Somente para a burrice não existe um teto, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

O Brasil prima por demonstrar a incapacidade matemática de seus governantes.

Somente para a burrice não existe um teto

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

                Em 1992, a revista Time trouxe uma matéria de capa com o título “The Math Gap” (defasagem matemática), em que, segundo uma pesquisa entre educadores, a desindustrialização dos Estados Unidos devia-se a que, entre os países desenvolvidos, os alunos americanos tinham o pior desempenho nas provas de Matemática. Digamos que a discussão seja um tanto simplória, pois há inúmeras outras variáveis que determinam o grau de industrialização. A educação é uma das principais, evidentemente; só que os Estados Unidos não se ressentem tanto disso porque podem importar os melhores cérebros do mundo, compensando largamente a mediocridade aborígene. O atraso do aprendizado em Matemática reflete-se, mais que tudo, no comportamento coletivo, assim como na análise crítica das políticas públicas.

                O Brasil prima por demonstrar a incapacidade matemática de seus governantes. No Plano Cruzado, houve um congelamento de preços que provocou desabastecimento a começar pelos bens duráveis. Cinco meses depois de sua edição, para inibir o consumo represado por tantos anos de inflação, decretou-se um depósito compulsório de 30% sobre o preço à vista dos carros. Os consórcios foram os primeiros a sofrer porque, a rigor, esse depósito deveria ser pago no momento da retirada do bem, valor este que, provavelmente, não estaria disponível ao consorciado. Foi uma grita geral. A coisa piorou quando, no dia seguinte às eleições, inaugurando o termo “estelionato eleitoral”, o depósito compulsório foi incorporado ao preço dos bens e os consórcios tiveram majoração de 30% de um dia para o outro. Para evitar a quebradeira, numa demonstração de absoluta inépcia, o Ministério da Fazenda, acompanhado pelo Banco Central, aumentou o prazo dos consórcios sem ajustar o tamanho dos grupos. Um grupo com cento e vinte associados, entregando dois carros por mês, um por lance, outro por sorteio, em sessenta meses, passou a oitenta e quatro meses, o que dá uma entrega de 1,4 carros por mês. Uma solução, no mínimo, ridícula, digna de reprovar qualquer aluno de terceiro ano do ensino básico.

                Outra demonstração da incapacidade de nossos governantes lidarem com a Matemática foi a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela reza que o superávit primário tem que ser de 3% do PIB para fazer face ao serviço do estoque da dívida pública. Como diriam os antigos como este autor, “É de cabo de esquadra”. Se a dívida pública for de 50% do PIB, basta que a taxa básica de juros exceda 6% ao ano para que, mesmo respeitando a lei, a dívida cresça. Se for, por exemplo, de 10%, para a mesma dívida de  50% do PIB, o estoque crescerá para 52% no ano seguinte. A conta é simples. 10% sobre 50% são 5% do PIB, descontando-se os 3% de superávit obrigatório, sobram 2% para lançamento em papéis novos para financiar o serviço da dívida. Mantendo-se a taxa de juros constante, o crescimento ocorrerá em progressão geométrica, até atingir 100% do PIB. O ideal seria fixar o percentual do estoque sobre o PIB, o que deixaria o Banco Central com pouquíssima margem para alterar a taxa básica.

                Não contentes com a demonstração de burrice acima, em 2016, aprovou-se a PEC 95, também conhecida como PEC do Fim do Mundo. Não faltaram avisos de que não funcionaria. Criar um teto de gastos com base no dispêndio do exercício anterior não reduz a participação do estoque da dívida sobre o produto interno bruto pelo simples motivo de que os gastos do governo fazem parte do PIB. Quanto menores os gastos, menor será o PIB; quanto menor o PIB, menor a arrecadação e maior será a sua parcela destinada ao pagamento do serviço da dívida. Como empresas vendem para o Estado, menor fica a capacidade do setor privado investir, levando a uma bola de neve que termina em caos. O crescimento da bola será tão maior quanto mais elevada for a taxa de juros, pois eles são pagos pelo Estado, reduzindo ainda mais a capacidade pagadora do governo. Isso é uma questão aritmética, independe de modelo ou de ideologia. Como se não bastasse , o estado passa a contar somente com a inflação para gerar aumento de caixa para pagar suas contas. É que a o dispositivo constitucional não atrela os gastos à arrecadação, mas aos gastos do ano anterior acrescidos da inflação do período. Assim, mesmo que a arrecadação caia, os gastos sobem, permitindo lançarem-se papéis novos para quitar os pagamentos correntes. O resultado, é a aceleração da bola de neve, a exemplo do que ocorre com a elevação da taxa básica.

                Tudo indica que, mesmo que, com o pé matematicamente quebrado, a lei de responsabilidade fiscal funciona melhor que o teto de gastos. A única conclusão a que se pode chegar é que somente para a burrice não existe um teto.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

4 Comentários

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  1. Caro sr. Doutor, o Brasil é este Projeto de enorme sucesso e duração que persiste nestes 91 anos !!! O incompreensível é ver que uma Mente que teve tamanho acesso educacional, informativo, literário, não enxerga isto ou não condena tal façanha !!! Plantou-se a semente do Abacate. E inacreditável !!!! Durante 9 décadas colhemos…………………….Abacates !!!!!! Cresceu um lindo Abacateiro. E ficamos Nós, Nação Brasileira, esperando pela ano que produzirá Laranjas !!! Ou Maças ou Ameixas !!! 40% do PIB repassado à Cleptocracia Tupiniquim. Tais Elites desta Cleptocracia controlando tudo, da vida à morte no Brasil. Asfixiando qualquer tentativa de liberdade. Por 1 século exigindo a Liberdade !!Liberdade de Imprensa, que agora vemos, produziu Abril, Veja, Folha, Estadão, Zero Hora, Globo,…Civitta’s, Marinho’s, Nassif’s, Mesquita’s, Kfouri’s, Carta’s,.. Como será que chegamos até aqui?! Liberdade Econômica, Liberdade Financeira, Liberdade Industrial, Liberdade Cientifica,…Mas estas são as Elites Esquerdopata Fascistas que produzem MEC (1930), Paulo Freire e sua Indústria do Analfabetismo, financiando Rede Globo com Bilhões de Dólares enquanto mantém TELECURSO. O Analfabetismo? Está sendo exterminado por milhares de Celulares e a vontade de Idosos, Crianças, Pobres, de estarem conectados. Afinal Somos esta Geração “Antenada”. Não produzimos nada. Mas consumiremos tudo que será ofertado. Por qualquer Preço. HiperInflacionados. MultiNacionais e Economias Estrangeiras agradecem. Enquanto prendemos por pretensa Sonegação Fiscal, o dono da Brasileira DOLYY, lemos em Matérias e mais Matérias, Sodoma e Gomorra produzido por Coca Cola na Sonegação Fiscal abençoada pelo Estado e Poder Político Brasileiro. Mas como chegamos até aqui? Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

  2. No cálculo do crescimento da dívida pública o autor considerou apenas resultado primário e taxa de juros. Faltou descontar o crescimento do PIB na equação.
    Outro fator matemático ignorado por TODOS economistas no cálculo acima, é que calculam taxa real de juro subtraindo a inflação oficial. O correto seria considerar o deflator implícito. Isto acabou de acontecer no endividamento menor que o esperado, mas ninguém notou.

  3. Ora, ora, quando elegemos legisladores da qualidade de um Tiririca para aprovar o orçamento público e leis correlatas, ou um presidente que afirma com alegria que -4%+5%=9% e que, portanto, a economia teve um “expressivo crescimento”, além de provar que votamos com o fígado, não damos a menor importância ao nosso dinheiro enquanto contribuintes.

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