Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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“Campesinos, caboclos, lampiões e índios”, por Rui Daher

Evento Produtores Rurais

“Voltei pra rever os amigos que um dia eu deixei a chorar de alegria”. Pois é, como escreveu o português Adelino Moreira (1918-2002) para a voz maravilhosa do gaúcho Nelson Gonçalves (1919-1998), eu voltei.

na Carta Capital

Pressinto desapontamento em olhos ruralistas. Não que cheguem a marejar lágrimas, mas sabem mais cômodo e vantajoso concordar com Ronaldo Caiado, na Folha de São Paulo, ou aceitar platitudes de ex-ministros e porta-vozes de associações de classe agro patronais.

Não pensem assim me magoar. Nem devem sonhar que no mês sabático eu tenha deixado de acompanhar o que se trama nos gabinetes de Brasília para a demarcação das terras indígenas, o enfraquecimento do ministério do Desenvolvimento Agrário por “Levyandade” orçamentária, ou as mudanças na decisão de 2010 da Advocacia Geral da União sobre a venda de terras a estrangeiros.

A roleta de vocês é conhecida há séculos. Viciada, sem novidade, não há samba mais monocórdico do que o que sai de seus berrantes. Não perderei tempo aqui tratando de tramoias lobistas. Sintam-se à vontade, pois.

Prefiro relatar os mais de 120 produtores agrícolas, suas famílias e cachorros, que foram a uma comunidade na zona rural ouvir sobre técnicas menos agressivas e mais baratas de aumentar as produção e produtividade das lavouras.

Deu-se em Bernardino de Campos/SP (10 mil habitantes), região que já foi cafeeira, mas atualmente se dedica aos legumes e hortaliças plantados em estufas. Gado de corte e leite, cana, soja e milho também rolam por lá.

Como a vizinha Piraju (30 mil habitantes), a cidade é banhada pela beleza e profusão de águas dos Médio e Alto Rio Paranapanema. Foi longa a Andança Capital. A região está a 340 km da ciclovia mais próxima de minha casa. Compensa. As paisagens são deslumbrantes, coisa linda, sô.

Melhor teria sido se no local escolhido para a conversa um vendaval não deixasse o salão sem energia. Nem mesmo a igreja comunitária os santos tiveram a misericórdia de iluminar.

Mas, por acaso, vocês já viram caboclos, campesinos, sertanejos e lampiões desistirem? Chamamos os últimos. Chegaram sem estrela de prata, lenço de seda vermelha, anéis e bolsas bandoleiras. Talvez, o espírito guerreiro de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938), estivesse presente. O bando chegou na forma de bons e velhos lampiões de gás.

Nessa energia discutimos se nas estufas de pimentões deve-se ou não retirar o primeiro fruto da “furquia” e propiciar às plantas maior enraizamento. Rimos com piadas caipiras, cantamos modas de viola, comemos tirinhas de bovinos e suínos em pratinhos de plástico usando as pinças de nossas mãos, encharcamo-nos em cervejas geladas e cachaças.

E os números, ó consultor poético? Dou. A lupa do Instituto de Economia Agrícola (IEA-SP) classifica a região pelo Escritório de Desenvolvimento Regional (EDR) de Ourinhos que, além de Bernardino de Campos e Piraju, conta com outros 13 municípios.

Em 2012, de lá saíram: 400 mil caixas de 25 kg de tomates; 13 mil engradados de 9 dúzias de alfaces; 18 mil caixas de 13 kg de berinjelas; 2 mil engradados de 15 kg de brócolis; 6 mil caixas de 25 kg de cenouras; 4 mil “cai-xas-de-chu-chu” (pegaram ou boiaram?); 60 mil de 24 kg de pepinos; 600 mil de 12 kg de pimentões. E mais quiabo, repolho, vagem, couve-flor, céus vegetarianos.

Poderá o comentarista natureba perguntar: e os agrotóxicos? Sim, mais do que o necessário. Tecnologias alternativas fomos lá mostrar.       

É daí que nos alimentamos. Mulheres colhedeiras, senhores e jovens de bonés e motos, barbas feitas para a ocasião, dentes que a pirâmide brasileira permite, trabalho sem proteção que a concentração de renda obriga.

Não reclamam, fazem o que sabem e querem aprender como fazer melhor. Terei o prazer de vê-los novamente, para festar no Santo Reis, em 8 de janeiro de 2016. Com dança de São Gonçalo e tudo.

Estão convidados. Vamos? Quem sabe o Síndico, Tim Maia, apareça.

Dia de índio

E aí, meninada? Acompanham os primeiros Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, em Palmas, Tocantins?

Esperando o quê? Rio 2016? Lamentando os 7 a 1 do futebol no ano passado? Acreditando em pódios para os mimados Massa e Bellucci?

Mais de 20 etnias nacionais e outras tantas delegações do exterior estão lá desde 23/10 e ficam até 01/11. A competição de arremesso de lanças foi linda.

Uma feira expõe a agricultura produzida por 14 etnias indígenas: mel, farinha, cacau, ervas, pimenta, tapioca, biscoitos. Tudo organizado pelo ministério do Desenvolvimento Agrário, que cede agrônomos para apoio técnico.

Isso é economia viva! O mais são papeis fúnebres que fazem as fortunas financistas.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

9 Comentários

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    1. Comparo muito

      o seu Clubinho das Letras com o trabalho que faz meu filho em comunidades carentes. Ele é artista plástico, Gabriel Daher. Vez ou outra coloca as coisas dele no FB. Poderíamos estar falando num Clubinho das Tintas, sei lá. Um dia te mando fotos. Quanto às “palestras Brasis e Andanças Capitais”, você não pode imaginar quanto me fazem feliz.

  1. Que mancada!

    É muito bom ter alguém que vem contar “causos” do agronegócio “caipira” (pequenos e médios produtores rurais) aquí neste espaço. Digo agronegócio “caipira” porque o termo agronegócio isolado, sempre se refere aos grandes produtores.

    Felizmente de uns doze anos para cá o termo Agricultura Familiar ganhou força de marketing que se ombrea com o “grande” agronegócio. 

    Se formos comparar ambos, veremos que quem nos alimenta são os produtores da Agricultura Familiar, exemplo dado pelo Rui da regional de Ourinhos na produção de olericultura. E é isso mesmo. Essa turma produz na raça, contra tudo e todos.

    Eu trabalho na Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Não sou nem da CATI e nem da Pesquisa (APTA). Sou da Coordenadoria de Defesa Agropecuaria (CDA).

    Uma correção deve ser feita em nome dos colegas da CATI.

    A LUPA (sic) é o Levantamento das Unidades de Produção Agropecuária realizado pelo pessoal da CATI, que são os que realmente põe a mão na massa. O IEA (Instituto de Economia Agrícola) é um órgão da APTA que apenas compila os seus dados para divulgar os seus impactos econômicos.

    Feito os devidos esclarecimentos, continuo a ler os bons artigos do Rui neste espaço.

    Faço uma provocação ao Rui.

    Gostaria que você comentasse neste espaço um assunto que envolve o meu trabalho – a CDA.

    Pela primeira vez na história os EUA vão importar carne bovina in natura do Brasil.

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