Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
[email protected]

Keynes volta a galope, Hayek no limbo da história, por Andre Motta Araujo

Pascácios neoliberais acham que tudo volta ao normal depois da crise sanitária. Ledo engano. A operação keynesiana nos países ricos e suas vertentes nos emergentes vai mudar a geografia do dinheiro e contas serão apresentadas.

Keynes

Keynes volta a galope, Hayek no limbo da história

por Andre Motta Araujo

A História é fruto das grandes crises, dos cataclismas religiosos, bélicos, sanitários, da luta pelo poder, das ondas migratórias, das fomes provocadas por fenômenos naturais, fatores incontroláveis, gigantescos, muito maiores que ciclos econômicos naturais, processos menores apesar de aparentarem serem protagonistas da História.

O que é a China de hoje senão a expressão geopolítica produzida pela Revolução Comunista de 1949, que unificou um país até então dilacerado por senhores regionais, os “warlords” de Chiang Kai Shek roubando até o último grão de arroz dos camponeses? Os grandes cataclismas moldam a História e por causa, e gerado por eles, nascem gigantes com um Lord Keynes, que salvou a economia mundial nos anos 30. Parece que as crises criam seus grandes homens, produzidos antes, mas revelados pela crise.

KEYNES, UM HUMANISTA

Ao contrário do espirito mesquinho e pequeno de Hayek, apostando uma ideologia econômica em um vício do ser humano, a ganância, Keynes não tinha ideologia, pensava e agia de acordo com as circunstâncias, podia ser conservador e no momento seguinte ser heterodoxo inovador, depois voltando a ser ortodoxo mas sempre com inteligência, o Keynes do New Deal era um criativo de ideias novas e, em 1944, em Bretton Woods, inventou a catedral da ortodoxia econômica, o Fundo  Monetário Internacional.

Como o costureiro capaz de desenhar vestidos longos para as grandes damas e na semana seguinte produzir uma coleção “pret a porter” ou o pianista clássico que também sabe tocar bossa nova, Keynes fazia parte das MENTES ECLÉTICAS, as únicas que representam a inteligência natural do ser humano. Os cérebros com ideias fixas, como os neoliberais de Hayek, não são inteligentes, são meros crentes de uma ideologia congelada no tempo e que nunca foi valiosa e muito menos é universal, uma receitinha que serve em algumas épocas e em alguns territórios, descartável quando aparecem os cataclismas como o vírus e as guerras dilacerantes.

Como o mundo pode aceitar pela boca de Mrs.Thatcher um sistema econômico baseado em DEFEITO do ser humano, um modelo baseado na ganância?

O homem deve visar seu aperfeiçoamento moral e não seu pecado como se esse fosse qualidade. O neoliberalismo é um mecanismo vicioso, mau na essência, porque não é lastreado no humanismo e na solidariedade, é calçado na ambição egoísta, apresentada como virtude, uma torção intelectual inaceitável, o que é ruim não pode virar bom.

A fragilidade moral do neoliberalismo é seu buraco no caso, no limite o excesso de ganância afunda o barco, todos não podem ser gananciosos ao mesmo tempo. O neoliberalismo é um aleijão social e moral que no fim de cada ciclo gera uma crise que, além de financeira, é também moral, provocada pelos excessos do egoísmo de mercado.

PENSAMENTO ECONÔMICO IDEOLÓGICO É UM CONTRASSENSO HISTÓRICO

Friedrich von Hayek, cientista político austríaco criou a ideologia do “mercado” como antídoto contra as tiranias que geraram a Segunda Grande Guerra. Em 1944 fundou a Sociedade do Monte Pelerin e publicou o livro-base O CAMINHO DA SERVIDÃO, bíblia dos avôs dos atuais neoliberais, movimento dos anos 70 lastreado em Hayek e apresentado como ideário contra o Estado Social Democrata Europeu. O grande defeito desse conjunto de ideias que formam a IDEOLOGIA DO LIVRE MERCADO é que não prevê crises.

Com crises tanto financeiras, como as de 2008, como epidêmicas, como a atual ou com guerras de todos os calibres, a ideologia neoliberal não funciona. E não funciona porque o ferramental da grande política, onde se insere uma política econômica, NÃO TEM IDEOLOGIA, depende das circunstâncias. Essa foi a grande visão de Keynes.

É infantil alguém pretender operar a economia a partir de uma ideologia universal, que serve para todas as geografias físicas e humanas, para todos os contextos políticos e sociais, a gestão da economia depende do território, da tipologia humana e social, do nível de educação, da índole do povo, cada contexto exige um tipo de política.

Keynes não foi o único grande pensador eclético em economia. Hjalmar Schacht, economista alemão era tão eclético quanto Keynes, mas queimou sua biografia ao servir ao nazismo como Ministro da Economia do Terceiro Reich. O mesmo cérebro era ultra ortodoxo ao liquidar com a hiperinflação alemã de 1923, um trabalho brilhante que serviu de base ao Plano Real brasileiro e foi ultra heterodoxo ao criar os mecanismos monetários para tirar a Alemanha da recessão em 1933, muito antes dos EUA, de um desemprego de 40% em 1933 chegou a pleno emprego em 1936, financiando sem dificuldades a recuperação da indústria alemã e o enorme rearmamento do Reich.

Processado em Nuremberg, Schacht foi absolvido e teve uma terceira e bem sucedida carreira de consultor econômico para países.  Que contraste desses grandes cérebros com um medíocre Hayek, cozinheiro de um prato só, propondo um sistema que inevitavelmente produz crises, como as de 2008, a serem resolvidas pelo mesmo Estado que ele propõe reduzir.

A CRISE DO NEOLIBERALISMO É ANTERIOR AO CORONAVÍRUS

A “economia de mercado” já estava em crise mundial antes do Coronavírus. A absurda concentração de renda e riqueza provocada pelo encolhimento das políticas públicas, a liberdade licenciosa para os “mercados” operarem contra o interesse geral da sociedade, caso das FUSÕES de empresas onde só ganham os acionistas e perdem todos os demais interessados, dos consumidores aos empregados, enquanto executivos nadam em bônus indecentes, banqueiros faturam comissões sobre riqueza papel fictícia e advogados jogam na mesa faturas de milhões de dólares, a sociedade é quem paga a conta como perdedora nesse processo.

O Coronavírus apenas apressará a liquidação desse modelo vicioso reciclado por Hayek e repaginado por Mrs.Thatcher e o Presidente Reagan, país do modelo renascido nos anos 7O. Nada disso sobreviverá após o Coronavírus porque agora volta com toda a força o Estado para refazer os estragos antigos e novos, da crise do modelo e da crise da saúde.

Pascácios neoliberais acham que tudo volta ao normal depois da crise sanitária. Ledo engano. A operação keynesiana nos países ricos e suas vertentes nos emergentes vai mudar a geografia do dinheiro e contas serão apresentadas.

O derrame de liquidez a partir dos EUA vai provocar mudanças nos canais mundiais do dinheiro, para o bem ou para o mal. Modelos serão revistos, nasce um novo mundo.

Mais do que nunca, como no pós guerra de 1945, os Estados serão demandados para resolver monumentais crises sociais e econômicas, adeus neoliberais, fiquem na saudade.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

18 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. “Como o mundo pode aceitar pela boca de Mrs.Thatcher um sistema econômico baseado em DEFEITO do ser humano, um modelo baseado na ganância?”
    Porque naqueles e nestes tempos a maioria da população vivendo na terra foi e ainda é mais gananciosa que solidária.

  2. Bem escrito Andy,
    Mas subestima o protagonismo chinês.
    O Estado terá sim uma participação maior na solução da crise. Mas qual Estado?
    O autoritário e concentrador?
    Bem , é necessário desmontar a mentira implantada pela Srª Thatcher e o grande farsante Reagan. Enquanto há tempo.

  3. Vou aproveitar. Interessantíssimo o novo fato que se apresenta no mundo: a dependência dos países por fornecimento chinês de até mesmo EPIs. “Relegaram” à China a produção de bens elementares. Devem estar percebendo como ela pode dominá-los facilmente. Será que muda alguma coisa? Se não, estamos fazendo por merecer.

  4. Sonhar é bom… Esse texto, suscitou-me algumas questões: a partir de que ponto a ambição é excessiva? Quem vai se responsabilizar por conter a ambição dos outros? O estado? Mas e quando os eleitos para administrar o estado são pessoas compromissadas com a iniciativa privada? O próprio empresário dirá que “desse ponto não passo mesmo que deixe de ganhar”? Em algum tempo ou lugar já ocorreu algum sucesso do ponto de vista social e democrático com pessoas ligadas às empresas privadas administrando o estado? Há como fazer o capitalismo “involuir” até um ponto antes da evolução ao que se chama de “neoliberalismo”? Onde e quando, do ponto de vista democrático, coletivo, humano e social, o capitalismo vem dando certo? O que indica que daqui para a frente dará? O comunismo soviético foi desmontado mas o socialismo chinês e o cubano parece que vão bem, corrigindo seus erros na medida em que aparecem, não?

  5. Que bom, o Andre que conceitua história com análise econômica voltou. Não entendo de economia mas confesso estar morrendo de medo de que saiamos dessa crise para um modelo econômico ainda pior. A teoria neoliberal parece ter destruído as conquistas humanistas construídas pelas várias civilizações humanas. Os seres humanos de todas as classes sociais parecem indiferentes a dor, ao sofrimento. A ausência de líderes mundiais, com exceção do Papa Francisco, me deixa mais pessimista ainda. No Brasil então, onde aprisionaram um líder como Lula no estigma de corrupção e elevaram infames como Bolsonaro, Moro e Guedes o deserto é ainda maior. Que empresário, que banqueiro proporá princípios humanistas na recomposição da economia do país se aceitaram sem reservas esses infames que lhes concederam todas as riquezas em que se locupletam?

  6. Há de se concordar com a postagem, pois ela é carregada de fatos, lógica e bom senso.
    O mundo tem uma OPORTUNIDADE de reformar seu modelo social-econômico-financeiro global.
    O problema é saber se o “vício” de Hayek (conservar) prevalecerá sobre a “virtude” de Keynes (ajustar).
    Hayek e seus similares são apenas constatadores da realidade nua e crua, defendendo isso como se fossem os criadores de uma visão econômica a ser perseguida, mas apenas argumentam sobre o “status quo” histórico. Ora aí fica fácil, como engenheiro de obra pronta. E com o apoio e a conservação dos (conservadores) que já têm poder!
    Keynes traz uma visão da BUSCA de ajuste da realidade para atender aos desígnios da sociedade como um todo. O que além de ter o esforço de “muda, ajustar”, tem a resistência dos que “serão mudados” (ajustados), os já bem sucedidos, confortáveis, fortalecidos e empoderados na realidade existente.
    Por isso Hayek e seus similares têm o sorriso fácil dos que já têm a “crua realidade” ao seu lado.
    E os Keynesianos têm a face compenetrada do trabalho de “correr atrás” para mudá-la, ajustá-la, recuperá-la (geralmente crises, como por ex. a de 1929). E mexer com interesses de quem não vai querer que ‘balancem o bote”.,
    Vão mexer com os essenciais jatinhos do dono da Madero? As meritórias fazendas griladas maiores que países? As 4 Bugattis, Ferraris, Bentleys e Mercedes do Cristiano Ronaldo, para que ele possa ir trabalhar? Tudo isso é sagrado! Como os dízimos oferecidos ao Espírito Santo através dos bispos coletores.!
    Enfim, deixemos de papo: há um cavalo passando encilhado!
    Conseguiremos montá-lo?

    1. Complementando:
      Se perdermos este cavalo, o risco iminente pós Covid-19 é que o PIB mundial (economia) se ajuste aos níveis atuais em alguns anos.
      E que a dívida pública mundial (finanças) mais que duplique, de >3 vezes o PIB hoje para umas 6 vezes ou mais.
      Já se montarmos o cavalo:
      A humanidade voltará a níveis de solidariedade semelhantes ao pós guerra (WWII) e (aí é “sonho meu”) o multilateralismo crescerá e o financismo perderá força. Será (novamente) mais e melhor controlado, em favor da economia real e da sociedade, assim como os BC’s, hoje voltados à banca.
      Quem sabe daqui a um” tempo incerto e não sabido”, cheguemos ao “sacrilégio” de uma só moeda (fora câmbio e sua economia paralela!), com algum mecanismo melhor que a criação de dívidas, de bilhões para alguns milhares?
      Ma aí ainda deve ter muito “pocotó” pela frente!…

  7. Há esses economistas ligados aos tucanos, antigos liberais, que já perceberam que a maré virou: Mônica de Bolle, Armínio Fraga, Pérsio Arida e André Lara Resende.

    Mudaram a visão de mundo em um período curto, de aproximadamente 01 ano. Há algumas hipóteses para isso, desde jogo eleitoral a uma mudança profunda no pensamento. Como Keynes, também podem dizer que não foram eles quem mudaram, mas os fatos.

    O interessante é que estão em sintonia com esse movimento de resgate do papel do Estado no crescimento da economia, fundamental num período onde o capital financeiro tem uma força como poucas vezes na história. Das outras vezes que isso aconteceu, houve tragédias como a Grande Guerra de 1914-18.

    O fato é que a ascensão do sudoeste asiático nos fez lembrar de períodos onde o crescimento econômico trazia inclusão, quase sinônimo de crescimento. A social democracia européia foi implantada nos países mais populosos pela democracia cristã, de direita. O regime militar brasileiro caiu quando a quantidade de famílias na classe média parou de crescer.

    A Europa terá que enfrentar a inclusão das famílias vindas das ex-colônias e seus descendentes, única medida para não entrar em colapso demográfico. Os EUA terão que abraçar seus excluídos, que vão desde o white trash a mudança no perfil dos imigrantes, agora de países da America Latina, Ásia e África, não mais europeus. A America Latina terá que abraçar seus excluídos seculares, na sua maioria descendentes das populações aborígenes do seu território e/ou da imigração forçada vinda do continente africano.

    Ou as diretrizes econômicas mudam ou o capitalismo ficará para as próximas gerações como a grande fake news do nosso tempo.

  8. “A idéia keynesiana de criar demanda através de estímulos governamentais é basicamente idealista e antidialética. Uma só questão deve ser respondida: onde os governos obtêm o dinheiro para estes estímulos? Se o dinheiro vem dos impostos, então isto quer dizer: ou tributar a classe capitalista, o que significa uma mordida em seus lucros, criando uma greve de capital e, dessa forma, reduzindo investimentos; ou tributar a classe trabalhadora, o que reduzirá o seu poder de consumo e, dessa forma, reduzindo a demanda – o oposto do que os estímulos governamentais pretendiam fazer!”

    Adam Booth

  9. Prezado André!

    Parabéns pelo artigo e pelas ricas reflexões que ele suscita.

    Tenho esperança que seu prognóstico seja certeiro e que mecanismos institucionais políticos e econômicos mais respeitosos da condição humana emerjam em todas as nações após o fim da pandemia da Covid-19. Nos cabe sonhar e trabalhar de alguma maneira por isso.

    Abraços.

  10. “…Os grandes cataclismas moldam a História e por causa, e gerado por eles, nascem gigantes com um Lord Keynes, que salvou a economia mundial nos anos 30. Parece que as crises criam seus grandes homens, produzidos antes, mas revelados pela crise…” A VERDADE É LIBERTADORA. Keynes salva a Economia Mundial nos anos de 1930, justamente quando cabeça torna-se em rabo. A mais prospera e pujante Economia e Nação do planeta, pega o caminho inverso. Gudin pega o acesso Hayek. O planeta ira pela expressa Keynes. Nossa tragédia tem sentido único sendo seguido e mantido por 90 anos. A barbárie, ignorância e atraso encontra seu Estado. E Elites Nepotistas que o controlarão por intermináveis 9 décadas. O restante da Elite Intelectual Paulista como Monteiro Lobato, que restou de perseguições e deportações de Ditadura Fascista, ainda consegue manter o país ao lado das Nações Democráticas na Grande Guerra e seus patrimônios como a permanência do petróleo sob a soberania brasileira com Petrobrás. Que deveria ser plural, privada mas nacional como Keynes pregava. Mesmo assim grande conquista da Elite Paulista em tempos de medíocre Ditadura Fascista. O resto da tragédia estamos pagando por quase 1 século. Não é fácil mudar pensamentos moldados e doutrinados por analfabetismo e atraso projetados por satélites deste Governo Caudilhista Fascista como MEC (1930), mas já visualizamos uma saída. Não agianta lamentarmos este século perdido. Este já ficou para trágica história brasileira de Getúlio Vargas e lacaios nepotistas como Tancredo Neves, Ivete Vargas, Luiz Carlos Prestes, Filinto Muller, Juscelino Kubscheck, Adhemar de Barros, Gaspar Dutra, João Goulart, Leonel Brizola,…. E a ‘Genialidade de Latrina Econômica’ de Eugênio Gudin. Quem nasceu para Hayek nunca será Keynes. Como chegamos até este fundo de poço em 2020? O caminho é tão óbvio. Mas até o óbvio, nos é de difícil compreensão. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

  11. Wishful thinking com muitas boas intenções morais e pouco argumento substancial. Aposto em outro sentido. O que estamos vendo – e veremos mais claramente com o passar do tempo – serão direcionamentos de gastos públicos que ao final obedecerão a três lógicas. 1- Financiamento e/ou desoneração por parte dos estados de plataformas de acesso barateado a serviços de interesse público oferecidos pela iniciativa privada. 2- Aumento do volume de crédito para a sociedade mediado por bancos privados. 3- Resgate de grandes empregadores na iniciativa privada fragilizados pela crise e pactos setoriais de manutenção de emprego e garantia de contratos suportados pelos estados. Em resumo, os estados serão fomentadores mas a mediação será provida não por instituições públicas, mas pela iniciativa privada. Criptokeynesianismo. E o mundo inteiro vai cair.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador