Por que a pandemia produz estragos mais severos na economia brasileira, por Lauro Veiga Filho

O impacto da crise teria sido menos intenso caso a estrutura produtiva fosse mais complexa e tivesse capacidade para gerar empregos de melhor qualidade, com menor desigualdade no mercado de trabalho

O impacto da crise teria sido menos intenso caso a estrutura produtiva fosse mais complexa e tivesse capacidade para gerar empregos de melhor qualidade, com menor desigualdade no mercado de trabalho

Por que a pandemia produz estragos mais severos na economia brasileira

por Lauro Veiga Filho

O mercado de trabalho já vinha observando desempenho modesto em todo o País desde o começo do ano passado e foi severamente afetado pela pandemia, registrando o fechamento de quase 8,4 milhões de empregos na comparação entre o quarto trimestre de 2019 e igual período de 2020, chegando a 86,2 milhões de ocupados. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o total de ocupados chegou ao número mais baixo para um quarto trimestre desde o começo da série histórica mais recente, iniciada em 2012.

Ao mesmo tempo, o total de desempregados aumentou quase 20,0% naquela mesma comparação, atingindo pouco mais de 13,9 milhões de trabalhadores. Incluindo desalentados e trabalhadores que deixaram de buscar ocupação, mas gostariam de trabalhar, a crise no setor afetou pouco mais de 31,0 milhões de pessoas (quase 30,0% mais do que no mesmo trimestre do ano anterior). Se incluídas na estatística do desemprego, a taxa de desocupação saltaria daqueles 13,9% para 26,5%.

O estrago poderia ter sido menos grave se a estrutura produtiva na economia brasileira apresentasse níveis de complexidade superiores, com empregos de melhor qualidade, anota Nelson Marconi, coordenador executivo do Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP/FGV), em artigo publicado na edição deste mês da revista Conjuntura Econômica, editada pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da própria FGV.

O nível reduzido de complexidade entre os diversos setores de atividade, com participação relevante de empregos de menor qualificação em sua “estrutura ocupacional”, ajudou a agravar os reflexos da pandemia, penalizando proporcionalmente mais exatamente aqueles trabalhadores que já recebiam salários médios mais baixos, piorando a concentração dos rendimentos no mercado de trabalho. Na verdade, complementa Marconi, “a prévia concentração da renda agudizou os efeitos da pandemia no País”.

Como descreve o economista em seu artigo, “a heterogeneidade do mercado de trabalho brasileiro foi importante para determinar, como era esperado, a distinção entre os efeitos da pandemia sobre seus diversos segmentos. Como nele predominam ocupações que demandam habilidades menos complexas e em setores de serviços que requerem contato direto, altamente afetados durante a pandemia, o impacto da pandemia foi mais agudo”.

Baixa complexidade

Numa economia com estruturas ocupacional e setorial mais complexas, que contemplassem “empregos de melhor qualidade (em termos de complexidade de atividades, remuneração e condições de trabalho, entre outros)”, o tamanho do impacto seria outro, provavelmente menos intenso. “Como lição”, acrescenta Marconi, “reforça-se que a mudança estrutural e a consequente melhoria da qualidade das ocupações deve ser um dos principais objetivos da política econômica e das políticas públicas em geral”.

De acordo com Marconi, a análise da composição setorial da produção, mostrando quais segmentos são mais relevantes na economia, assim como a avaliação da composição das ocupações no mercado de trabalho, diretamente relacionada à estrutura produtiva, ajudam a entender “o cenário do mercado de trabalho de modo estrutural, e os motivos pelos quais a pandemia afetou mais intensamente alguns grupos de trabalhadores”.

O professor da FGV trabalhou microdados da PNADC e identificou as diversas combinações entre ocupações e setores produtivos. Para efeitos do artigo, Marconi selecionou 15 combinações entre ocupações e setores, que representam em torno de 60,8% do total de ocupados no País. Para cada uma delas foi estabelecida sua participação no total de ocupações, o rendimento médio relativo (ou seja, comparado à remuneração média efetiva de todos os ocupados), média semanal de horas trabalhadas e escolaridade média, considerando o total de anos de estudo.

Entre os grupos analisados, Marconi identificou uma predominância de ocupações ou de setores com remunerações médias abaixo da média nacional. “Entre as 15 combinações selecionadas, somente duas (relacionadas a ocupações nas áreas de ciências, educação, saúde, informação e comunicação, além de atividades financeiras) pagam remunerações acima da média, demonstrando que a pandemia atingiu fortemente grupos que já recebiam rendimentos reduzidos”, constata.

Num segundo destaque, profissionais qualificados em educação, saúde humana e serviços sociais, informação, comunicação, finanças, serviços modernos e alguns tradicionais, e da agropecuária registram avanço na participação sobre o total de ocupados, com redução para “trabalhadores domésticos e os atuantes no setor de alojamento e alimentação, ou nos serviços pessoais e relacionados ao lazer”. Para Marconi, “o grau de qualificação das pessoas fez toda a diferença no momento de tentarem se manter em suas ocupações durante a pandemia (ou mesmo obter outras)”. Para o conjunto de setores analisados, o trabalho mostra que praticamente 56,0% das ocupações referem-se a empregos de baixa complexidade ou de menor exigência de qualificação.

Conclui Marconi: “Portanto, não basta a sociedade possuir maior nível de escolaridade e habilidades para promover o desenvolvimento econômico. Certamente esse é um aspecto crucial, pois incrementa a disponibilidade de pessoas mais qualificadas para o trabalho, mas o processo de mudança estrutural, na direção de setores mais complexos, também é fundamental para que haja demanda por pessoas que possuam maiores habilidades. Temos que investir muito em educação e no processo de mudança estrutural se quisermos gerar bons empregos, e até mesmo enfrentar pandemias futuras em condições melhores.”

Redação

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