Argentina faz reforma judicial contra pressão midiática e provoca reações

País está prestes a aprovar um projeto de reforma judicial que gerou discórdias entre a oposição ao governo do presidente Alberto Fernández

Foto: Juan Ignacio Roncoroni/EFE

Jornal GGN – A Argentina está prestes a aprovar um projeto de reforma judicial que gerou discórdias entre a oposição ao governo do presidente Alberto Fernández e obteve modificações, esta semana, no Senado, incluindo uma cláusula para evitar a pressão dos grandes grupos da imprensa em matérias judiciais, o que gerou ainda mais polêmicas.

No final de julho, Fernández apresentou um projeto de reforma judicial com o objetivo de trazer maior independência ao poder. Entretanto, assim que chegou ao Congresso, a oposição interpretou a medida como uma forma de blindar a ex-presidente e atual vice Cristina Kirchner, que enfrenta diversos processos na Justiça.

Do lado governista, apesar das investigações contra Kirchner serem consideradas uma perseguição imposta durante o governo do ex-presidente Maurício Macri (2015-2019) contra a ex-liderança do país, defendem que a proposta não guarda relação com os processos que a ex-presidente sofre no Judiciário, e sim busca trazer “celeridade e eficiência” e “consolidar uma Justiça independente”, descreveu o mandatário.

“Buscamos superar o cenário de o poder decisório concentrar-se em um reduzido número de magistrados e magistradas que, como ocorre na atualidade, têm o poder de conhecer e decidir em quase a totalidade das causas com relevância institucional, e consequentemente midiática”, apresentou Fernández.

Para elaborar o projeto, o presidente convocou um conselho assessor de 11 juristas, entre eles um dos advogados da vice-presidente, o que gerou inicialmente as controversas. A proposta provocou reações entre a ala mais conservadora, levando aos eleitores de Macri irem às ruas, em plena pandemia, nesta semana, a se manifestar contra o projeto.

Mas, de forma objetiva, o texto trazia as seguintes mudanças: contra a concetração do poder judicial, é criada uma Justiça Federal Penal com Foros Criminais e Penitenciários e Foros Penais Econômicos, com outros 23 novos tribunais atuando; unifica as Câmaras de Apelações e a criação de tribunais orais, fiscais e defensorias; a transparência na designação transitória dos juízes sob a fiscalização da Câmara Nacional de Cassação Criminal, o Conselho da Magistratura e o Senado. O texto afirma que as novas designações de juízes não afetarão o princípio de juiz natural.

Propõe, também, o fortalecimento da Justiça Federal no interior do país; transfere à cidade de Buenos Aires a competência para investigar e julgar a totalidade dos delitos federais cometidos no município; cria um conselho consultivo para fortalecer o poder Judicial e o Ministério Público e dita diversas regras de atuação que os juízes federais devem cumprir.

Ao chegar ao Congresso, contudo, apesar de o governo deter blocos majoritários em ambas Casas Legislativas, nenhum conta com a maioria dos parlamentares. No Senado, a reforma judicial avançou com modificações nas comissões, que debateram junto a 16 especialistas as mudanças na área.

“É muito importante, para recuperar a independência do Poder Judicia, romper com a concertação que restringe ou prejudica o pleno exercício das garantias de toda a cidadania”, afirmou a presidente do Plenário de Comissões do Senado, María de los Ángeles Sacnun, à Página 12.

Foram acrescentadas a modificação do tratamento dos delitos de lesa humanidade; altera o sorteio dos processos aos juízes, impedindo que sempre os mesmos juízes recebam os processos; adota uma regra democrática de seleção de candidatos ao Judiciário, mantendo o anonimato; não haverá a unificação do Foro Civil e Comercial com o Administrativo federal; as Secretarias de Direitos Humanos continuam com a atribuição sobre temas de Memória, Verdade e Justiça; avança com um projeto de lei para não discriminar a especialidade da Convenção dos Direitos da Infância para os conflitos de crianças no sistema penal.

Mas um ponto acrescentado pela ala governista provocou ainda mais tumultos entre a oposição no Senado: uma clásula que convoca os magistrados e denunciarem “imediatamente” as pressões “dos meios de comunicação” que receberem no exercício de suas funções.

Trata-se do aritgo 72, inciso E do projeto de lei, estabelecendo que os juízes devem “comunicar imediatamente ao Conselho de Magistratura da Nação qualquer tentativa de influenciar suas decisões por poderes políticos, econômicos ou de mídia, membros do Poder Judiciário, Executivo ou Legislativo, amigos ou grupos de pressão de qualquer natureza, e solicitar as medidas necessárias para salvaguard-la”.

Apesar do teor objetivo sobre pressões ilegais de grupos de comunicação na Justiça argentina, com o já histórico de ações com estes efeitos, como era de se esperar, a medida foi recebida pelos grandes jornais com rechaço, prevendo novas reações na próxima semana, quando o Plenário do Senado deve analisar, definitivamente, os rumos da reforma judicial proposta por Fernández.

 

Redação

5 Comentários

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  1. Talvez nunca consigam, mas, pelo menos, tentam melhorar. Ao contrário duma tal pindorama em que certo processo foi retirado da pauta 41 vezes sem a mínima justificativa à parte reclamante… Ou a certa suspeição dum determinado ex-juizite desMoronado que dormita escaninhos desde os primórdios …
    Pois é, cada um trata a ditadura como quer: lá, cadeia pra os golpistas e torturadores; aqui, ainda se comemora o golpe, as injustiças, a ditadura e os torturadores.

  2. Ao empoderar instituições de extração majoritária claramente anti-democrática, e por que não admitir sem rodeios, fascista e venal, poderíamos dizer que até mesmo retroagiu. Desfazer o produto dessa ingenuidade é uma tarefa complexa que sempre sofrerá críticas de fácil adesão dos hipócritas ou desinformados.

  3. Tá certo. Os humanistas tem que revidar, bater nos bárbaros com pelo menos a mesma força e determinação com que o golpe nas democracias foi dado. E que ninguém se engane: um bárbaro jamais vai se tornar um civilizado, essa mudança não é possível no nível individual. E no coletivo, costuma demorar algumas gerações e a depender da constância e da perseverança, do que se adotar como Educação. Ou se educa para a civilidade ou a barbárie – estado original – se mantém.

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