sábado, 20 de abril de 2024

Jornalismo em tempos de Covid-19: acertos, desafios e uma chance de recuperar a credibilidade perdida, por Andressa Kikuti

Quem deveria demonstrar confiabilidade e proteger a população, é flagrada endossando dados errados sobre vacinas, distanciamento social e origem do novo coronavírus.

Vai que acham que é sério! Fonte: Dahmer

da objETHOS

Jornalismo em tempos de Covid-19: acertos, desafios e uma chance de recuperar a credibilidade perdida

Eis que, bem numa semana de subida da curva de contágio pela epidemia da Covid-19 no Brasil, com o número de mortos indo para a casa dos milhares, o calendário nos lembrou de duas datas comemorativas: o Dia Mundial da Saúde e o Dia do Jornalista. Eram ambas em 07 de abril – também o primeiro dia da lua cheia, que para a astrologia é uma fase de agitação e transbordamento das emoções (para melhor ou para pior)… Simbólico, não? Tanto profissionais da saúde quanto jornalistas estão passando por momentos de muita tensão e lutando, cada um a seu modo, contra a pandemia e suas consequências. O papel de jornalistas é bem distinto do de médicos e enfermeiros, mas também é importante, afinal é impossível viver sem informação confiável e contextualizada com o mundo virando de pernas para o ar.

A pandemia da Covid-19 é um cenário novo, e não há fórmulas prontas para lidar com ela. Há muitas tentativas, alguns erros e acertos, e muitos desafios, entre os quais podemos citar o risco de contaminação pelo vírus para as equipes que trabalham na rua, a dificuldade em conciliar atividades domésticas ao teletrabalho para quem fica em casa, a ausência de contato físico com as fontes, o aparato técnico limitado, o agravamento da crise financeira dos media e a urgência de reportar com qualidade acontecimentos que poderão transformar profundamente nossa vida em sociedade. Como aponta a pesquisadora Márcia Franz Amaral em entrevista para o objETHOS, nenhum profissional se torna especialista no coronavírus de um dia para o outro, e nenhum jornal consegue criar uma estrutura de cobertura de uma hora para a outra. “A cobertura compassada com o tempo cronológico do desastre é fundamentalmente anestesiante”, afirma ela. Fato é que, desde que as medidas de isolamento social começaram a ser implementadas no Brasil, todos os olhos dos noticiários se voltaram quase unicamente ao tema da pandemia.

Do limite aos caminhos da cobertura diária da TV

A cobertura de hard news, jargão jornalístico usado para designar aquele tipo de conteúdo voltado para um grande público e que discorre sobre os acontecimentos mais recentes do dia a dia, foi (e segue sendo) super importante para manter as pessoas informadas sobre as regiões mais afetadas pelo vírus, os cuidados para evitar o contágio e, principalmente, as medidas que estão sendo tomadas pelo poder público para enfrentar a situação junto à população (ou contra ela, em alguns casos). No caso da Globo, a líder de audiência na TV aberta, a aposta na cobertura extensiva com foco nas hard news se destacou. Parte da programação de entretenimento foi suspensa para dar lugar a programas jornalísticos. Todos os dias, das 04h às 15h (ao todo, 11 horas consecutivas), a emissora transmite programas ao vivo cujo foco é a cobertura da pandemia. O carro-chefe do jornalismo da emissora, o Jornal Nacional, também teve seu espaço ampliado e passou a ter 50 minutos de duração. Isso fora os telejornais locais, o Jornal da Globo, os boletins que entram nos intervalos da programação, e daí por diante. É sem dúvida um enorme esforço, que demanda comprometimento e organização.

Mas essa estratégia de cobertura estendida que, no início, serviu como um alento às mentes e corações desassossegados pela ameaça da doença, com o passar do tempo parece se aproximar de um ponto de saturação. Há falta de originalidade nas pautas. Pesquisas e dados são divulgados mas, em alguns casos, há pouca interpretação e contextualização. O monotema “coronavírus” se torna cansativo, as informações se repetem noticiário após noticiário, os índices sobre o número de infectados e mortos nos países atingidos são atualizados várias vezes ao dia, e isso tudo, ao invés de tranquilizar, pode causar sentimentos de impotência, ansiedade e tristeza nas pessoas, como alertam especialistas em saúde mental. Tanto que a recomendação tem sido limitar o volume e o tempo que se passa consumindo informações.

À Pública, o autor do livro “A psicologia da pandemia”, Steven Taylor, relembra outras vezes em que a humanidade passou por momentos como esse e afirma que somos resilientes, porém também aconselha limitar o volume de notícias sobre o tema, além de reforçar o contato com amigos e familiares. Como sustentar tantas horas de programação jornalística diárias e, ao mesmo tempo, evitar a repetição de informações? Como manter a população bem informada sobre a pandemia sem, no entanto, saturá-la? É uma situação difícil, mas uma coisa parece certa: o jornalismo diário, principalmente o televisivo, precisará em breve se reinventar se não quiser se tornar causador de angústia, ao invés de orientação, e desinteresse, ao invés de referência. Boas saídas podem ser produzir dados confiáveis e contextualizados sobre a pandemia, e criar conteúdos que alertem a população sobre os riscos da desinformação, como apontou a pesquisadora Lívia Vieira na newsletter do Farol Jornalismo. Outra solução, segundo ela, é dar ênfase para a checagem dos fatos.

O antídoto para a crise de desinformação também é a chance do jornalismo

Aí vem outro problema: em tempos de isolamento social, o excesso informacional não vem só da TV ou de outros meios jornalísticos. Pessoas em casa consomem muito mais conteúdo on-line e se comunicam mais via redes sociais e mensageiros instantâneos, que podem estar lotados de fake news. É fácil criar desinformação num contexto de tantas incertezas, e ela vem, aliás, de todos os lados: as autoridades políticas, que deveriam ser as primeiras a combater informações falsas, são responsáveis por alguns dos surtos de fake news sobre a pandemia, conforme aponta um artigo assinado por fact-checkers brasileiros. Quem deveria demonstrar confiabilidade e proteger a população, é flagrada endossando dados errados sobre vacinas, distanciamento social e origem do novo coronavírus.

Isso tem dado bastante trabalho às agências de checagem, que estão na linha de frente desse combate. No fim de março, a Pública conversou com as chefias de quatro agências brasileiras (a Lupa, Aos Fatos, E-farsas e Estadão Verifica) e apontou que o volume de informações falsas que circulam sobre coronavírus surpreendeu até os fact-checkers. A média é de três novas fake news por dia, e as mais compartilhadas, segundo eles, são sobre receitas milagrosas e teorias da conspiração. Os checadores trabalham em conjunto com pesquisadores(as) e agentes de saúde para desmentir os boatos que se espalham por aí, mostrando o que é confiável em meio ao oceano de desinformação.

Mas se tem uma notícia boa em meio a essa crise, é que o cenário de pandemia tem relembrado às pessoas o valor da ciência e do jornalismo, que andavam com a imagem desgastada pelos discursos anti-científicos e pelos ataques proferidos por governantes, entre as quais o atual ocupante do cargo de presidente do Brasil. O filósofo Mário Sérgio Cortella também aposta na recuperação da confiança na mídia e na ciência como um dos legados da pandemia, e os dados da pesquisa Datafolha parecem endossar isso: a TV e os jornais são vistos pela população como os mais confiáveis na divulgação de informações sobre a crise do novo coronavírus, em detrimento de informações obtidas nas redes sociais. Esta parece ser uma chance de ouro para provar, de uma vez por todas, que o jornalismo é essencial para a sociedade. Que informação verificada, contextualizada e bem elaborada é capaz de nortear decisões melhores em momentos de crise.

Andressa Kikuti
Doutoranda em Jornalismo (PPGJOR/UFSC) e pesquisadora do objETHOS

Redação

1 Comentário

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  1. “…uma chance de recuperar a credibilidade perdida…Quem deveria demonstrar confiabilidade e proteger a população, é flagrada endossando dados errados sobre vacinas, distanciamento social e origem do novo coronavírus…” Os próprios Profissionais da Imprensa indagando o porque desta Imprensa, ter entrado nesta Indústria da Histeria. Há quem interessa a Histeria? Centenas de Artigos projetando toda forma de Golpe de Estado talvez apontem um norte. Credibilidade?! Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação (P.S. Alguém acreditava que 90 anos de Estado Ditatorial Absolutista Caudilhista Assassino Esquerdopata Fascista, replicados em 4 décadas de farsante Redemocracia, largariam a mamata que se nutre desta tragédia nacional quase secular, largariam o osso de forma fácil?)

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