Solidariedade é a chave, por Fábio Felix e Gabriel Elias

Um entrave em particular para esse esforço solidário tem sido encontrado na tentativa de conter a disseminação do vírus no sistema prisional.

Solidariedade é a chave

por Fábio Felix e Gabriel Elias

A ameaça do novo Coronavírus nos desafia a substituir o pensamento individualista pela solidariedade. Essa é a chave para conseguirmos poupar o máximo possível de vidas frente a essa pandemia. Um problema comum a toda a humanidade exige que o compromisso para frear o ritmo de contágio seja de todos, sob pena de os serviços de saúde não darem conta da demanda por cuidado intensivo. A consequência será o aumento do número de perdas humanas. 

Em razão dessa necessidade de maior solidariedade e cuidado comum para o bem-estar de todas as pessoas, uma série de esforços e sacrifícios coletivos têm sido feitos. Escolas e comércios fechados, indústrias paradas, milhares de pessoas trabalhando de suas casas, outras sem poder trabalhar. Para compensar esses sacrifícios, o poder público tem atuado para suspender cobranças de aluguéis, diminuir tarifas e impostos, além de ter aprovado uma renda mínima emergencial, através da qual famílias poderão receber entre 600 e 1200 reais durante o período em que o distanciamento físico as impede de garantir o sustento através do trabalho. Mesmo pessoas físicas têm atuado de forma solidária para compensar sacrifícios pessoais, como é o exemplo de jovens se oferecendo para ir ao mercado ou a farmácias para idosos e outras pessoas em situação de risco que precisam ficar mais isoladas.

Um entrave em particular para esse esforço solidário tem sido encontrado na tentativa de conter a disseminação do vírus no sistema prisional. O sistema já sofre com o que o Supremo Tribunal Federal classificou como “estado de coisas inconstitucional”, por não garantir direitos básicos fundamentais à dignidade humana. É nesse contexto que uma pessoa dentro do sistema, hoje, tem 35 vezes mais chance de adquirir tuberculose (outra doença infecciosa) do que fora do sistema. Com a chegada do Coronavírus ao Brasil, aumentou o receio de que ele pode ter uma ação devastadora entre as pessoas presas. O receio não é apenas de que o contágio ocorra de forma extremamente rápida, mas também de que as pessoas contagiadas – por terem outras vulnerabilidades decorrentes da situação do sistema prisional – desenvolvam formas mais graves da doença e exijam mais internações, aumentando de forma significativa o risco de morte. 

Por essas razões, o Conselho Nacional de Justiça editou uma recomendação dando diretrizes para o sistema de justiça atuar diante dessa crise. A recomendação estabelece o óbvio: que juízes evitem ao máximo ordens de prisão provisória; que juízes de execução penal concedam saída antecipada dos regimes fechado ou semiaberto, especialmente para pessoas que fazem parte do grupo de risco em presídios superlotados; que pessoas contaminadas cumpram pena em prisão domiciliar, entre outras medidas. A recomendação vai no sentido do que também foi recomendado pelo Subcomitê das Nações Unidas para Prevenção da Tortura (SPT) e foi saudada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. De fato, essa é uma preocupação mundial, uma vez que situações semelhantes levaram a rebeliões em presídios da Itália e obrigaram o Irã a libertar cerca de 70 mil presos. Ainda estamos em tempo de encontrar uma solução planejada para o problema aqui no Brasil.

Infelizmente, a estratégia de contenção da pandemia nos presídios tem sofrido resistência. O próprio Ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou que, “se a estratégia de contenção do vírus é ficar em casa, não tem que determinar prisão domiciliar pois a casa do preso é a prisão”. O ministro ignora que a estratégia de contenção do vírus não é simplesmente ficar em casa, mas praticar o isolamento físico, o que é impossível em presídios superlotados. Com um argumento fraco, o Moro disse ainda que um preso que ganhou direito à prisão domiciliar havia sido preso com drogas e fuzis. Era mentira. Pode ter agradado ao seu chefe, entusiasta da estratégia de usar notícias falsas para minar esforços de combate ao Coronavírus, mas prestou mais um desserviço ao país. 

O que parece difícil para essas pessoas entenderem é o aspecto obrigatoriamente solidário das estratégias de contenção à pandemia. Todos nós dependemos do mesmo sistema de saúde. Um, dezenas ou centenas de presos que se contaminem e necessitem de cuidado intensivo usarão dos mesmos leitos que pessoas livres. Cuidar de um é cuidar de todos. E vice-versa. Essa regra solidária, tão difícil para tantos compreenderem, poderá ser útil quando essa tempestade passar. Nossa relação com o sistema prisional precisa mudar não só em tempos de Coronavírus, mas permanentemente. 

Cuidar do bem-estar das pessoas presas não faz bem apenas ao indivíduo receptor dessas políticas públicas, mas para toda a sociedade. Da mesma forma, maus tratos cometidos contra essas pessoas retornam com custos altíssimos para toda a sociedade fora dos muros das prisões. Solidariedade é a chave. Estamos juntos nessa e em outras batalhas. Precisamos pensar soluções conjuntas para os nossos problemas. 

Fábio Felix, deputado Distrital e doutorando em Ciências Políticas

Gabriel Elias, membro da Plataforma Brasileira de Política de Drogas

Redação

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