Covid e pesca da lagosta: nem tudo que reluz é ouro, por Túlio Muniz

A pandemia é uma ameaça não só a quem trabalha diretamente na pesca, mas também aos seus familiares, vizinhos, e aos turistas que frequentam o litoral cearense e mantêm contato estreito com moradores das comunidades

Covid e pesca da lagosta: nem tudo que reluz é ouro

por Túlio Muniz

O Governo do Estado do Ceará cumpre com responsabilidade seu papel no combate à Covid-19, inclusive na definição de grupos prioritários para imunização, sejas por faixa etária, seja por categorias profissionais (da Saúde, da Educação, da Segurança, etc.). Contudo, 2021 marca o segundo ano de uma quase omissão para com a categoria profissional da atividade de pesca da lagosta, que se reinicia em 01 de Junho e vai até 01 de Dezembro.

No país, estima-se que a pesca artesanal envolva até 1,5 milhão de pessoas. Somente na pesca da lagosta são, diretamente, cerca de 15 mil pessoas, e indiretamente mais de 30 mil, seja na pesca em alto mar seja em terra, na manutenção de embarcações, na conservação, armazenamento e escoamento do pescado ou  confecionando material de pesca, no que o trabalho das mulheres é significativo. Entre barcos de metal ou madeira com até 25m, ou botes a vela e jangadas com até 18m, são quase 3.000 as embarcações de pequeno porte atuando na pesca da lagosta. O resultado varia de  U$ 75 a U$ 90 milhões anuais em exportação (mais de 90% da produção vai para o exterior). Nenhum outro pescado proporciona à atividade pesqueira uma renda igual, daí a alcunha de ‘o ouro do mar’ que  os pescadores deram a lagosta.

O Ceará é maior produtor nacional, e consta entre os que mais exportam. Em 2019, antes da pandemia, as exportações de pescado renderam-lhe mais de U$ 47 milhões, e 60% desse valor veio da lagosta. Consequentemente, registra o maior número de pescadores em atividade, sobretudo na modalidade artesanal: em 2020, mais de 8.300 pescadores e pescadoras artesanais cearenses estavam cadastrados no Registro Geral de Pescas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

É inevitável que a pesca da lagosta seja uma atividade gregária, pois demanda reunir um grande número de trabalhadores  em uma mesma embarcação durante dias seguidos, ou no mínimo durante várias horas, no caso da pescaria de ‘ida e volta’ ou ‘de dormida’. Gera também aglomeração nos momentos de embarque e desembarque, e, não raro, nas chegadas nas praias, quando a captura é expressiva e muitas pessoas se reunem  para comprar lagosta fresca. O cenário é ideal para propagação do coronavírus, caso nessas aglomerações haja alguém infectado e em fase de transmissão, e os municípios da faixa litôranea cearense aparecem como lugares de alto risco nos mapas de acompanhamento da pandemia. Muito por se tratarem de localidades desprovidas de atendimento médido adequado, o que se agrava no contexto da pandemia.

Aliás, este é um cenário comum em toda a costa basileira, conforme registra o Observatório dos Impactos do Coronavirus nas Comunidades Pesqueiras implantado em Março de 2020 na Universidade Federal do Paraná (UFPR), e nos informou a profa. Naina Pierri, no Webnário ‘A Covid19 e as comunidades que vivem da pesca artesanal’, promovido em 28 de Maio pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), terceiro encontro do  Ciclo de Debates Virtuais de Frente Pra Costa 2021: “Nesse contexto, grande parte das comunidades pesqueiras do País não possui acesso adequado ao sistema público de saúde, não contando com postos de atendimento médico, muitas vezes tendo que se deslocar aos núcleos urbanos próximos” (trecho do documento “REIVINDICAÇÕES DA PESCA ARTESANAL DO BRASIL FRENTE À PANDEMIA DO CORONAVÍRUS”, em https://drive.google.com/file/d/1jNPUd2rJRYTw5UJCcbKy92o7dzRYjNCJ/view)

A pandemia é uma ameaça não só a quem trabalha diretamente na pesca, mas também aos seus familiares, vizinhos, e aos turistas  que frequentam o litoral cearense e mantêm contato estreito com moradores das comunidades (lembrando que turistas também podem ser transmissores do coronavírus). Portanto, seria interessante, neste retorno à pesca em 2021, que as autoridades sanitárias olhassem diferenciadamente para estratégias de imunização dos pescadores e pescadoras. Não só para assegurar a manutenção da produção que na pauta de exportação do Ceará rivaliza de igual para igual com outras commodities (frutas e sucos, couros e peles) mas, sobretudo, para garantir a segurança e a vida dessas pessoas.

Túlio Muniz – Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduação e Mestrado em História (UFC) e Doutorado na Área de Sociologia (Univ. Coimbra). Jornalista Profissional.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Em tempo, uma correção deste autor: o Observatório dos Impactos do Coronavírus nas Comunidades Pesqueiras não é direta e organicamente vinculado à UFPR, na qual atua a profa. Naina Pierri, membro do mesmo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador