivocadas. E tais equívocos podem resultar em riscos desnecessários à saúde e ao bem-estar da população.

Tenho acompanhado as estatísticas mundiais a respeito da Covid-19 por meio de um painel da Universidade Johns Hopkins [1]. Mais recentemente, passei a cotejar os números ali presentes com os dados divulgados pelo sítio Worldometer [2]. Há uma pequena defasagem (cronológica, talvez) entre os dois. De resto, eu não notei qualquer distorção sistemática nas estatísticas.

Analisei separadamente os dados encontrados nos dois painéis, ainda que os resultados aqui reportados se refiram tão somente aos números obtidos no painel do Worldometer. Caso eu tivesse me apoiado nos dados da UJH, as conclusões seriam essencialmente as mesmas.

SARS-CoV-2.

O novo coronavírus (SARS-CoV-2) que emergiu em Wuhan, no fim de 2019, rapidamente se espalhou por todas as províncias chinesas. O número de infectados em todo o mundo vem escalando desde o início de 2020. E o problema logo adquiriu contornos mundiais. Em 1/3, tínhamos 6.567 casos fora da China, em 58 países de diferentes continentes. Em 11/3, a OMS classificou a Covid-19 – até então uma emergência mundial – como uma pandemia.

Embora a disseminação do SARS-Cov-2 seja hoje uma preocupação planetária, há uma nítida concentração nas estatísticas, tanto no número de casos como no número de mortes. Os 20 países mais afetados concentram 91% dos casos (de um total de 859.796) e 96% das mortes (de um total de 42.345) [3]. A taxa de letalidade nesses países está em torno de 5,2% [4].

Para investigar o avanço da Covid-19, eu calculei uma taxa de crescimento diário no número de indivíduos infectados ao longo do mês de março. Essa taxa (representada aqui pela letra grega minúscula beta) foi definida como β = ln [Y(t+1)/Y(t)], onde Y(t+1) é o número de indivíduos infectados no dia (t+1), Y(t) é o número de infectados no dia anterior e ln indica logaritmo natural (base e).

*

[FIGURA. A figura que companha este artigo documenta a variação na taxa de crescimento diário (eixo vertical, em %) no número de infectados na população mundial ao longo do mês de março. Três agregados de pontos estão indicados (A-C) e um quarto parece estar em formação (D). A linha unindo os pontos é a média móvel.]

*

Quando os valores de β são colocados em um gráfico (ver a figura que acompanha este artigo), três agregados de pontos podem ser identificados [5]:

(1) Entre 1 e 10/3, intervalo durante o qual a taxa de crescimento variou entre β = 0,0208 (dia 2) e β = 0,03915 (dia 10);

(2) Entre 11 e 17/3, quando a taxa variou entre β = 0,0592 (dia 11) e β = 0,0828 (dia 17); e

(3) Entre 18 e 28/3, quando a taxa variou entre β = 0,0988 (dia 18) e β = 0,1214 (dia 26).

A julgar pelos resultados, a curva que a pandemia está a descrever (número de infectados v. tempo) teria passado pelo seu ponto de inflexão por volta do dia 26, quando a taxa de crescimento ‘bateu no teto’ – i.e., atingiu seu valor máximo e iniciou uma trajetória declinante. A partir de 28/3, a distribuição dos pontos prosseguiu em um patamar visivelmente inferior, sugerindo a formação de um quarto agregado. As estatísticas dos próximos dias nos dirão se tal prognóstico é acertado ou não.

Comentários adicionais & sugestões.

A extensão dos agregados e as distâncias entre eles já podem ser um reflexo das medidas tomadas mundo afora. Já começaram a surgir evidências de que ‘tirar o plugue da tomada’, diminuindo o contato social entre os indivíduos, foi uma decisão das mais acertadas.

Admitindo que os resultados apresentados aqui ofereçam um quadro realista do que se passou com a Covid-19 ao longo do mês de março, é bem provável que a queda (pós-26/3) na taxa de crescimento (β) esteja a sinalizar que as medidas de distanciamento social vêm surtindo efeito. E esses resultados também sustentam a afirmação de que as medidas devem ser mantidas (em múltiplas escalas: local, regional, nacional etc.), ao menos por mais uma ou duas semanas. Suspendê-las de maneira atabalhoada ou precipitada pode por tudo a perder, fazendo com que tenhamos pela frente uma nova escalada no número de casos e, por extensão, no número de mortes.

*

Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Painel ‘Mapping 2019-nCov’ (Johns Hopkins University, EUA).

[2] Painel ‘Worldometer: Coronavirus’ (Dadax, EUA).

[3] Números relativos a 31/3. Naquele dia, os 20 países com mais casos registrados eram EUA, Itália, Espanha, China, Alemanha, França, Irã, Reino Unido, Suíça, Turquia, Bélgica, Países Baixos, Áustria, Coreia do Sul, Canadá, Portugal, Brasil, Israel, Noruega e Austrália. Em 1/1, a Suécia tomou o lugar da Noruega, afastando a Austrália das 20 primeiras posições.

[4] Itália (11,4%) e Espanha (8,8%) empurram a média para cima. Israel, Austrália e Noruega (todos com menos de 1%) puxam a média para baixo. A julgar pelos números divulgados, 172 mil indivíduos já receberam alta, o que corresponde a 22% dos infectados. China (93%), Coreia do Sul (56%) e Irá (33%) lideram os percentuais de recuperação.

[5] Se a pandemia seguisse a taxa mais alta (β = 0,1214), o número de infectados dobraria a cada 5,7 dias; seguindo a taxa mais baixa (β = 0,0208), o número de infectados dobraria a cada 33,3 dias.

 

***

Redação

Redação

View Comments

  • Isso vai entusiasmar , com certeza, os que querem sair da redoma, loucos para saracotear por aí. No mero chute mesmo , muito menos negação, mas a queda de quem , em dez/jan, formava grande volume ate meio de Março de infectados, agora não estaria influenciando esse números otimistas? Se o boom , a rapida disseminação em locais com grandes cargas viroticas, como a Italia por exemplo, agora começando a cair, certamente provocado por isolamento e maiores cuidados, não estariam mascarando a ascensão com o mesmo poder original em países e locais onde ainda está no inicio a contaminação? Tal qual um delay? Ou de fato as precauções e o enfraquecimento do virus escrevem esse grafico otimista? Tudo isso deve influenciar , claro, mas se a Ásia cria expectativa de uma segunda onda de transmissão, é bom deixar a canja em fogo baixo, cedo para desligar.

  • Do twitter do prof. Átila Iamarino:
    - EUA comprometido com livre-mercado na COVID-19. Compraram equipamento que viria e ficamos sem, levaram máscaras da França no embarque e tentaram comprar exclusividade da vacina sendo desenvolvida na Alemanha
    - EUA e França entrando em novo território. EUA bateram recorde de mortes ontem com mais de 1000, França passou de 1300 hoje. Levamos 3 meses para chegar em 100 mil casos e 1 mês para chegar em 1 milhão. Mortes darão um salto proporcional em algumas semanas :(
    - Respondendo a quem questiona se dá tempo para usar o método sul coreano de testes em larga escala:
    Perdemos a chance de montar a infra-estrutura. Mesmo com dinheiro agora não temos como comprar reagentes pq o mundo todo tá competindo. Teríamos que passar a fabricar os reagentes e os insumos aqui. Passou da hora de começar.
    - Não tô dizendo que vamos poder sair de casa em duas semanas. Tô dizendo que em duas semanas vai ficar mais óbvio pq temos que ficar em casa por meses.
    - Com equipamento faltando, teste faltando, o melhor que fazemos é ficar em casa agora e retardar a COVID-19 pra ganhar tempo. Em uma semana ou duas vai ficar bem mais clara a importância dessa atitude. Segura.

  • Bem, não sou da área, mas me parece que a variável escolhida (a taxa de crescimento percentual, isto é, delta y/y) não é a mais adequada para analisar a reversão da epidemia. Teoricamente, é possível que essa taxa seja declinante e o número total de casos seja explosivo.
    Acho que, normalmente, considera-se que a evolução de epidemias é mais ou menos apreendida por uma função logística. A reversão da epidemia seria, então, quando houvesse uma alteração na concavidade da curva. Como eu disse, não sou da área; corrijam-me se eu estiver errado.

Recent Posts

Jesus histórico: como estão as pesquisas que tentam comprovar a real existência e a aparência de Cristo

Ciência tem municiado teses sobre quem teria sido Jesus, e ajudado a reduzir influência eurocêntrica…

21 minutos ago

Bolsonaro quer ir para Israel e pede liberação de passaporte a Moraes

Pedido foi feito antes de vir à tona o caso sobre a estadia de Bolsonaro…

1 hora ago

Moraes envia à PGR alegações de Bolsonaro sobre estadia na Embaixada da Hungria e pede manifestação

Só após receber o parecer da Procuradoria, que o ministro do STF vai analisar o…

2 horas ago

Os 60 anos do golpe deve servir para celebrar a democracia, por Carolina Maria Ruy

Cinco motivos que reforçam a importância de fazer dos 60 anos do golpe militar, uma…

4 horas ago

Lezeira na Semana Santa e as Chuvas no Sertão do Piauí, por Eduardo Pontin

Inverno garante boa safra, mas vai impedir que brincadeira aconteça

4 horas ago

Onde é mesmo que nós estamos?, por Izaías Almada

O Primeiro de Abril lembra logo o 31 de março... 31 de março de 1964...…

4 horas ago