Kátia Abreu e os latifúndios, por Rui Daher

Kátia Abreu e os latifúndios

Por Rui Daher

Da Carta Capital

A ministra e seus críticos estão certos, prova da condição peculiar da agropecuária brasileira

Para Kátia Abreu não importa o tamanho da propriedade, desde que colham grãos, café, cana-de-açúcar, ou criem animais para o complexo de carnes

Foi herege a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, ao dizer que não há latifúndios no Brasil? Creio que não. Erraram analistas em folhas e telas cotidianas ao desmenti-la? Também não.

Trata-se de um caso clássico da agropecuária vista assim do alto e com a lupa. Serve a dois senhores.

Cacete! Discutir latifúndio a esta altura do campeonato? Cosa vogliono? Remeter-me ao livro do mineiro Victor Nunes Leal (1914-1985), “Coronelismo, Enxada e Voto”, de 1948, e reeditado pela Companhia das Letras, em 2012? Li-o ainda na década de 1970. Com toda a fúria esquerdista.

Escrevia o autor: “(…) é óbvio o domínio da grande propriedade, nos dias que correm, como foi comprovado pelo censo agrícola de 1940 (…) classificando as propriedades rurais segundo a área, obteve ele os resultados que assim resumimos: 1,46% das propriedades latifundiárias (de 1000 ha e mais) possuem 48,31% da área total”.

Acabo de ler e ouvir o mesmo setenta e cinco anos depois. Teria, de lá para cá, o Brasil ampliado o território nacional?

Poderia também recorrer a “Assim falou Julião”, de Gondim da Fonseca (1899-1979), sobre as Ligas Camponesas, mas penso que aí estaria indo longe demais. A meninada das Redações estranharia.

O tema é, pois, mais um em que a Federação de Corporações discute ao sabor do momento. Não reconhece, ou finge não saber, processos históricos como dinâmicos.

Kátia Abreu, entendam, dá exclusiva atenção às grandes propriedades produtivas. Não importam suas áreas, desde que colham grãos, café, cana-de-açúcar, ou criem animais para o complexo de carnes.

Nisso ela não erra. São propriedades grandes, muitas incorporadas por arrendamentos, cujas culturas precisam de extensão para intensificar a produtividade através de tecnologia e mecanização. Assim adquirem competitividade interna e no exterior. A elas, o rótulo latifúndio não serve.

Posições à esquerda responderam isso ser uma falácia. Como? Reproduzindo dados do Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA: 2,3% dos proprietários detêm 47,2% “de toda área disponível à agricultura no País”.

Baita mudança em relação a 1940, não? Repito: as duas situações existem e permanecem. Depende do ponto de vista a que se recorre.

Para a ministra, propriedades de 50 mil hectares (não exagero), se produtivas, não são latifúndios, mas valiosas contribuições ao modelo agropecuário brasileiro, instalado a partir dos anos 1970, e irreversível, hoje em dia.

Da mesma forma, está correto quem vai aos dados disponíveis no IBGE/2006 (defasados) ou INCRA (2014), e lá encontra o mesmo que Victor Nunes Leal constatou e criticou na primeira metade do século passado.

Grandes grupos empresariais nacionais e estrangeiros, em seus nomes ou de subsidiários, detêm em seus ativos milhões de hectares de terras agricultáveis. Estes, sim, latifúndios improdutivos. Servem a formar cadastro, reserva de valor imobiliário ou, até mesmo, a futuros projetos agropecuários associados a fundos soberanos estrangeiros (restrições facilmente contornáveis) – chineses, árabes, o siri e o cacete (mais uma vez, grato João Bosco e Aldir Blanc).

Vivem de olho em nossas muitas sobras. Felizes seremos, desde que não nos surja um governo entreguista pela frente. As duas teses nunca irão se bicar. Perda de tempo, pois.

Cansado de escrever (1): o mundo rural de Kátia e seus Caiados é impossível reverter. Não exclui aspectos negativos, aqui já esmiuçados, mas é bom e o que temos para o momento. Tem ajudado muito o manco modelo econômico capitalista brasileiro, fincado em acordo secular de elites incapaz de priorizar o fim da miséria.

Cansado de escrever (2): há terra disponível a rodo para servir à inserção social. Nas mãos do Estado promove-la, através do Ministério do Desenvolvimento Agrário, queiram ou não os altissonantes berrantes ruralistas e associações patronais do agro.

Em seu livro, Nunes Leal propunha o que todos nós queremos: “[números] bastante expressivos para nos dar uma ideia bem viva da mesquinha existência que suporta a grande maioria dos milhões de seres humanos que habitam a zona rural do Brasil”.

Daí que Patrus Ananias, é a boa novidade. Tem raça e saber para aparelhar com terras, recursos financeiros, tecnológicos, segurança contra intempéries e oscilações de preços de mercado a quem realmente necessita das três instâncias de governo. Agricultura familiar e arranjos produtivos locais na veia, meus caros.

Para os demais, rotulando-os ou não como latifúndios, as Bolsas de Chicago, Nova York e o comércio internacional dão conta.

Se querem discutir algo mais proveitoso do que latifúndio, tentem, no caju, identificar o que é fruto e o que é pedúnculo. Também, aproveitando a rima, perceber onde arde o de campesinos, caboclos, colonos e sertanejos.

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. é semprebom ertextos que dão

    é semprebom ertextos que dão uma saída e não criam mais

    problemas do que os que já existem.

    a possbilidade do patrus trabalhar com uma certa desenvoltura

    já é uma boa notícia.

    independentemente do que pensem os tais latifundiários,

    “o siri e o escambau”…

  2. “Há terra disponível a rodo para servir à inserção social.”

    Os países europeus, muito menores que o Brasil, resolveram em boa parte a questão do latifúndio. 

    O Brasil, país com uma das maiores abundâncias em terras no mundo, não consegue em mais de 500 anos resolver o problema. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador