Derrotar a pulsão de morte imediatamente, por Roberto Bueno

A falsificação da fé criou legião de defensores da eugenia nazi-fascista, mesmo quando grande parte deles sejam as vítimas.

Derrotar a pulsão de morte imediatamente

 por Roberto Bueno

O tempo corrente é de exposição a uma crueldade radical. São dias em que a morte é normalizada, a indiferença com o sofrimento é suportada e até a tortura é elogiada, e que a vida de indivíduos é classificada entre aquelas que importam e devem ser protegidas (a dos ricos) e outras que não importam (a dos pobres). A justiça tirou férias e não intervém, a religiosidade autoproclamada de autoridades conhecidas e de indômitos apoiadores é tão frágil que não há dor humana que as desperte, evidenciando assim o seu caráter misto de falsificação e fanatismo absoluto infenso à própria razão última da fé supostamente professada.

A falsificação da fé criou legião de defensores da eugenia nazi-fascista, mesmo quando grande parte deles sejam as vítimas. A eugenia voltou a ocupar o discurso público, como se a experiência tétrica do Holocausto nunca tivesse acontecido. Aqueles milhões de corpos nunca esfriarão o suficiente para que uma mente sã na face desta terra possa tomar a liberdade de criar alguma escala de valores em que a vida humana não ocupe posição de preeminência.

Hoje a nova (e já decadente) escala de valores emprega os maiores esforços para sobrepor a economia à existência humana, que é desprezada quanto a sua supremacia relativamente a todas as demais instâncias do mundo. As experiências técnico-organizacionais que privilegiam a instrumentalidade do humano foram postas à prova pela experiência do Holocausto e desconectadas de qualquer virtude possível. Refluxo impensável, o reino da economia reclama para si a supremacia sobre tudo, vida humana inclusive, e assim constrói eficazmente as condições para a desconstrução da civilização e do conjunto de valores desenvolvidos durante séculos através de incansáveis lutas, a ferro e fogo, pelo povo.

Quando a pulsão de morte ocupa o espaço público e parece dominá-lo, então, já temos a última das condições colocadas para a tragédia e o extermínio humano massivo. A trava eficiente para este processo passa a ser a única e exclusiva missão de, sem exceção, todos os atores políticos de um determinado período histórico que depara com a ascensão da pulsão de morte. É preciso vencer a pulsão de morte e substituí-la pelo elogio da vida e a proteção a todas as formas de existência, superar o odor do chorume verde-oliva de patente decorada à tripla estrela mal havida, e adentrar no território do odor arbóreo e florido primaveril que desanuvia, descarrega e inspira.

Raiz da dor, Bolsonaro já não poderá manter-se no cargo e nem nele ser mantido pelo conjunto de apoiadores e glorificadores deste reino pantanoso de puro terror. Nunca existiu perdão suficiente que alcance e acalmar possa as profundezas habitadas pela alma de um genocida, não há sol que a aqueça nem frio que a purifique nem amor que a assossegue, e o mesmo vale para quem com ele caminha em auxílio prestativo e para os indiferentes à barbárie. Entre todos há uma inquietação profunda, ação manifesta e orientação comum: desejo de matar. No Brasil as mortes massivas já têm período certo de ocorrência, e apenas serão contidas ante os olhos dos sobreviventes devido as subnotificações ou omissões da causa mortis de milhares de indivíduos. Estamos privados de esforço centralizado para conter a raiz virótica deste mal, senão o contrário, há manifesto desejo verde-oliva financiador de campanha publicitária para aumentar o número de mortos: é o flagrante desejo de matar.

Bolsonaro desabará quando as mortes às quais está dando causa batam à sua porta nas próximas semanas. Bolsonaro pode negar-se a ouvir a voz dos vivos, pode desprezá-los, pode ofendê-los, pode vituperá-los, sucessivamente pode profanar a memória dos mortos, pode negar-se a ouvir o som das panelas todas as noites que dele se despedem. Ele pode mobilizar o mundo do capital e as forças políticas, e também a caserna, levando militares a oprimir e dominar corpos, mas não terá forças, em nenhum caso e sob qualquer pretexto, para sufocar o grito dos vários milhares de mortos que farão soar o timbre do Planalto nas próximas semanas. Estas vozes ecoarão com toda a sua tristeza pelas ruas do país como em vida não puderam fazê-lo. Estas vozes ganharão as ruas e as almas dos sobreviventes com potencial libertador da chaga monstruosa que domina o país, assim como em vida não puderam fazê-lo. Vencer a pulsão de morte que habita o poder: esta é a missão imediata, indeclinável e urgente.

Roberto Bueno. Professor universitário. Pós-Doutor em Direito. Doutor em Filosofia do Direito (UFPR). Mestre em Filosofia (UFC). Especialista em Direito Constitucional (Centro de Estudios Constitucionales de Madrid).

Redação

1 Comentário

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  1. Acredito que o senhor esteja aproveitando este momento sério, para politicagem. Acredito no Presidente que elegemos.Se alguém tem condição de levar o nosso país neste momento é ele. É lúcido. Deu-se conta, de que o perigo econômico e as mortes que pode acarretar, é ainda maior que o do vírus.

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