Daniel Soranz: ‘Nossa prioridade sempre vai ser fortalecer o Sistema Único de Saúde’

Soranz faz uma análise da situação da cidade, no que diz respeito à Covid-19, e apresenta planos e propostas para enfrentar os desafios que se impõem no cenário da pandemia.

do CEE Fiocruz

Daniel Soranz: ‘Nossa prioridade sempre vai ser fortalecer o Sistema Único de Saúde’

O município como organizador da rede de atenção à saúde e da porta de entrada da população no sistema; o município como responsável pela realização do rastreamento de contatos daqueles diagnosticados com Covid-19; o município no mapeamento das comunidades para definir com mais precisão as demandas de saúde de cada uma; o município como organizador das informações em saúde de sua população; o município como responsável por estruturar a logística de vacinação, para alcançar a todos com agilidade. Essas são algumas das atribuições da gestão da Saúde no âmbito municipal, destacadas pelo médico Daniel Soranz, que assumirá a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro a partir de 1º de janeiro de 2021. É a segunda vez que ele assume a pasta, a primeira, entre 2014 e 2016, durante o governo anterior do prefeito Eduardo Paes, em que também havia ocupado, inicialmente (2009-2014), a função de secretário de Atenção Primária. Vigilância e Promoção da Saúde.

Em entrevista para o blog do CEE-Fiocruz, realizada em 4/12/2020, a primeira concedida durante o governo de transição, Daniel, médico de família e comunidade, professor e pesquisador da Fiocruz, faz uma análise da situação da cidade, no que diz respeito à Covid-19, e apresenta planos e propostas para enfrentar os desafios que se impõem no cenário da pandemia. Afirma, ainda, o compromisso de, “em no máximo trinta dias”, adequar a rede de atenção primária para ampliar o acesso da população à saúde.  “Vamos assumir a secretaria com uma equipe grande de profissionais com muita experiência, que já trabalharam em outras epidemias na cidade”, anuncia.

 

 

“Quando se trata de epidemias,como a de H1N1, em 2009, e, agora, a de SarsCov-2,o ideal é separar as pessoas com sintomas respiratórios das que não têm esses sintomas. Infelizmente, não foi o que o Rio de Janeiro fez”, analisa o médico.

Ele aponta a redução das equipes de Saúde da Família no município e a não organização de uma porta de entrada para receber pacientes com Covid-19 como fatores que levaram a um agravamento do cenário pandêmico na cidade. “Os pacientes se espalharam nas urgências e emergências e acabou havendo contaminação cruzada de muitos deles. O que isso acarretou? Um pico muito íngreme de casos no Rio de Janeiro”.

Daniel lembra que o Rio chegou a ser a décima capital em cobertura de Saúde da Família, alcançando a marca de 70%. “Caímos para 35%! Claro que isso é muito mais do que em 2009, quando a cobertura era de 3%. Menos cobertura significa menos acesso à saúde pública de gestantes, diabéticos, crianças no primeiro ano de vida. Impacta o serviço de saúde como um todo, principalmente durante uma pandemia”, aponta.

O médico enfatiza a importância do rastreamento de contatos que as clínicas de família, por meio dos médicos e agentes comunitários, entre outros profissionais, devem fazer de cada paciente diagnosticado com Covid-19. “É o óbvio, o necessário, para que a gente interrompa a cadeia de transmissão. Será um desafio muito grande começarmos no meio do processo algo que já deveria ter sido feito desde o primeiro dia”.

Daniel comenta também as altas taxas de letalidade e mortalidade registradas na cidade do Rio de Janeiro, lembrando o papel fundamental da testagem da população. “Em municípios como Niterói, Maricá, Mesquita (RJ), se consegue testar com muito mais facilidade, há polos de testagem, todas as unidades oferecem testes sem burocracia. Quando temos mais pessoas que notificam, obviamente, a taxa de letalidade é menor. E é claro que houve subnotificação no Rio de Janeiro”. Ele observa que, até novembro, o Rio havia testado apenas 30 mil pessoas, mesmo número registrado em Niterói, cuja população é muito menor. “Morreram muitas pessoas no Rio de Janeiro que não precisavam morrer”, considera, citando a marca de 170 pessoas por 100 mil habitantes. “É muita coisa. É quase três vezes o que aconteceu na Itália, o dobro do que aconteceu em Campo Grande (MS), 75% mais do que na cidade de São Paulo”.

[O rastreamento de contatos] é o óbvio, o necessário, para que a gente interrompa a cadeia de transmissão. Será um desafio começarmos no meio do processo algo que já deveria ter sido feito desde o primeiro dia

O médico faz uma crítica à criação de hospitais de campanha que, conforme afirma, são incompatíveis com os tratamentos de alta complexidade. “Não conheço especialista que defenda abrir um hospital de campanha tendo leitos fechados em estruturas convencionais. Nunca se utilizou hospital de campanha para alta complexidade. Se você for olhar, os hospitais de campanha criados para a dengue eram tendas de hidratação, portas de entrada para as pessoas. O desempenho clínico de unidades de alta complexidade em estruturas temporárias é muito ruim, porque é preciso toda uma logística, para hemodiálise, para imagem.Não faz sentido abrir hospital de campanha, a custos milionários, que não deixarão legado algum para a população, tendo mais de cem leitos fechados dentro do hospital de Acari, vinte leitos fechados no Hospital Salgado Filho, cinquenta leitos fechados no Hospital Albert Schweitzer, quase oitenta leitos fechados no Hospital da Lagoa e tendo o Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia) com trezentos leitos fechados durante toda a pandemia”.

Não conheço especialista que defenda abrir um hospital de campanha tendo leitos fechados em estruturas convencionais. Nunca se utilizou hospital de campanha para alta complexidade

A importância de uma boa relação entre municípios, estados e União, com clara definição de papéis, também foi destacada pelo novo secretário de Saúde. “Um dos maiores desafios durante uma pandemia é conseguir que todos os entes federados falem a mesma língua”, considera, lembrando que, durante a epidemia de gripe suína, o Ministério da Saúde definiu os insumos estratégicos, comprou e distribuiu aos municípios. Foi o caso do Tamiflu, conforme exemplifica. “Uma compra centralizada, uma negociação única. Você utiliza o poder de compra do Estado para adquirir em quantidade e distribui de maneira equânime de acordo com as necessidades. Infelizmente nesta pandemia não conseguimos fazer isso”.

Ainda no que diz respeito às relações interfederativas, Daniel ressalta o papel da instância federal na definição de protocolos nacionais bem estruturados como necessária para a boa condução dos trabalhos na pandemia; a organização da rede de alta complexidade e a organização de leitos pela instância estadual; e a atuação dos municípios na já citada organização da porta de entrada, no rastreamento de contatos,na vigilância em saúde e na organização de informações e sua divulgação em tempo real. “Se a gente tem bem clara a responsabilidade de cada um, fica mais fácil para a própria população cobrar”.

Um dos maiores desafios durante uma pandemia é conseguir que todos os entes federados falem a mesma língua

No que diz respeito ao preparo do município para vacinar a população contra a Covid-19, o novo secretário aponta a necessidade de investir em logística e estrutura e acrescenta que isso será feito a tempo da chegada das vacinas, de modo a alcançar todos os cariocas. “Hoje, 25% das salas de vacina não têm estrutura adequada, ou a câmara fria ou a geladeira está quebrada ou o ar condicionado está quebrado, ou há problema de infiltração”, enumera, acrescentando também a necessidade de recursos humanos. “Vamos precisar recontratar técnicos de enfermagem que foram desligados neste período”, diz.

Defensor das Organizações Sociais como forma de oferecer serviços de saúde com agilidade à população, o novo secretário diz pretender manter o modelo em sua gestão. “As OSs foram uma forma de conseguir oferecer mais atenção à saúdeno Rio de Janeiro. É necessário que a gente tenha formas mais ágeis e mais flexíveis de executar o serviço de saúde e garantir um atendimento de qualidade para todos”, diz Daniel, ressaltando que em sua gestão anterior, também foi ampliado o número de funcionários estatutários na Secretaria de Saúde. “A gente fortaleceu muito a empresa pública, a criação da Rio Saúde e também a gente lançou mão das OSs. Diminuímos muito a compra de serviços privados com fins lucrativos que, anteriormente, representavam 30% do orçamento da secretaria”.

As OSs foram uma forma de conseguir oferecer mais atenção à saúde no Rio de Janeiro

Daniel lembra, ainda, que algumas OSs tinham “outros interesses e foram devidamente punidas”, saíram do sistema. “Temos um desafio agora de conseguir ofertar serviços para a população. Nossa prioridade sempre vai ser fortalecer o Sistema Único de Saúde, deixá-lo o mais estável possível. Mas a temos que seguir as regras que estão colocadas dentro desse sistema, definidas pelas Câmaras e pelos legisladores. Então, obviamente,vamos precisar manter o modelo de organização social na cidade do Rio de Janeiro. É inexequível cancelá-lo completamente; significaria diminuir a oferta de serviços para a população”, considera. “Mas vamos buscar equilibrá-lo ao máximo com outros modelos,fizemos dentro da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro”.

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Redação

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