A ação ‘sustentável’ de grandes tradings agrícolas estrangeiras no cerrado, por Junior Aleixo

A incorporação das ‘dinâmicas verdes’ pelo setor agroindustrial corporativo financeirizado aumenta o valor financeiro da produção, da terra e dos recursos naturais

A incorporação das ‘dinâmicas verdes’ pelo setor agroindustrial corporativo financeirizado aumenta o valor financeiro da produção, da terra e dos recursos naturais

do Brasil Debate

A ação ‘sustentável’ de grandes tradings agrícolas estrangeiras no cerrado

por Junior Aleixo

A incorporação das ‘dinâmicas verdes’ pelo setor agroindustrial corporativo financeirizado aumenta o valor financeiro da produção, da terra e dos recursos naturais
19/04/2021

As principais tradings agroalimentares do mundo estão reunidas no Soft Commodities Forum (SFC)[1]desde 2019. São elas: ADM, Bunge, Cargill, COFCO International, Glencore Agriculture e Louis Dreyfus Company (LDC). OSFC atua como uma plataforma global interligada por diversos investidores financeiros e atores corporativos, cujo objetivo é promover ações coletivas em torno de desafios comuns para produção sustentável de soja, em especial em 25 municípiosde 5 estados do Cerrado brasileiro. O fórum é capitaneado pelo World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), o Conselho Empresarial Internacional para o Desenvolvimento Sustentável[2].

Os estados e municípios prioritários são: Maranhão (4 municípios: Balsas, Carolina, Mirador e Sambaíba); Tocantins (10 municípios: Peixe, Lagoa da Confusão, Porto Nacional, Goiatins, Pium, Santa Rosa do Tocantins, Mateiros, Aparecida do Rio Negro, Campos Lindos e Monte do Carmo); Piauí (4 municípios: Baixa Grande do Ribeiro, Uruçuí, Ribeiro Gonçalves e Currais); Bahia (5 municípios: Formosa do Rio Preto, Correntina, Riachão das Neves, Jaborandi e São Desidério); Mato Grosso (2 municípios: Planalto da Serra e Campos de Júlio).

A narrativa recorrente da produção agrícola interligada às cadeias globais sustentáveis tem ganhado cada vez mais força nos relatórios e portifólios das principais tradings agroalimentares. A noção de produção e produtividade sustentável e a incorporação dessas “dinâmicas verdes” no setor agroindustrial corporativo financeirizado  possibilita uma precificação e a dinamização do valor financeiro da produção, da terra e dos recursos naturais.  Exemplo também da mercadorização das florestas, dos projetos de infraestrutura e logística, mudanças no uso do solo, assim como da agricultura sustentável serem negociados em mercados de crédito de carbono e acordos de Redução de Emissões por Diminuição do Desmatamento (REDD+).

Desde 2019, essas tradings se reuniram para produzir relatórios sobre a produção de soja rastreável na região do Cerrado, com intuito de monitorar os “riscos de sustentabilidade”. Os relatórios são semestrais e abordam a porcentagem que cada empresa adquire de soja dos 25 municípios considerados estratégicos e “mais vulneráveis ao desmatamento” na região. Não obstante, os municípios prioritários também são os que possuem a maior presença dos membros do SCF e representam 8,7% do bioma, e concentram cerca de 44% da área de vegetação nativa no Cerrado convertida em soja nos últimos 5 anos.

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) tem sido um dos principais instrumentos utilizados pelas tradings para rotularem a produção de soja como sustentável. O primeiro argumento é de que o CAR possibilita o georreferenciamento das fazendas e uma maior acurácia e, ao mesmo tempo, indica que os territórios estão de acordo com a legislação ambiental brasileira. Ou seja, “onde tem o CAR, a produção de soja é reconhecidamente sustentável”.

O que não consta nos relatórios é que a rastreabilidade só é possível a partir dos fornecedores diretos de soja, os fornecedores indiretos não possuem rastreabilidade, e nem as joint ventures dessas empresas. O que acaba por não contabilizar uma parcela considerável da produção. Outra questão não destacada nos relatórios é que o CAR tem passado por uma série de reveses em relação às sobreposições do cadastrado sobre as mesmas áreas, o que tem contribuído para uma massiva grilagem verde no país, assim como revelou o estudo da GRAIN[3].

Os signatários do SCF a partir da agenda da retomada verde também têm captado através de fundos internacionais[4] e investidores estrangeiros grandes quantias de capital destinadas para financiar a inscrição[5]dos seus próprios fornecedores em projetos de regularização ambiental a partir do CAR nos municípios prioritários. Uma junção entre: investidores estrangeiros (mercado financeiro), tradings agrícolas, produtores locais e a narrativa de produção sustentável.

À vista disso, o peso moral na construção do imperativo de uma agenda global verde engendra uma alavancagem nos investimentos financeiros e práticas produtivas desses atores que têm rebatimentos diretos nos territórios locais.

A administração dessa agenda pelo setor corporativo agroalimentar financeirizado tem sido usada, a princípio, não apenas para garantir o controle da cadeia produtiva baseada em boas práticas, mas, também, porque legitima o uso irrestrito dos territórios, dos recursos naturais, e até mesmo do é considerado “externalidade econômica”, como as negociações sobre emissões de carbono, e sua consequente comercialização nas principais praças financeiras.

Junior Aleixo – É graduado em Relações Internacionais (UFRRJ), com mestrado de ciências sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ). Doutorando em Ciências Sociais, Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ

Crédito da foto da página inicial: Marcello Camargo/Agência Brasil

[1]Disponível em: https://www.wbcsd.org/Programs/Food-and-Nature/Food-Land-Use/Soft-Commodities-Forum/News/members-publish-first-common-reports-on-soy-supply-chains

[2] Os principais financiadores e colaboradores do WBCSD são: Climate-KIC, EAT, Fundação Ford, GIZ, Fundação Gordon and Betty Moore e WeMean Business.

[3] Disponível em: https://grain.org/en/article/6219-regularizacao-ambiental-e-fundiaria-tensionam-pela-massiva-privatizacao-das-terras-publicas-e-territorios-coletivos-no-brasil

[4]A Cargill criou em 2019 um fundo de 30 milhões de dólares para financiar projetos de agricultura sustentável e projetos de reflorestamento da América do Sul com base na rastreabilidade da cadeia de suprimentos, com foco principal no Cerrado e no MATOPIBA. Disponível em: https://www.cargill.com/doc/1432166413206/soft-commodities-forum-progress-report-june-2020.pdf

[5] A Bunge financiou cerca de 17 mil fazendas nos municípios prioritários para se cadastrarem no CAR. Disponível em: https://www.bunge.com/sustainability/SCF2019June.pdf

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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